quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lutando na Espanha - George Orwell

O livro é na realidade uma junção de outros escritos e adendos. A parte do livro que narra a presença de Orwell na guerra civil espanhola é o “Homenagem à Catalunha”. As narrativas são impressionantes para se pensar o que foram aqueles dias. A narrativa de Orwell é muito entusiasta e devo confessar que o desenrolar da história me surpreendia pois a única coisa a respeito da guerra civil espanhola que eu sabia era que a Itália fascista e a Alemanha nazista deram apoio a Franco e que os revolucionários perderam a guerra. E mesmo imaginando o final (esse talvez seja o problema de contar uma “estória” com história) o livro me empolgou bastante.

O livro conta casos engraçadíssimos que ocorreram com Orwell durante a guerra e ajuda a dar uma noção do que era ficar naquelas trincheiras dias... É engraçado as observações de George Orwell a respeito dos espanhóis, em especial no que diz a respeito do horário, onde os espanhóis nunca acertam a hora, geralmente atrasados, mas vez por outra para a surpresa de todos, adiantados. Para se ter noção da indignação do inglês (o que imagino explica sua indignação) ele relata que a primeira palavra que ele aprendeu na Espanha fora mañana, pois segundo o autor sempre que perguntava a respeito de algo lhe respondiam mañana. Porém estas observações de George Orwell não podem ser consideradas preconceituosas a respeito dos espanhóis, pelo contrário, fica claro a paixão de Orwell por esse país, pela gente que lá vivia, não por menos que ele, assim como tantos outros, arriscou sua vida naquela guerra. Por sinal a indignação de Orwell a respeito da passividade das pessoas e jornalistas a respeito da guerra civil espanhola deixa claro esta sua paixão pelo lugar.

Certa vez tive a oportunidade de conversar com um espanhol, e fora justamente durante o período em que eu estava lendo o livro, não resisti em perguntar para ele a respeito da guerra civil espanhola, especialmente pelo fato de ele ser formado em uma área das humanas que não me recordo ao certo qual. Ele havia me dito que em geral, para as pessoas mais velhas e para a Espanha em si ainda é complicado falar a respeito da guerra ou de Franco, os mortos e desaparecidos foram enormes. A Espanha por sinal é uma monarquia e como reflexo da guerra e dos longos anos da ditadura de Franco, aqueles sindicatos que haviam durante a guerra não existem mais. A título de ilustração temos uma ilustração do que fora o governo franquista no fundo do filme “A Culpa é do Fidel” de Julie Gavras e a viagem que seu pai, Costa Gavras acompanhado de Michel Foucault e outros intelectuais fizeram a Espanha para protestar contra a pena de morte dada a presos políticos. Esses seriam dois casos do que ocorreu em território europeu até o fim do governo de Franco em 1975.

Lembrando também que havia pouco tempo a URSS existia e a Alemanha e a Itália tinham enorme quantidade de pessoas ligadas ao comunismo, socialismo e anarquismo, fazia pouco tempo havia ocorrido a revolução mexicana... O interessante deste tempo é que tínhamos estes extremos, os revolucionários e os conservadores. A primeira metade do século XX fora certamente uma época de grande agitação política, e nisto o livro de Orwell é certeiro pois narra como fora o calor do momento daqueles tempos.

Aliás, o livro ajuda muito a compreender onde Orwell queria chegar com “A revolução dos Bichos” e “1984”.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Z - (Dir.) Costa Gavras

Durante um período trabalhei no arquivo Histórico de Blumenau (AHJFS) e lá tive um pouco de contato com o material do Seo Holetz, um senhor fanático por cinema. Nesses materiais haviam livros catalogando “os 100, os 1000, os 200, os 10; melhores filmes”, nestas listas sempre figuravam filmes clássicos que eu já conhecia como:2001 e Casablanca, entre estes filmes sempre encontrava Z. Um belo dia assisti este filme.

Costa Gavras tem filmes altamente políticos e panfletários, mas não pensem que teremos um panfleto barato ou um cartilha. Temos em Z um dos melhores filmes políticos, mas não é um filme monótono como podemos imaginar muitos filmes políticos, ele não se deixa perder o fôlego. Antes de começar o filme, eles advertem que qualquer coincidência é meramente proposital. O filme relata a situação política na Grécia nos idos de 1960, onde os Estados Unidos pretendiam instalar bases de mísseis na Grécia (que fazia fronteira com países então socialistas).

O que o filme traz de interessante é um panorama existente na época desta bipolaridade entre os EUA X URSS, onde basicamente se era “obrigado” a se posicionar sob a sombra de um dos dois. No caso, os personagens principais são políticos de um partido de esquerda que pretendem realizar uma conferência pela paz. Numa de minhas partes favoritas do filme um sujeito berra algo para os militantes a respeito das bombas nucleares que a URSS possuía, nisto um militante responde, “somos contra a bomba, seja ela dos EUA ou da URSS”. O discurso proferido neste conferência me foi muito importante na época que assisti o filme, e me deixou pensando a respeito do porque não de tantas coisas. Algo simples que já pensava e foi reforçado, onde o discurso do porque dos exércitos de se defender dos “outros”, mas caso nenhum país possuísse exército, ninguém precisaria se defender de nada. Não pretendo ser tão simplista, mas é algo que pensava quando mas novo que tem seu mérito.

O que me confundiu ao chegar no fim do filme, é o fato de não saber se o filme em si era uma paródia dos golpes militares dados durante todo o século XX com apoio dos EUA, ou de algum lugar em especifico, pois estes golpes militares são em sua estrutura muito parecidos. Assim que algum candidato assumia algum cargo de grande influência e tinha propostas contrárias as dos EUA ou dos conservadores, tínhamos os militares tomando a força o poder. O filme “Chove sobre Santiago” também é muito parecido em alguns aspectos, traz esta demonstração do que foram estas ditaduras.

A introdução é muito interessante para pensar este “medo comunista” e que didáticas foram utilizadas, como no caso do filme, comparar os comunistas as bactérias que destroem as plantações. Também conhecemos aquela velha história que circula entre a classe média, de que se o Brasil virar comunista, teremos que dividir nossas casas com outras pessoas mais pobres. Já ouvi muito isto...

Aliás, este é o primeiro filme a ser indicado como o melhor do ano e o melhor estrangeiro simultaneamente.

Trailer comemorativo dos 40 anos do filme, com legendas em inglês: http://www.youtube.com/watch?v=e_tJ5N6pQcw&feature=related




terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Estrangeiro - Albert Camus

Creio que ressaltar o fato de seu prêmio Nobel, e que este é um dos grandes clássicos, colabore para algo.

Albert Camus era um franco-argelino que chegou a viver o período da guerra pela emancipação política da Argélia em relação a França. Camus vai descrever em seu livro esta Argélia, mais em específico Argel (capital do país) onde morava o seu herói e ele mesmo. Fala do espaço “dividido” entre franceses e árabes, colocando sempre os árabes num plano mais exterior, presentes mas afastados e sem grandes falas.

O romance conta com uma carga forte de existencialismo, começa falando do funeral da mãe do herói, descreve alguns tipos de pessoas, mas superficialmente. A atmosfera mediterrânea africana muito me agradou. É ótimo para imaginar o que é a vida na África mediterrânea. O mar e o sol são uma constante. A respeito da própria Argélia pouco encontro sobre seu interior, a maior parte é sobre Argel.

