terça-feira, 18 de abril de 2017

Os demônios - Fiódor Dostoievski

 
O grande feito da modernidade é colocar o ser humano como senhor de seu destino. A expressão máxima deste pensamento e ação tem seu melhor exemplo na Revolução Francesa. É neste episódio que pessoas deixam de tolerar a estrutura social em que vivem e, decidem transformá-la através de sua ação. A partir dai, a revolução enquanto meta e forma de transformar o mundo assentou seu lugar no imaginário. Levada de reboque com outros elementos da inteligência europeia, conseguiu se espalhar junto com seus impérios. A Rússia nos interessa por sua particularidade, nas bordas periféricas da Europa até hoje se encontra rodeada de perguntas sobre seu pertencimento entre a Europa e a Ásia (Ocidente e Oriente) e qual lhe define mais. Este tipo de preocupação já era recorrente nos tempos de Dostoievski.
No século XIX a Rússia czarista produziu os mais variados grupos rebeldes, desejosos de uma completa transformação da sociedade, dentre eles podemos citar: socialistas, anarquistas e niilistas. Sobre estes últimos, sua atuação foi mais constante no período da escrita de Os Demônios, e acabam sendo o grande alvo de crítica da obra. Abertamente panfletária e crítica a estes sujeitos brilhantemente retratados como provenientes de camadas médias ou altas, tendo cada qual sua ideia perfeita de uma sociedade perfeita. Temos uma clara caracterização da multiplicidade de debates e tensões do período através dos distintos personagens e sua argumentação. Desta forma, é sensato não definirmos o autor pura e simplesmente representado em algum dos personagens, Dostoievski era um sujeito completamente atento e interessado as discussões de sua época, e não deixava de abordá-las de forma crítica e até mesmo com certo sarcasmo. Todos são ridicularizados, em maior ou menor grau. Sejam eles eslavófilos, socialistas, capitalistas, liberais, conservadores, niilistas ou anarquistas. Exceto a religião ortodoxa, esta cada vez mais presente em suas obras pós cárcere, é claramente posta como o elemento mais importante para a constituição de uma sociedade decente.
A obra é uma cutucada numa questão muito cara, principalmente para as esquerdas, mas não só para elas: a revolução. Basicamente a argumentação de Dostoievski está presente desde o título da obra e na passagem bíblica que a abre, o famoso exorcismo de Jesus que transferiu os demônios para uma vara de porcos que imediatamente entrou em delírio e se atirou num barranco rumo a morte certa. Tenhamos aqui a dimensão de que uma das revistas empreendidas por Dostoievski se chamava época, que ele acompanhava atentamente os debates e leituras contemporâneos, bem como era um sujeito, que embora de província, se mostrava profundamente letrado. Por isso é possível afirmar que havia em seu pensamento uma perspectiva histórica através deste elemento da modernidade que é a consciência de viver e atuar num tempo único e na sua construção.
Revolução por revolução, ou seja, produzi-la a todo custo, é o que a obra nos adverte. A advertência é no sentido de que simplesmente produzir a ação de forte revolta e destruição da estrutura social vigente, produzirá pobreza e destruição em larga escala. É aqui que podemos lembrar que as revoluções são basicamente escritas com sangue. E mais ainda, podemos ver nos episódios mais recentes de que as promessas de revolução advindas da Primavera Árabe, pouco mais fizeram do que desestruturar aqueles países, que não tiveram ainda uma real reestruturação de sua sociedade ou qualquer transformação em escala válida. E, é aqui a questão cara para a esquerda, de se é realmente através da revolução que uma transformação social com meta de produzir um mundo mais justo e harmônico pode ocorrer.
Definitivamente uma obra intensa de Dostoievski, e que nos serve como ótimo meio de compreender o que se passava na Rússia pré-revolucionária e alguns dos pontos que produziram eventos como 1917 e principalmente sua intelligentsia.