François Hartog toca numa questão fundamental para o historiador: o
tempo. Podemos muitas vezes esquecer que o tempo é um elemento
fundamental para história, mas isso não diminui sua importância
para tal área do conhecimento, no máximo demonstra alguma falha dos
historiadores. Comecei a me interessar pelo tempo após ler um texto,
do qual eu não me recordo o título, de Lucien Febvre onde ele
abordava historicamente a questão do tempo, mais em específico este
tempo do relógio, este tempo imediato como gosto de chamar – saber
que horas, qual dia. E bem, da mesma forma que este tempo sofrerá
mudanças constituídas por um processo histórico, o tempo (passado
presente, futuro) também mudará. O que parece mudar afinal, é a
relação com o tempo, já que afinal de contas ele sempre existiu. O
que mudou não é o tempo, mas nosso entendimento dele.
Ao longo da “história da História” (ou seja, uma análise da
historiografia, o conhecimento e as teorias produzidos sobre o estudo
do passado) percebemos que houveram distintos focos em distintos
tempos. De alguma forma, o único tempo que é “real” é o
presente, apenas ele existe, o passado já foi, não existe mais
exceto na memória, enquanto o futuro não aconteceu, não se
constituiu todavia. Devido a isso parece que cada vez mais o presente
é o que importa. Dois exemplos possíveis podem ser ilustrados por
meio de dois fatídicos episódios que ocorreram com a Alemanha. O
primeiro é o nazismo. Era por meio do passado, da história alemã
que o III Reich desejava construir um futuro, era no passado, desde
os tempos do sacro império, que buscavam justificar a construção
de um futuro, era no passado que este futuro ganhava direção. A
simbologia nazista ilustra isto, a saudação com o braço esticado
era feita entre os antigos romanos, a águia era também um
importante símbolo militar romano, o uso desenfreado das colunas
romanas nas construções nazistas também buscavam neste passado –
aliás o sacro império foi o maior herdeiro do império romano
ocidental – sua justificativa para um futuro, e de alguma forma o
presente era apenas um pedaço pequeno entre os gloriosos passado e
futuro.
O segundo é o que parece ditar muito mais o nosso tempo, a queda do
muro de Berlim foi afinal de contas um grande momento de ruptura, e
suspeito ainda não termos digerido este evento e o posterior
desmantelamento da União Soviética de forma concisa. Um fato
interessante é que ninguém esperava que o muro caísse e muito
menos que a URSS acabasse. Se planejava o futuro de uma forma, de uma
maneira, partindo de um certo aspecto, a existência do muro e da
União Soviética. Com a queda do muro o presente chamou a atenção
para si, dizendo “sou eu que decido”, não o passado, não o
futuro. Ninguém esperava o que ocorreu, o mundo e uma série de
relações se transformaram num ritmo e de uma forma que ninguém
imaginava. Creio que este evento ilustra bem nossa relação com o
presente. Uma delas é a de que planos para datas muito longas são
cada vez mais ignorados e abandonados, seja entre empresas, governo
ou até mesmo pelas pessoas ordinárias e o que querem de sua vida.
Talvez dai venha a crescente onda de não se desejar mais ter filhos,
eles implicam este planejamento longo, esta “limitação do
presente”. Com um filho para criar, já se sabe que algumas
responsabilidades serão constantes e estas precisam de planejamento
– educação, saúde, moradia, todos elementos que durante muito
tempo os pais terão que se preocupar para darem uma boa criação
para seu filho. Um exemplo prático é convidar pais adolescentes
para irem a uma festa, a primeira coisa que atravanca a saída é
encontrar alguém para cuidar da criança, isto exige um mínimo de
planejamento.
Da mesma forma que o presente nos pegou de surpresa, queremos
aproveitar estas surpresas do presente, como por exemplo ir a uma
festa de última hora. É inegável que existe também uma crítica
ao futuro enquanto provedor de melhora da nossa vida – será que
não é esse o conceito de progresso? Ou seja, direcionar-se para o
futuro não garante necessariamente uma melhora de vida, mesmo que a
tecnologia se desenvolva, sabemos também que esta não causa
unicamente uma melhora de nossa vida. Se não fosse por estas
impressões, não haveria uma curiosidade pelo passado, e muito mais
importante do que isto, uma vontade e encantamento pela preservação
desse passado. Exemplos? Os museus e os tombamentos. Não só prédios
dispersos pela malha urbana são tombados, como também áreas
inteiras de cidades. Estes bairros tombados e os museus com
fragmentos do passado são lugares que visitamos com grande alegria.
O tombamento também é acompanhado da velocidade com que “as
coisas mudam”, sempre há aquele pesar ao perceber que aquele
prédio que se gostava tanto sumiu.
Em resumo temos esta preocupação com o tombamento devido a
velocidade que percebemos o nosso presente. Queremos que esta nossa
vivência (que ocorre no presente) não seja necessariamente um
apagar do passado, sabemos que de alguma forma este passado faz
parte, às vezes maior, outras vezes menor, do nosso presente, mesmo
depois de rupturas. Existe nesta problemática questões referentes a
importância da história, a construção e as mudanças dos
conceitos e relações temporais e um desafio gigante, que Hartog
parece começar a organizar, porém ainda sem uma resposta muito
clara, já que este presente que vivemos, parece tão efêmero. E
sabemos que, como coloca Marc Bloch, é do presente que o historiador
parte, é de seu tempo, mesmo que se fale da Idade Média, se fala da
Idade Média possível da época em que se pesquisa e estuda. O
presente talvez seja um nó mais difícil de desatar do que o
passado.
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