Este livro ao lado de os irmãos Karamazov (Dostoievski) ligado a Vigiar e Punir (Foucault), me ajudaram a repensar fortemente o que é isto que comumente chamamos de justiça. A produção de um criminoso, os julgamentos que começam na maioria das vezes determinados. Principalmente ao se analisar os motivos pelos quais o condenam. Isto foi o que mais forte me trouxe a leitura deste livro.

Pelo que encontrei de crítica a este livro é a respeito da conformação do personagem ao final da obra, o que realmente é perceptível.

Claramente temos linhas existenciais neste livro, o que é algo esperado de um livro da segunda metade do século XX, ou mais especificamente, do pós segunda guerra.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Haxixe - Walter Benjamin

Até pouco tempo Benjamin era conhecido por ser da escola de Frankfurt, mas ultimamente alguns teóricos o trazem como um caso a parte, que tem certa influência da escola de Frankfurt é inegável, mas que ainda assim não pode ser tão metodicamente enquadrado. É um grande intelectual que é constantemente citado, isso ao menos no meio da História. Um grande fã de Baudeleire traduziu boa parte do trabalho de Charles para o alemão. De origem judaica é perseguido na segunda guerra e comete o suicídio.

Como se sabe Baudeleire já realizava experiências com drogas na sua antiga Paris (Baudeleire chega a ver o re-planejamento de Paris que a transforma na cidade planejada que é hoje). Vivia num meio de pura boêmia. Nestas experiências com drogas (as mais variadas) há um lugar especial para o Haxixe. Creio que esta admiração por Baudeleire levam de certo modo Benjamin a realizar algumas poucas experiências com o Haxixe. Ao que o livro relata não são muitas.

Walter Benjamin assim como Charles Baudeleire come o Haxixe, uma forma que me parece conhecida por poucas pessoas, geralmente o fumam. O caso é que o haxixe quando comido gera alucinações (não sei qual o efeito de quando fumado, pois os efeitos descritos no livro são provenientes da ingestão). É relativo a isto que Benjamin relata suas experiências neste livro, um livro escrito por um intelectual de alto calão de origem burguesa comendo haxixe. É interessante que Benjamin usa o haxixe a título de curiosidade, muito mais por experiência, o que é interessante para pensar o uso das drogas hoje em dia e as significações que as drogas ganham ao longo da história.

O bom deste livro é que ele não é acadêmico ou teórico como boa parte dos textos de Walter, onde ele consegue demonstrar uma boa erudição, ao menos nos poucos textos que eu li dele percebi uma alta erudição. Gosto de imaginar alguém tão intelectualizado como ele comendo o haxixe. Pelo que o livro relata ele aluga um quarto e fica ali sozinho apenas, lendo, (des)escrevendo e comendo o haxixe. Benjamin toma uma série de precauções para não sofrer alguma adversidade causada pelo efeito do haxixe, o que denota mais ainda o tom de experimentação.

126 p.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As veias abertas da América Latina - Eduardo Galeano


O livro é um clássico desde muito tempo. Escrito por Galeano enquanto as ditaduras militares reinavam e massacravam as Américas, e o que muitas vezes é esquecido por muitos jornalistas, governos militares apoiados pelos Estados Unidos da América e no caso do Brasil até mesmo pela GLOBO, que nunca põem e nenhum de seus slogans algo como “ditadura, a gente vê por aqui”.

Galeano relata de uma forma bem ácida e sem poupar ninguém nos momentos em que relata as extremas condições em que vive ainda boa parte do povo entre o México e a Patagônia. Exalta Cuba que na época ainda era uma grande esperança, mas para quem pouco conhece sobre Cuba ou conhece apenas o que assiste em noticiários, vale a pena dar uma conferida nos números que Cuba ainda hoje mostra com um enorme orgulho, índices muito superiores, sem dúvida alguma, aos que se tinha quando o governo ainda era de Batista, outro ditador apoiado pelos EUA.

Também fala do Brasil, é claro. Fala dos ciclos econômicos que aqui tivemos (falar de economia é algo praticamente obrigatório, pois a linha do livro é claramente marxista). A cana de açúcar que esgotou o solo do nordeste e que por fim enriqueceu muito mesmo os holandeses que ali estiveram. Sim, trouxeram algumas coisas legais como o Rugendas e construíram Olinda e Recife, não é isso? Logo também temos o ouro, que não foi tão abundante quanto nos outros países latino-americanos, mas que também não era pouco. Logo em seguida temos o ciclo do diamante. A questão de foco em si, é o rápido surgimento do ciclo, os esbanjar do dinheiro gerado dos lucros de um grupo minoritário enquanto um grupo maior (como os escravos) com muito pouco. Depois o café e toda a situação dos cafeeiros, que gera uma burguesia um pouco mais consolidada, mas ainda assim com aquela velha questão do uns com tanto outros com tão pouco, claro lembremos que o livro é marxista – o que não retira seu mérito, apenas ressalta qual o foco dado pelo autor: economia, luta de classes, mais valia... e realizando uma ponte com nossa atualidade as constantes privatizações que geralmente ficam na mão do capital estrangeiro.

Agora lembrei que já havia lido este livro justamente devido a um episódio recente que ocorreu no Chile onde mineiros estão presos na mina. Todos ficam sensibilizados, e todo nosso sentimento empático floresce. Bem, este triste acontecimento me fez lembrar imediatamente do longo histórico da exploração louca e selvagem de metais nas minas chilenas, que ocorre desde a chegada dos espanhóis. Em especial as minas de Potosí. Não há como não se envolver um pouco ao ler o livro, muito menos se revoltar.

Apesar do livro não ser uma leitura profunda, não perde seu mérito, pois tem uma boa generalidade sobre nosso continente. Também devo lembrar que há alguns pontos de vista históricos que já não são mais tão válidos, a exemplo da parte onde se fala da guerra do Paraguai. Um livro prático e básico, que ajuda muito a compreender este continente que já foi creditado como o paraíso celeste.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Retrato do artista quando jovem - James Joyce

James Joyce era de origem burguesa, seu pai era comerciante, o que ressalta o caráter biográfico de “O Retrato do Artista Quando Jovem”, pois Joyce assim como Dedalus estudou em colégio Jesuíta, e estes tem sua fama pela rigidez, tanto no conteúdo ministrado em sala de aula, quanto no quesito do adestramento, não abrindo mão da palmatória. Só para constar, o jesuítas seriam a ala intelectualizada da Igreja Católica Apostólica Romana, e fundados por Ignácio de Loyola, ex-militar (daí vêm sua famosa disciplina).

Dedalus se envolve em dúvidas atrozes, principalmente no que diz respeito a religião, o que pode ser algo bem desesperador para um irlandês, já que a Irlanda é um país majoritariamente Católico. Porém as dúvidas religiosas de Dedalus não me interessaram tanto quanto as ilustrações a respeito de sua experiência escolar.

Ocorre com Dedalus, assim como ocorre na vida real de Joyce, que seu pai começa a ter sérios problemas financeiros, seus negócios deixam de prosperar como outrora. Mesmo assim seu pai não abre mão de dar ao filho uma boa educação, o que de certa forma reforça um pouco a idéia da importância da infância para a formação do homem, no caso deste livro mais em especifico, do artista.

Apesar do título o livro não fala diretamente tanto de arte quanto se espera, para ser mais preciso trata mais de outras questões, como a estética e a religião ( o que de certa forma, influência muito!).

