O grande feito da modernidade é colocar o ser humano como senhor de
seu destino. A expressão máxima deste pensamento e ação tem seu
melhor exemplo na Revolução Francesa. É neste episódio que
pessoas deixam de tolerar a estrutura social em que vivem e, decidem
transformá-la através de sua ação. A partir dai, a revolução
enquanto meta e forma de transformar o mundo assentou seu lugar no
imaginário. Levada de reboque com outros elementos da inteligência
europeia, conseguiu se espalhar junto com seus impérios. A Rússia
nos interessa por sua particularidade, nas bordas periféricas da
Europa até hoje se encontra rodeada de perguntas sobre seu
pertencimento entre a Europa e a Ásia (Ocidente e Oriente) e qual
lhe define mais. Este tipo de preocupação já era recorrente nos
tempos de Dostoievski.
No século XIX a Rússia czarista produziu os mais variados grupos
rebeldes, desejosos de uma completa transformação da sociedade,
dentre eles podemos citar: socialistas, anarquistas e niilistas.
Sobre estes últimos, sua atuação foi mais constante no período da
escrita de Os Demônios, e
acabam sendo o grande alvo de crítica da obra. Abertamente
panfletária e crítica a estes sujeitos brilhantemente retratados
como provenientes de camadas médias ou altas, tendo cada qual sua
ideia perfeita de uma sociedade perfeita. Temos uma clara
caracterização da multiplicidade de debates e tensões do período
através dos distintos personagens e sua argumentação. Desta forma,
é sensato não definirmos o autor pura e simplesmente representado
em algum dos personagens, Dostoievski era um sujeito completamente
atento e interessado as discussões de sua época, e não deixava de
abordá-las de forma crítica e até mesmo com certo sarcasmo. Todos
são ridicularizados, em maior ou menor grau. Sejam eles eslavófilos,
socialistas, capitalistas, liberais, conservadores, niilistas ou
anarquistas. Exceto a religião ortodoxa, esta cada vez mais presente
em suas obras pós cárcere, é claramente posta como o elemento mais
importante para a constituição de uma sociedade decente.
A obra é uma cutucada numa questão muito cara, principalmente para
as esquerdas, mas não só para elas: a revolução. Basicamente a
argumentação de Dostoievski está presente desde o título da obra
e na passagem bíblica que a abre, o famoso exorcismo de Jesus que
transferiu os demônios para uma vara de porcos que imediatamente
entrou em delírio e se atirou num barranco rumo a morte certa.
Tenhamos aqui a dimensão de que uma das revistas empreendidas por
Dostoievski se chamava época, que ele acompanhava atentamente os
debates e leituras contemporâneos, bem como era um sujeito, que
embora de província, se mostrava profundamente letrado. Por isso é
possível afirmar que havia em seu pensamento uma perspectiva
histórica através deste elemento da modernidade que é a
consciência de viver e atuar num tempo único e na sua construção.
Revolução por revolução, ou
seja, produzi-la a todo custo, é o que a obra nos adverte. A
advertência é no sentido de que simplesmente produzir a ação de
forte revolta e destruição da estrutura social vigente, produzirá
pobreza e destruição em larga escala. É aqui que podemos lembrar
que as revoluções são basicamente escritas com sangue. E mais
ainda, podemos ver nos episódios mais recentes de que as promessas
de revolução advindas da Primavera Árabe, pouco mais fizeram do
que desestruturar aqueles países, que não tiveram ainda uma real
reestruturação de sua sociedade ou qualquer transformação em
escala válida. E, é aqui a questão cara para a esquerda, de se é
realmente através da revolução que uma transformação social com
meta de produzir um mundo mais justo e harmônico pode ocorrer.
Definitivamente uma obra intensa de Dostoievski, e que nos serve como ótimo meio de compreender o que se passava na Rússia pré-revolucionária e alguns dos pontos que produziram eventos como 1917 e principalmente sua intelligentsia.