Livro composto no melhor estilo “primeiros passos” faz parte de
uma coleção voltada ao debate histórico. O caso aqui é do
Iluminismo, e através de um curioso baralho de cartas onde as
realezas são substituídas por filósofos, o autor tece uma relação
entre estes pensadores clássicos do Iluminismo, sobretudo os
franceses, e os reis déspotas esclarecidos.
Apesar de não tratar especificamente desta questão, estamos
abordando um século XVIII em que a França conseguiu galgar o posto
de principal nação. Ultrapassando as potências ibéricas, é a
França (com a Inglaterra muito próxima) que ocupa a centralidade do
mundo ocidental, e junto com sua etiqueta, exércitos e comerciantes
vão também as ideias. Em superação ao Ancien Régime,
será necessário romper com seus preceitos e dogmas. Estes se
organizavam fundamentalmente em torno da religião, e a justificativa
do rei e seu governo estava num direito divino explicado através de
uma complexa escolástica. O movimento que nos interessa aqui é, o
rei deixar de ser uma figura divina para se tornar uma figura de
razão, e, é esta última que vai galgar o centro de tomadas de
decisão e raciocínio que culminam na Revolução Francesa e
fundamentam a modernidade. O processo histórico de que tratamos é
extenso, muitos colocam a tomada de Constantinopla pelos Turcos, mas
seguramente o evento das grandes navegações dialoga melhor com a
nova dinâmica de pensamento que começa a se constituir: a
modernidade.
É um processo que propicia a
emergência de figuras até então excluídas, pessoas de certa
riqueza, mas não necessariamente com título de nobreza, os
burgueses. Estes colocam a razão, o indivíduo, a liberdade e a
propriedade como os valores fundamentais para a constituição de uma
sociedade. Isto estava em distinção com a soberania incontestável
do rei e da Igreja, dois organismos que não raro se confundiam, e
consequentemente da honra em obedecer e servir ao rei – o que por
extensão era servir e obedecer aos pressupostos divinos. Mesmo que
este Ancien Régime
não fosse tão rígido como o delineamos agora, é notável como
suas estruturas começam a ruir ao longo do século XVIII e novas
questões são colocadas.
O Iluminismo não se entendia como
um movimento claro e coeso, a briga e discórdia entre suas
principais figuras era recorrente. O que ocorre é uma certa
novidade, onde figuras antes impossibilitadas de alguma participação
política, começam a fazer seu espaço. São os burgueses, pois em
sua maioria não viviam do trabalho bruto dos camponeses e não eram
nobres. Em sua maioria, estavam mais próximos do que hoje é chamado
de profissionais liberais. A novidade está em, ao mesmo tempo que
muitos destes pensadores eram presos ou perseguidos por seus déspotas
em seus respectivos países, não raro encontravam algum apoio e
abrigo no seio de uma corte estrangeira. Estes déspotas estavam, em
maior ou menor grau, sintonizados com os debates de seu tempo.
Verdade que poucos eram um Frederico II da Prússia, mas também é
verdade que ele não era exceção. Desta forma muitos destes
Iluministas acabaram trabalhando ou aconselhando muitos destes reis,
que se mostravam de fato interessados pelas questões postas pelo
Iluminismo. Sua ferocidade com os detratores ao mesmo tempo que
demonstravam interesse pelas novas obras lhe dá o título de
déspotas esclarecidos.
O autor em sua conclusão é algo pessimista e corre um sério risco
de concluir sua análise com algo de anacronismo ao afirmar que pouco
mudou. As mudanças são significativas, e não por acaso temos uma
Revolução encerrando este século que foi o XVIII. Ao longo do
próprio processo uma integração e comunicação entre os
diferentes sujeitos de diferentes nações, demonstram uma
transformação significativa em relação a um mundo antes em menor
diálogo. Isto é possível pelas questões técnicas da época, como
melhoria e expansão da rede de estradas e carruagens bem como da
navegação, e fundamentalmente do impulso de diálogo com outros
povos e outros sujeitos. Não podemos ignorar que ao termos um rei
protegendo alguém perseguido por outro rei, o movimento de
constituição de Estados soberanos se faz mais claro e nos auxilia
no entendimento da consolidação dos Estados nacionais no pós
Revolução Francesa. A simples questão do surgimento do Estado
moderno e de sua transformação em um aparelho que deve servir ao
bem estar do rei para servir o bem estar da nação, é algo notável.
Há transformações significativas sim, apesar do justo pessimismo
do autor em sua conclusão, ao notar que algumas questões ainda se
arrastam. E nisto curiosamente está o mérito do livro, ele
demonstra o processo de tensão em que esta transformação histórica
ocorreu. Em extenso período, os pensadores Iluministas e os déspotas
conviveram em constante negociação de seus atritos e concordâncias,
porém em dado momento a dialética alcançou seu limite de
contradições e o constante choque e fricção gerou um evento
explosivo como a Revolução Francesa.
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