O livro pode ser tranquilamente comparado a uma cronologia da vida de Joyce até seu auto-exílio da Irlanda.

domingo, 1 de agosto de 2010

Arca Russa - (Dir.) Alexander Sokurov

Arca Russa é um filme russo feito numa única tomada, do começo do filme até o fim é a mesma tomada, o que significa que é contínuo tal qual um teatro. Além deste fato pouco comum é filmado no Hermitage antigo palácio de inverno durante toda a supremacia dos Czares, e agora é um museu. Pelo que soube quando pediram autorização para filmar o governo concedeu três dias, onde o primeiro e o último seriam para montar e desmontar o equipamento, respectivamente. Enquanto o segundo dia ficaria para a filmagem. Nas duas primeiras tentativas deu errado, um erro próximo dos 15 minutos de filme e outro próximo aos 45 minutos.

O que temos são dois personagens principais, um europeu (não especifica de que região da Europa) e um russo, do qual somente se ouve a voz, e o que se vê seria o que este russo no caso está vendo, seria uma visão em primeira pessoa. Os dois seriam fantasmas que vão percorrendo o Hermitage, de acordo com cada sala que visitam do museu se ilustra um período dos 300 anos de história da Rússia ilustrados pelo filme. Neste ponto, creio que conhecer um pouco da história da Rússia ajudaria consideravelmente.

É deslumbrante a precisão e o luxo do palácio, e esta presente mas não tão claramente, o debate sobre a questão Rússia-Europa, que também encontramos em Dostoievski. Nisto Pedro, o Grande foi o primeiro Czar a aproximar consideravelmente a Rússia do ocidente, não esquecendo também a importância da Czarina Catarina II.

O filme é ótimo para quem se interessa sobre a Rússia e sua história, além de ser um bom filme para se assistir.


Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=J--TDEHizVA


sábado, 17 de julho de 2010

Ecce Homo – Friedrich Nietzsche

“Sou um discípulo do filósofo Dioniso, prefiro ser um sátiro a ser um santo”

Por muitos, considerada com uma obra fruto da insanidade de Nietzsche, o escrito “Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é” (Ecce Homo, Wie man wird, was man ist) “Ecce Homo: de como se torna o que se é” é o que se poderia chamar uma autobiografia.

“Escutai-me! Pois, sou este, assim. Sobretudo, não me confundam com outro!”

Sem meramente findar-se em um elogiou de si, Nietzsche escreve-a, senão, como forma de continuidade/aperfeiçoamento de seus pensamentos. Suas linhas estão temporalmente no limiar da loucura de Nietzsche, sendo escrito pouco antes de o autor ser afetado pelos efeitos finais da sífilis (outubro-novembro 1888). Este é um livro, como não raro se vê nos opúsculos do autor, que a ser interpretado em sua pluralidade e os sentidos das palavras não se findam em seu stricto sensu, nem mesmo referem-se unicamente a Nietzsche.

“Não sou, por exemplo, um espantalho, um monstro moral – sou antes uma natureza contrária à espécie de homens que, até agora, se veneraram como virtuosos.”

Com um ar egocêntrico , ao mesmo tempo em que ele passa por uma análise de si e de suas obras, abre possibilidades de ser ao leitor. Sua maneira heterodoxa de escrever filosofia parece dificultar adentrar as entranhas de seus escritos, todavia jaz, aí, um excelente exercício de experimentação. Não obstante, ao desenvolver o texto passando por obras suas, Nietzsche, num duplo movimento, auxilia a compreendê-las ao mesmo tempo em que exige a leituras destas para compreensão deste texto. Assim – fica a dica! – quem sabe, Ecce Homo não seja um bom ponto de parti para adentrar as filosofias nietzschianas. Por tê-lo lido em meados de 2008, parte da leitura parece-me ter evaporado, porém, o livro é-me uma ótima sugestão para ampliar o entendimento deste autor.

“Compreenderam-me? Dioniso contra o crucificado...” a vós – Eis o homem!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Notas do Subsolo - Fiodor Dostoievski

Este livro de Fiodor é escrito numa forma de confissão. Como se fosse um diário contando eventos passados. A obra é famosa por apresentar um pouco do pensamento de Dostoievski, o que lhe dá um status de importância único. O sujeito é claramente alguém baseado no autor. Funcionário público pouco ambicioso, um sujeito pobre e doente (e um tanto quanto hipocondríaco).

O personagem refere-se algumas vezes a sua educação, de forma positiva, porém pode ser encontrado um tom sarcástico nisto tudo. Este livro me convenceu de que Dostoievski entra do grupo de críticos a modernidade, o que de certa forma, percebo também no pouco de Tolstoi que já li. Porém, deve-se lembrar que são autores diferentes.

Esta crítica a modernidade me leva a crer na importância que havia naquele tempo ser comunista ou anarquista. Porém, o assunto agora não seria este, ainda mais que o livro não trata deste assunto (ao menos não diretamente).

Dostoievski bate de frente com a razão, algo que é tão sagrado para a nossa sociedade atual quanto o trabalho e a democracia, são três valores intocáveis e inquestionáveis. Lembrando que o escrito foi elaborado durante o século XIX, que é um século conhecido pelos fortes avanços tecnológicos e as grandes mudanças políticas e governamentais.

Um livro interessante para ser lido, que de certa forma, pode colaborar para o entendimento do que seria a modernidade e também um pouco do espírito de uma época. Uma obra que como dito no começo, revela boa parte do pensamento de Dostoievski.

Também foi traduzido sob outro título como "memórias do subsolo".


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Chamado Selvagem - Jack London

Mais um livro de London. Primeiro livro seu que li, peguei por causa do nome do autor, que acho muito legal até hoje (faz tempo que o li!).

Sua escrita é muito boa. Mesmo quando a história não é muito interessante, sua escrita a torna uma boa história. Sobretudo a reputação de London é um tanto quanto “manchada” devido a ter escrito alguns livros onde o personagem é um cachorro (vide “caninos brancos”, que muitos devem conhecer pelo filme da Disney). E bem, este é um dos livros onde a história é de um cachorro.

Comecei o livro sem saber que ele era um cão, mas logo na segunda frase percebi. Mesmo assim insisti na leitura. Ao concluir a obra conclui que era um livro digno de ser lembrado.

O livro seria em base um retrato da sociedade, utilizando o cachorro como metáfora para o ser humano, o que de certa forma, ao se ler a história faz sentido, e mesmo muitas vezes no nosso dia. O capitulo que vez ou outra me deixa martelando a cabeça é o a respeito da lei do porrete e da dentada, parte do capítulo onde Buck (o cão) é “adestrado”. Ao martelar minhas conclusões a respeito da leitura de “vigiar e punir”, matutei sobre o quanto nós somos educados a base do porrete e da dentada. Assim como Buck, quando saímos da linha há alguém hierarquicamente mais elevado pronto para nos corrigir – o que no caso canino em questão seria um homem com um porrete em sua mão pronto para desferir golpes – ou um semelhante nosso tentando sobreviver da mesma forma que nós – no caso do livro um outro cão que poderia lhe morder caso a precaução correta não fosse tomada. Assim como, por exemplo, na escola temos o professor nos avaliando para verificar o quanto estamos seguindo as normas e nos dando nota por isso, até o colega que nos entrega para o professor quando cometemos alguma irregularidade, também podemos transferir para a relação patrão e empregado, e tantos outros exemplos.

O que Buck acaba tendo que fazer é se curvar as regras do jogo para conseguir sobreviver. Ele é um cão pacífico que ao longo do livro vai tornando-se cada vez mais violento, aqui London (que era comunista) já trabalha com a idéia da sociedade como formadora do indivíduo.

Um livro que pode valer a pena ser lido, e acima de tudo uma bela metáfora!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Literatura em Perigo - Tzvetan Todorov


Já conhecia o autor de "A conquista da América", livro seu onde fala sobre a colonização pelos europeus na América. Havia gostado de sua escrita. Quando soube deste seu livro, onde ele falava sobre o ato de ler, e havia acabado de terminar minha leitura de "A ordem dos livros" de Roger Chartier, não pensei duas vezes, peguei este livro fino de 96 páginas.

No começo do livro Todorov fala de sua infância na Bulgária, e seu contato com livros. Seus pais eram bibliotecários, e como ele mesmo conta, vivia cercado de livros, e estes eram seus grandes amigos.

Todorov critica principalmente a questão da literatura na educação, onde muitas vezes fala-se sobre a escola literária (ou movimento), estudam os autores, mas não se lê sua obra, original e integral, e quando se lê, o que é lido são resumos ou críticas da obra. Algo que só fui perceber lendo este livro, mesmo passando exatamente por isso na escola.

O livro tem uma escrita fácil de ser lida, Todorov domina bem a escrita. O tema do livro é interessante (livros e leitura!), e é uma figura de peso no mundo intelectual. Todorov evoca o amor pela literatura, algo que esquecemos como fundamental para o ato da leitura.

Apropriei muita coisa deste livro para mim, assim como todo bom livro deve me servir (mesclando as reflexões que obtive da leitura do já citado livro de Chartier "A ordem dos livros", o de Ray Bradbury "Fahrenheit 451" e o livro de Todorov sobre o qual escrevo agora), deixei de ser tão exigente quanto a obrigar as outras pessoas a ler, pois não é só a leitura que nos faz aprender, lembrando que Sócrates era analfabeto. Mas ainda assim não perco o fetiche pelo livro e não nego sua importância para o aprendizado. Lembrando que ele também dá importância aos livros de ficção, um tanto quanto desprezados na universidade.

Livro muito bom, falando de um assunto teórico numa escrita fácil e de rápida leitura.

E de brinde uma entrevista de Todorov a respeito de seu livro:
http://bravonline.abril.com.br/conteudo/literatura/tzvetan-todorov-literatura-nao-teoria-paixao-531493.shtml

Até a próxima!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Processo - Franz Kafka

Diferente do que vinha fazendo aqui, não farei aqui uma espécie de sinopse do livro somado a uma explicação ou algo semelhante do livro, até porque o livro escolhido não merece ter seu enredo desvelado tão toscamente, entendo que ele exige uma maneira lenta e densa de se fazer, assim como o desenrolar da história se dá. Além disto, uma análise, minimamente profunda, comprometida e não meramente especulativa demandaria um longo tempo de estudo, tempo este que agora não tenho. Bem, sem mais blábláblá, deixo aqui minha exposição sobre as possibilidades que vertem do livro e as impressões que ele me deixou de maneira en passant, o livro de que falo é “O Processo” de Franz Kafka.

Kafka está entre os autores de que mais gosto, ou mais precisamente um dos escritores que me são mais interessantes.

Franz Kafka (František Kafka) nasceu em Praga, capital da atual República Checa, já na segunda metade do ano de 1883, dentro de uma família judia de classe média. Para os que sabem um pouco da vida do autor sabem que há na relação dele com seu pai um conflito, um tipo de questão “não resolvida” ou não normal, que se refletirá em diversos de – se não em todos – seus textos.
Repetidamente em suas obras vê-se o personagem mergulhado em uma história que mais parece um sonho bizarro – em todos os sentidos do termo –, pondo o personagem em circunstâncias que pareceriam anteriormente inimagináveis – daí a expressão “Kafkiano”.
Não é diferente no caso de “O Processo” onde o personagem principal K – uma provável referência a si, muito constante em seus escritos “principais” (A Metamorfose, O Castelo, etc.), passa por diversas dificuldades no decorrer do livro dificuldade extremamente “impares” e uma incrível presença de um aparelho burocrático que constantemente impede os intentos de K, frustras suas tentativas, causa-lhe cansaço, e muitas vezes “vence” no embate contra indivíduo.

A exemplo disto, uma das demonstrações das situações Kafkianas são os departamentos jurídicos que ficam instalados nos sótãos de algumas casas, bem como escondidos, camuflados em construções que não revelam a quem não adentra seu caráter de instituição.

Penso que o livro pode, talvez até deva ser lido a partir de um dimensão maior que uma simples historinha que remete a indivíduos específicos, mesmo, ao que parece, quando Kafka remete-se a si, ponde-se no livro como personagem, ele parece o fazer dentro de estereótipos, dentro de uma representação menos pessoal do autor e mais ampla de uma sociedade extremamente burocrática, vigilante, arriscaria controladora e por que não disciplinar, mas mais que isso que incide sobre os indivíduos sem que eles se dêem conta de que ela é uma “maquinaria” ou um outro corpo, mas sim tomando-a como necessária à existência e intrínseca aos humanos.

Em sua maneira pesada, arrastada, consideravelmente difícil de ler Franz Kafka produz um livro extenso, O Processo – em sua versão Pocket da L&PM – comporta quase trezentas páginas, somando-se o texto principal e os adendos. Vale ressaltar que o livro encontra-se incompleto e a sequência dos capítulos não foi precisamente posto por Kafka, havendo divergências quanto qual deveria ser a ordem destes, Os manuscritos de “O Processo” foram entregue a Max Brod – amigo pessoal de Kafka – em 1920, porém só viriam a ser publicado póstumos em 1925, um ano após a morte do autor.


Obras de Kafka:
  • Cenas de um Casamento no Campo (1907)
  • Considerações (1908)
  • Aeroplano em Brescia (1909)
  • Amerika (1910,1927)
  • O Veredicto (1912)
  • A Metamorfose (1912, 1915)
  • A Sentença (1912, 1916)
  • Meditação (1913)
  • Contemplação: O Foguista (1913)
  • Diante da Lei (1914, 1915)
  • A Colônia Penal (1914, 1919)
  • O Processo (1914,1925)
  • Um Relatório para a Academia (1917)
  • A Preocupação de um Pai de Família (1917)
  • A Muralha da China (1917, 1931)
  • Carta ao Pai (1919)
  • Um Médico Rural (1919)
  • Poseidon (1920)
  • Noites (1920)
  • Sobre a Questão das Leis (1920)
  • Primeiro Sofrimento (1921)
  • Cartas a Milena (1920, 1923)
  • Investigações de um Cão (1922)
  • Um Artista da Fome (1922, 1924)
  • O Castelo (1922, 1926)
  • Uma Pequena Mulher (1923)
  • A Construção (1923)
  • Josefina, a Cantora ou O Povo dos Ratos (1924)
  • Sonhos

Filmes relacionados:
  • The Trial - Orson Welles (1963)
  • The Castle - Rudolph Noelte (1968)
  • Informe para una academia - Carles Mira (1975)
  • The metamorphosis of Mr. Samsa - Caroline Leaf (1977)
  • Informe per a una acadèmia - Quim Masó (1989)
  • Kafka - Steven Soderbergh (1991)
  • The Metamorphosis of Franz Kafka - Carlos Atanes (1993)
  • Amerika - Vladimir Michalek (1994)
  • Das Schloss - Michael Haneke (1996)
  • La metamorfosis - Josefina Molina (1996)
  • The Trial - David Hugh Jones (1996)
  • Metamorfosis - Fran Estévez (2004)

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Roubo da História - Jack Goody

Livro que trata sobre como a história, de forma geral, se tornou estritamente ocidental, ignorando o oriente.

O oriente muito me interessa, principalmente por termos nossa visão preconceituosa sobre eles. Visão de incivilizados e de povos atrasados. Okay, você já deve ter ouvido falar da história da bússola e da pólvora, mas há muito mais.

Uma das principais perguntas, tendo como base o trabalho de Max Weber, em especial o “a ética protestante e o espírito capitalista”, é compreender o que levou o ocidente (o que num passado mais remoto significa a Europa), a tornar-se num dos continentes mais poderosos, sendo pouco tempo antes, um dos mais fracos. Em resumo, seria algo como, se daqui a 100 ou 200 anos (talvez menos), os países mais ricos fossem africanos, e não europeus. O que houve de excepcional na Europa. Podemos dizer que esta pergunta em especial já foi feita por Weber.

Bem, no oriente tínhamos um comércio mais desenvolvido, havia a ciência, foi na China que inventaram o papel e os primeiros modelos de prensa. Enquanto na Europa, haviam castelos de pedra, úmidos, doenças sem fim e toda sorte de azar. Por algum acaso, aquele continente sem grande tradição comercial, conseguiu superar o oriente com toda a sua tradição (não a toa temos o arquétipo do árabe negociante).

Outros questionamentos são os de valores. Quando ouvimos falar de amor romântico buscamos sua origem principalmente no trovadorismo e romantismo, movimentos estritamente europeus. Enquanto um dos livros sobre amor mais famosos (Kama Sutra), tenha sido produzido no mundo oriental. Também os gregos são questionados quanto ao seu tradicional papel de democráticos. Não faz isto analisando a democracia grega, mas de uma forma mais simples, cita algumas tribos africanas que já se utilizavam de sistemas por vezes mais democráticos que os nossos atuais, e antes mesmo dos gregos.

O interessante é o olhar jogado para esse oriente, que generalizamos e ignoramos. Sufocamos nosso contato com eles, e geralmente queremos lhes impor nossos valores. Não procuramos pensar e olhar para o oriente considerando a cultura lá existente como válida. Este livro me ajudou a dar mais um passo a esse caminho.

Mesmo assim, o livro seria só um panorama. Porém traz boas discussões. Interessa a quem quer conhecer e entender o oriente (de forma geral).

365 páginas.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Mil tsurus - Yasunari Kawabata

Kawabata é nobel de literatura. Conheci ele pela citação do começo do livro de Gabriel García Márquez, memórias de minhas putas tristes, de um livro de Kawabata. Já havia lido Mishima e me interessei muito pelos escritores japoneses e todo esse movimento. escolhi este livro da melhor forma, aleatório na seção de outrs literaturas da biblioteca da FURB.

O livro fala de um Japão muito mais tradicional, contanto que o pano de fundo de todo o livro é o ritual do chá. Fala de toda a arte que envolve o ritual, do nome dos utensílios e do valor que cada um pode ter devido a sua beleza e técnica de fabricação. O que percebi claramente no livro era um degradação do ritual do chá, se tornando um pretexto para iniciar namoros. O tempo histórico também é o pós segunda guerra, e a ocidentalização começa a pesar. Contanto que o personagem principal até pensa em vender sua casa, que pela descrição era tipicamente japonesa, com seus jardins e sala do chá, para troca-la por uma mais "moderna". Seu pai era um grande mestre do chá, e ele não se interessava nem um pouco sobre o ritual. O que denota mais uma vez a decadência na cultura nipônica, pegando uma das marcas mais particulares que é o ritual do chá. Tudo isso vendo como algo mais simbólico e sutil.

O grande objeto da literatura de Kawabata é o universo feminino, contanto que praticamente todos os outros personagens são mulheres. Ele encontra-se numa situação amorosa complicada, onde sente atração por uma jovem, e uma mulher mais velha. E há a presença constante da antiga amante de seu pai.
O que percebi entre os dois livros ("o marinheiro que perdeu as graças do mar" e "mil tsurus") é a relação com o corpo, de uma forma diferente da que geralmente temos. Descrições precisas, para ser mais exato.

Gostei muito do livro por não ter uma carga tão "ocidental" como o livro de Mishima, e que me ajuda a conhecer um Japão não tão comum como nós conhecemos. Um bom livro para quem se interessa sobre os nipônicos.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Fáctotum - Charles Bukowski

Esse livro seria algo como "a continuação de misto-quente", porém não é. Tem seu caráter autobiográfico, e acredito que o único livro de Bukowski sem esse caráter seja pulp (que no momento estou lendo).

O livro fala sobre trabalho, sobre o mercado de trabalho. A própria palavra factótum tem alguma ligação direta com o trabalho. Boa parte das minhas noções sobre o mundo do trabalho vem deste livro, que tem um certo caráter político, porém não se pode dizer isso também. talvez Bukowski apenas tentou ser direto, sem delongas, como muitas vezes ele é.

O grande problema de se ler Bukowski é que suas histórias têm um mesmo pano de fundo, que são os bares, bebedeiras, mulheres, brigas e depois de um certo tempo; cavalos. Porém eu sou um fã de Buk, logo todos seus livros são bons. A escrita de Bukowski é muito boa, flui.

Este livro é bom para quem está no primeiro emprego, ou cansado de trabalhar, ou se -pior- você estiver com vontade de trabalhar. Li este livro faz algum tempo e muitas coisas ainda fazem sentido.

domingo, 21 de março de 2010

O Marinheiro que perdeu as graças do mar - Yukio Mishima

O livro trata de um triangulo entre uma mãe viúva , seu filho, e um marinheiro. É um livro que amei cada página que li, retratando o Japão pós-guerra (o livro é de 1963). A questão que mais me chamou a atenção a ainda me deixa pensando, é sobre a nossa visão de infantilização que fazemos das crianças. Também senti uma afronta aos tabus como: morte e corpo (físico e nossa relação com ele) principalmente no que se refere a viúva. A escrita é muito acolhedora, retrata-se muito bem a mediocridade da vida. Ao desenrolar da história Noburu (o filho da viúva) vai ficando cada vez mais calculista, devido a influência exercida pela sua trupe de amigos.
Apesar de japonês, no livro senti uma boa carga de mundo ocidental (peguei o livro pois tenho interesse sobre o oriente), mas isso é devido ao período em que se passa a história (pós segunda guerra), e pelo que pesquisei Mishima havia morado e estudado nos EUA durante algum tempo. Mesmo assim dá para se ter um bom panorama da cultura do Japão. Alguns contrastes ocorrem no livro, e alguns costumes são resaltados.

O livro tem 158 páginas (incluindo capa).

quinta-feira, 4 de março de 2010

Amador - Krzysztof Kieslowski (filme)


Por um acaso certo dia eu e minha namorada encontramos um canal no youtube de filmes completos (sem aquela divisão em partes), dentre um deles estava um de Kieslowski – Não matarás. Amamos o filme deste singelo diretor polonês. Por outro acaso na outra semana – ainda com “Não Matarás” na cabeça – passa no cine conhecimento, programa do canal futura, Amador de Kieslowski.

O Filme trata de um sujeito que por um acaso gasta o salário de um mês em uma filmadora amadora de mão, que nem captava som, com o intuito de filmar os primeiros anos de sua filha que estava para nascer. Assim sua filha poderia acompanhar seus primeiros dias.

Porém todos ficam encantados com a filmadora, e ele começa a filmar seus amigos também. Assim que o diretor da fábrica onde ele trabalha descobre isso, pede para que ele filme uma comemoração. Devido a isto criam o grupo cultural de cinema da fábrica.

Apesar de ser um filme parodiando nitidamente a vida do próprio Kieslowski, há uma questão do artista muito interessante em todo este desenrolar. Percebi toda uma questão sobre o significado da arte (no caso o cinema) e até onde tudo aquilo talvez pode te levar. Algo que por horas ainda fica matutando em minha cabeça...

Também dá uma atenção especial ao financiamento de um filme e as implicações que um financiador pode dar.

Outro ponto que também me chamou a atenção é o retrato de como era viver sob a cortina de ferro, já que o governo polonês vivia sob a orientação direta da URSS. Acredito ser um retrato muito mais claro sobre a “vida soviética”, isto também me interessou bastante, já que encontro pouco material (como livros e filmes) do período, retratando a vida naqueles paises, e tendo sido produzido lá sem o intuito de propaganda da guerra fria – seja diretamente contra ou diretamente a favor. Não descartando que existia uma censura muito rígida, com momentos de abertura, onde por sinal foram produzidos inúmeros filmes poloneses (entre eles este).

E antes que eu me esqueça, este é o diretor da trilogia das cores.
Uma das características do diretor são os diálogos curtos e o seu enorme gosto pelo acaso.

Iria postar um trailer, mas não encontrei nenhum, e o que achei de videos sobre o filme não tinha legendas em português, e como imagino que o polonês do pessoal está enferrujado, me acomodei.

Outros Diretores Poloneses:
Andrzej Wajda, Roman Polanski, Kazimierz Kutz, Krzysztof Zanussi.
Quem se interessar, pode dar uma procurada pela escola de Łódź (pronuncia-se úudji), que foi por onde passaram todos estes diretores.

E até a próxima!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os três estigmas de Palmer Eldritch - Philip K. Dick


Livro de ficção científica de Philip Dick, é um livro genial, foi baseado num livro de Philip Dick (não “Os três estigmas...”) que retiraram a história de Blade Runner.
Dick nos apresenta um mundo futuro (não tão distante) interessantíssimo. O primeiro ponto a me chamar a atenção foi a presença dos ares-condicionados, devido a super temperatura da terra; contanto que não se podia sair na rua sem sua “mochila refrigeradora”. Bem, associei diretamente ao calor dos últimos tempos (que antes de ocorrer aqui, passou pela agora congelada Europa) e a presença do ar-condicionado onde quer que você vá – estou com um ligado agora, por sinal. O personagem principal carrega consigo uma “maleta-psicólogo”, pois as pessoas são sorteadas para ir as colônias no sistema solar, a ONU é o órgão responsável. Assim o personagem principal tenta ficar psicótico para não passar no exame psicológico. Interessante que durante a guerra do Vietnã acontecia algo semelhante, as pessoas também eram “sorteadas”.
Todo o sistema solar utiliza a mesma moeda, chamada de peles no livro. A vida numa colônia se baseia em utilizar um droga alucinógena contrabandeada por um mega empresário, que é por sinal o chefe do personagem principal. Me chamou atenção o constante uso dessa droga, me lembra o uso de anti-depressivos, antes de todas as outras conhecidas drogas ilegais (ao descrever os efeitos, é uma alusão direta ao LSD, que Dick tomava).
O herói da história é um exemplo de homem se seguiu sua carreira, preferiu o divórcio – que o atormenta – a prejudicar sua carreira numa empresa interplanetária.
A ONU é um órgão poderoso e corrupto, opressor também, pois envia pessoas para planetas desolados, quer elas queiram ou não, sem haver a possibilidade de voltar para a Terra depois.
É uma daquelas ficções que fazem inúmeras parábolas referentes ao mundo atual, lembrando que o livro foi impresso a primeira vez em 1964!


11/02/2010 - 11:44H

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley

Um dos três livros do que eu particularmente considero a trilogia “perfeita” – juntamente com 1984 e Fahrenheit 451 –, não que seja realmente perfeita, mas eles se completam de uma maneira fantástica, as obras têm muito a dizer e abrangem uma vasta gama de detalhes de nossa sociedade, fazem paralelos e extrapolações que provocam uma reflexão quase que inexorável ao leitor.

Ao ler o livro a primeira impressão que tive é de que o autor trazia algo de muito cristão, um caráter muito religioso. Mas repensando a leitura me apercebi de um erro em mim, penso que por gostar muito de 1984 tentei usar do mesmo esquema interpretativo que usei no livro de Orwell no livro de Huxley. Esse foi o erro. Enquanto em 1984 pode-se perceber rapidamente a quem é a principal crítica, em Admirável Mundo Novo isto não é claro tão rapidamente. Ao menos não me foi. Ele faz criticas tanto ao mundo civilizado quanto ao mundo dos selvagens, pode-se ver de ambos os lados o fanatismo e o condicionamento às crenças que embasam cada modo de vida.

O nome Admirável Mundo Novo parece ser extraído de um texto de Shakespeare chamado Tempestade, mais especificamente no volume um. Como não tenho quase nenhuma leitura de Shakespeare não saberia falar o porquê de tal escolha, mas suponho que ela está cheia de sarcasmo.

O mundo que Aldous Huxley ilustra é uma futurista sociedade onde o controle biológico, cultural e psicológico fora submetido ao controle de uma lógica cientificista. Onde o indivíduo fora totalmente assolado, excluído. Toda e qualquer consciência deste âmbito não é socialmente repugnante, e em últimos casos submetido à pena jurídica de exclusão, que se põe como superior diante das sociedades dos selvagens que se resumem a algumas reservas em todo o globo. Nesta sociedade civilizada todo o processo de vida é controlado, medido, sistematizado e racionalizado, não mais há reprodução entre estes humanos, o sexo se tornou simplesmente por prazer, para satisfação pessoal sem vínculos afetivos, toda a vida – e a morte – se tornou um processo, uma produção extremamente mecânica, crianças são produzidas em laboratório e ficam em instituições de “ultra-sequestro” até a maturidade, assim cada passo do crescimento – desde a forma de embrião ao início da vida adulta – é fiscalizado de tal forma que cada pessoa possa ser incrivelmente previsível. Quase todas as doenças foram erradicadas e as que não foram parecem tranquilamente ser curadas, a “velhice” é prevenida com a manutenção biológica dos fluídos, minerais e nutrientes para que fisicamente tenha-se um corpo jovem; até a morte tem funcionalidade, além de servir para ensinar os pequenos de que não há nada de mais nela e que tudo pode manter-se na ordem em que está os corpos ainda são queimados e re-aproveitados como fonte de energia.
Cada humano dentro desta sociedade é condicionado para uma das cinco classes básicas (Alfa, Beta, Gama, Delta, Épsilon) desde embrião e assim seu futuro é determinado até sua morte. Conseguindo-se com isto ter uma estabilidade e uma identidade social, cria-se um espaço dentro da sociedade para cada pessoal, mas de uma maneira que ela não se veja mais do que como uma peça dentro de uma grande máquina, que não tem função se não ligada a esta e cada ser humano ali se diz feliz, tudo é feito para que ele não se frustre, é feito para que cada emoção seja perfeita e não-traumática, para que ele esteja interiormente em “paz”, ou seja, a Grande máquina – a sociedade, o sistema como tal – lubrifica cada peça – cada humano – para que ela funcione perfeitamente bem e as peças em harmonia mantêm-se em perfeito funcionamento para que se perpetue o sistema, a maquinaria.
Este “sistema perfeito” usa-se dos benefícios da religião e da ciência de forma não possuir os prejuízos deste, para tanto á uma censura para a manutenção do statu quo, assim, controla-se tudo, os ritos, as leituras, as artes, os pensamentos, o ensino, a ciência e tudo o que potencialmente seria nocivo a sociedade, assim, não há mais livros antigos, não há mais estudos que façam-lhes avançar e mudar podendo não ser estáveis, não se ouve músicas antigas, os filmes são fabricados de maneira serem apenas sensações diretas que deixa sempre os espectadores sentido-se, ao fim, bem.

Admirável Mundo Novo também, assim como 1984, possui três axiomas como base para esta sociedade “perfeita”, esses axiomas se entrecruzam e mesclam-se para formarem a unidade, assim como os indivíduos mesclam-se (ao menos assim sentem) à sociedade, são eles três:

1. Comunidade: Todos os indivíduos têm de se sentir parte de um todo, seja em nível de classe (α, β, γ, δ, ε) ou de sociedade em distinção aos “selvagens”. Qualquer um que se desvirtue desta premissa, tentando separar-se do todo, sofre inicialmente uma discriminação social, quase que uma exclusão, e, persistindo tal atitude, pode sofrer uma punição “legal” de ser excluído da sociedade numa ilha. Nenhuma peça funciona fora da maquinaria e nem a maquinaria funciona sem todas as peças.

2. Identidade: Essa premissa parece a menos contundente de todas, talvez, mas traz consigo uma carga muito forte. Exigindo-se uma identidade, faz com que alguém seja alguém, assim com a “Carteira de Identidade” faz com que você – perante o estado e para outros fins legais – seja você, isto faz nessa sociedade com que cada pessoa seja sempre ela, sem possibilidades de mudança. Além disto, a Identidade funde-se à comunidade quanto à necessidade de enquadramento, a identidade faz com que se seja parte do todo, enquadrando-se até a morte em um estereótipo, sem nenhum desvio de comportamento. Nenhuma peça pode querer ser outra peça, nenhuma peça pode ser outra coisa que o que a maquinaria precisa.

3. Estabilidade: É essa máxima, talvez, a mais racional de todas. A Estabilidade, como ali é alcançada, é fruto de tremendo esquadrinhamento e computação de informações e dos entes. É graças à estabilidade que se pode manter o tal modelo social, uma vez que ele exige que as diferenças sejam mantidas em padrões pré-definidos, ele exige que não se permita alterações na ordem estabelecida, mas muito frágil. É fundamental para proteger-se da tragicidade este controle de tudo, caso contrário ou crescer-se-ia de mais ou ter-se-ia um conflito interno de interesses. A estabilidade também impede que um indivíduo queira mudar-se, queira ser outro, o que impediria a sociedade de funcionar plenamente. Nenhuma peça pode se mover-se mais ou menos que se precisa, não se pode ter uma peça de mais ou de menos, assim é que a maquinaria precisa ser.

Dividi os três na ordem em que o livro os traz, mas pode-se observar que eles estão interligados, sem haver uma mais importante ou uma ordem ou hierarquia.
O mundo Selvagem descrito por Huxley é um mundo que não nos é tão distante, ele mistura as característica de tribos que boa parte de nós conhece, ao menos de uma maneira superficial, com características da nossa sociedade atual. O que aparente é que se tem dois estágios distintos de uma evolução os povos primitivos, chamados selvagens e os civilizados, modernos, a sociedade no mundo novo, mas que perdeu-se o elo entre elas. Esse elo perdido muito me parece a nossa sociedade de hoje, ou mesmo a sociedade de 1932 – ano em que o livro teve sua primeira publicação.
Estes povos não-civilizados (pode-se muito bem discordar desta denominação: http://docedepandora.blogspot.com/2010/01/civilizacao-e-civilizados.html) possuem hábitos que são de povos autóctones das Américas como os rituais entorno da fogueira, a linguagem e culto a animais protetores e características de povos indo-europeus como o autoflagelação e Deuses (eles adoram, a exemplo, Jesus).
Esses povos, no mundo descrito do livro, ficam muito bem separados dos uns dos outros e raramente tem contato, com exceções no caso de autorizações especiais, umas mais comuns como no caso onde os “civilizados” vão fazer turismo em meio aos selvagens e outras mais incomuns quando se permite a um selvagem a visitação ao mundo novo – o que acontece somente uma vez no livro.
Quando este contato entre selvagens e civilizados ocorre é sempre algo muito difícil, quando os civilizados adentram as sociedades dos selvagens eles tendem a necessitar de doses constantes de soma (uma droga perfeita causando alta satisfação, desligamento intenso e esquecimento dos problemas sem nenhum prejuízo físico – assim é sua propaganda). Quando o contato ocorre de um selvagem num meio civilizado há outro problema, uma não adaptação e como antes dito a frágil estabilidade do mundo novo entra em crise e esse precisa logo ver-se livre desta célula problemática, desta peça que não se encaixa.

O fim... O fim fica para quem ler, mas o fim – diferente do filme – fora um dos melhores que já li, um final encantador.

Sobre o autor:

Nascido em Godalming, 26 de Julho de 1894 Aldous Leonard Huxley foi um escritor inglês(Los Angeles, 22 de Novembro de 1963). Vindo de uma família que incluía os mais distintos membros da classe dominante inglesa; uma vasta elite intelectual. Seu avô era Thomas Henry Huxley, um grande biólogo defensor da teoria evolucionista de Charles Darwin, tendo desenvolvido o conceito agnóstico, a exemplo.
Estudou na aristocrática escola de Eton, que foi obrigado a abandonar aos dezesseis anos, devido a uma doença nos olhos que quase o cegou impedindo-o de cursar medicina. Mais tarde se formou pela Universidade de Oxford e não serviu o exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial.
Em Oxford, engajou-se com a literatura pela primeira vez, conhecendo Lytton Strachey e Bertrand Russell, também se tornou um amigo íntimo de D. H. Lawrence.
Mas só fora escrever Admirável Mundo Novo em 1931, gastando quatro meses em sua produção. Huxley produziu um total de 47 livros ao longo de sua vida. O crítico britânico Anthony Burgess uma vez afirmou que Huxley fora o pioneiro do "romance cerebral". No entanto, outras correntes de críticos classificaram Huxley como um ensaísta, ao invés de romancista, pois suas obras eram conduzidas mais apoiadas sobre suas ideias do que o desenrolar de personagens ou contextos de histórias

Outras obras:
* 1920 - Limbo, contos de estréia
* 1921 - Crome Yellow, romance
* 1923 - Antic Hay (Ronda Grotesca), romance
* 1926 - Two or Three Graces (Duas ou Três Graças), contos
* 1928 - Point Counter Point (Contraponto), romance
* 1932 - Brave New World (Admirável Mundo Novo), romance
* 1936 – Eyeless in Gaza (Sem Olhos em Gaza), romance
* 1937 - Ends and Means (Despertar do Mundo Novo), ensaios
* 1939 – After Many Summers (Também o Cisne Morre), romance
* 1941 – Grey Eminence (Eminência Parda), bibliografia romanceada
* 1943 – The Art of Seeing, ensaios
* 1945 - Time Must Have a Stop (O Tempo Deve Parar), romance
* 1946 – The Perennia Philosophy, ensaios
* 1949 – Ape and Essence (O Macaco e a Essência), romance
* 1952 – The Devils of Loudun (Os Demônios de Loudun)
* 1954 – The Doors of Perception (As Portas da Percepção), ensaios
* 1956 - Heaven and Hell (Céu e Inferno), ensaios
* 1959 – Brave New World Revisited (Regresso ao Admirável Mundo Novo), ensaios
* 1962 – Island, romance
* 1978 – The Human Situation (A Situação Humana), ensaios

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dublinenses - James Joyce


Primeiro livro em prosa de Joyce. É uma coletânea de contos onde retrata Dublin e sua gente, (há algumas traduções que trazem o título "gente de Dublin"; Dibliners, no original em inglês).
As histórias se baseiam geralmente em pubs e igreja, marca registrada dos Irlandeses. O que fica claro tanto no "Dublinenses" quanto no "Retrato do Artista Quando Jovem".
Apesar de ter morado uma boa parte de sua vida no exterior (fora do reino Unido) sua obra tem como fundamento o povo irlandês e seus costumes, rotina...
Joyce também relata a política que acontecia na época. Coisas como o renascimento irlandês (que eu havia tomado um pouco de conhecimento lendo "a invenção das tradições" de Ranger e Hobsbawn), a retomada da língua irlandesa, mesmo esta sendo um língua morta. Os queridos vagabundos também estão presentes em Dublinenses, estes meus favoritos pois estão sempre tentando fugir do trabalho para no final do dia tomar algum trago no bar ao lado do escritório. Até há um sujeito que lia Nietszche, lembrando que este ainda não era tão popular nesta época.

James Joyce retrata Dublin e seu povo, católico, bêbado e - por vezes - brigão, principalmente na questão de política.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Nova york: a vida na cidade grande - Will Eisner


Will Eisner é considerado pela crítica, em unanimidade, como o melhor quadrinista de todos os tempos. Na introdução a este livro, Neil Gaiman conta que certa vez quando um editor procurou algum crítico para "descascar" o trabalho de Eisner, ninguém apareceu.
Há até um prêmio com o nome dele, o prêmio Eisner, uma espécie de oscar dos quadrinhos, prêmio que por sinal o próprio Eisner ganhou muitos.

É absolutamente fantástico como Eisner consegue retratar coisas da cidade com um toque de realidade tão perfeito. Contanto que esses dias até assisti uma das típicas cenas ilustradas por ele na rua.
Seu desenho é algo impressionante, de uma perfeição incrível.
Uma das partes que mais me chamou a atenção é a das pessoas invisíveis. Sabe aquele sujeito que anda pela rua e ninguém nota? As vezes a gente nem lembra...
A história sobre o prédio também é incrivel. Para a maioria absoluta dos transeuntes que todo dia passam por aquele prédio, ele é apenas um prédio velho. Ou é um monumento ali erguido, tão imponente, mas que logo é domolido,e junto com ele todas as histórias envolvendo aquele prédio (me utilizando da leitura de "o cheiro do ralo").
O livro é recheado de retratos do dia-a-dia da cidade grande. Coisas como uma briga de casal, o pessoal que vai morar no interior, o quarteirão onde você passou sua infância, a noite de um sujeito tão comum quanto qualquer outro, a janela que tem uma vista linda para a parede...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Crítica da Razão Tupiniquim - Roberto Gomes


Bem, uma vez que fui convidado a participar deste blog faço aqui minha primeira postagem, não sei bem se conseguirei suprir a proposta do blog, ou se minhas palavras serão interessantes para os leitores disto (alguém o lê?), mas aqui vou eu, sem grandes pretensões, sem o intento de agradar alguém além dos corações sinceramente interessados.
O livro escolhido para minha primeira contribuição está longe de ser um Best-seller, ou qualquer coisa do gênero, creio que está muito mais próximo até de ser uma obra pouco lida, lida de menos a meu ver, principalmente no mundo acadêmico que, inclusive, é alvo do livro.
O nome, Crítica da Razão Tupiniquim, é uma clara alusão ao escrito Crítica da Razão Pura de Kant. Paradoxo, ou não, este livro me parece estar longe ser comparado, em vários aspectos, ao do filósofo alemão, entres estes, o fato de ser uma leitura suave, sem abusar de expressões complexas ou rebuscadas, o mesmo de ser um trabalho filosófico de mesmo âmbito que Kant.
Com parágrafos e capítulos curtos, ao longo de suas cento e sete páginas (oitava edição da editora criar), o livro do escritor blumenauense Roberto Gomes, nascido em 1964, traz uma crítica à intelectualidade brasileira, ataca o mito da impossibilidade de uma filosofia brasileira, seja este fruto da ideia de uma língua inadequada ou por não possuir uma herança filosófica; tentando mostrar como no fundo isto não passa de uma produção não só do exterior, mas, também, e talvez principalmente, interior. Ele mostra como os brasileiros prendem-se aos padrões europeus, dando maior valor aos saberes de lá, tendo as produções intelectuais daqui valor aqui somente quando aprovadas pelos intelectuais da Europa.
Cria-se uma dependência que vai desde a maneira de vestir-se, pensando aqui no Brasil como um país tropical e que “rejeita a pompa”, Gomes pergunta, “a filosofia, de terno e gravata, pensa?”; aos saberes que são tomados como válidos. É Esta dependência, sim, que promove a impossibilidade da “razão tupiniquim” e não qualquer relação de natureza lingüística, territorial ou mesmo cultural como se costuma objetar.
O autor faz uma distinção entre “sério” e “a sério”, resumindo, você pode ser um pessoa séria, o que diz que estaria mais ou menos em oposição ao alegre ou risonho, de maneira distinta você poder fazer humor a sério, assim, ele pergunta se realmente um filosofo – brasileiro – precisa ser sério ou se apenas necessita levar as questões, seu trabalho, o pensar a sério.
Outro ponto interessante abordado no livro é o que Roberto Gomes chama de “Mito da Concórdia” e “Mito da Imparcialidade”, o primeiro diz respeito ao habito de evitar-se o conflito e o extremismo (entre os pensadores e as correntes de pensamento), desta maneira, tenta-se sempre amenizar as coisas para que tudo fique bem, não se produz ou se usa do conflito para engendrar novas perguntas, ao contrário, tenta-se abafá-las com o jeitinho; o segundo, em complemento ou primeiro, diz respeito à comum prática da imparcialidade que também apazigua os ânimos, faz com que as lutas, tão importantes ao trabalho do pensar, sejam anuladas ou reduzidas a meros conflitos pessoais, impedindo um real embate de saberes, tudo isto se soma como impeditivo ao(s) pensar(es) brasileiro(s).
Por fim, tendo também escrito romances, contos, crônicas, literatura infantil, não fez pouco em seu primeiro livro, ainda demonstrando o quão necessário é a criação de filosofia(s) brasileira(s). Filosofias, teorias, pensares que partam não apenas de brasileiros, no entanto, e aí o principal de sua reivindicação, voltado à realidade brasileira, visando entender e responder às questões que não dizem respeito a revolução francesa e sim, a relação ética-moral do habitantes do Brasil e de suas regiões, de questões que estão ligadas ao “jeitinho brasileiro”, ao dia-a-dia do “povo que é feliz mesmo na miséria”, pede ele por pensadores que se debrucem para isso que os forma, para isso que os permeia.

Deixo-lhes outras obras do autor:

Romances:

Alegres memórias de um cadáver.
Antes que o teto desabe (1981)
Terceiro Tempo de Jogo (1985)
Os Dias do Demônio
Todas as casas (2004)

Livros de contos:

Sabrina de Trotoar e de Tacape (1981)
Exercício de Solidão (1998)

Livros dirigidos ao público infanto-juvenil:

Carolina do nariz vermelho (1986)
Aristeu e sua aldeia (1987)
A difícil arte de ser urubu (2001)

Coletâneas de crônicas:

O Demolidor de Miragens (1983)
Alma de bicho (2000)