sábado, 28 de dezembro de 2013

Cartas na Rua - Charles Bukowski


Cartas na rua foi o primeiro romance lançado por Bukowski, sua primeira edição no Brasil saiu em 1971, depois a brasiliense comprou os direitos do livro e lançou uma nova edição em 1983 e finalmente, em 2011, a L&PMPocket comprou os direitos e lançou a edição mais recente. Imagino que a fama de Charles Bukowski não era muito grande durante os tempos da ditadura, e para alguém que nasceu nos anos 1990, conseguir esta primeira obra não foi tarefa fácil. Neste ponto a L&PM faz um bom trabalho lançando obras a um preço acessível (quanto você gasta em cerveja no boteco sem reclamar?) e é a editora que vêm publicando quase tudo do velho Buk.
Parece que isso não ocorre devido a alguma cruzada cultural, sejamos sinceros, Bukowski vêm ganhando cada vez mais espaço entre os brasileiros, logo é um bom negócio garantir todos os setores do mercado. Amamos sua prosa e desconhecemos seus poemas, mas isso não nos faz menos fãs. Creio que seu sucesso vêm pelo simples fato de abordar os delírios cotidianos, brigas medonhas com o vizinho ou com a mulher, bebedeiras em bares sujos e baratos apinhados de bêbados desempregados ou em empregos horríveis. Toda cidade tem seu templo do álcool, é fácil se identificar. Charles Bukowski traz toda essa experiência para sua literatura e nos deixa fascinado, seu ritmo é igual ao ritmo das ruas.
Entretanto percebo que as pessoas se focam muito numa imagem de sexo, drogas e rock'n'roll em seus livros, mesmo que ele deixe claro que odeia rock e qualquer coisa que não seja Mahler, Bach ou Chopin. Sua bebedeira não passa de desespero com o mundo que vive, Bukowski não é nem um pouco iludido com essa realidade, e talvez esteja ai o ponto chave de nosso fascínio com o autor. O que ele deseja sempre é algo simples, seus momentos mais felizes nas histórias sempre são com boa comida e boa casa, sossego, por mais estranho que seja. Não há um grande idealismo em seus escritos, pode haver muita erudição não explícita (parece que ele odiava sujeitos que vomitam sua erudição em conversas, blogues e etc), mas sua desilusão é o ponto chave. Chinaski não quer mudar o mundo, não quer fazer a engrenagem continuar girando.
As aventuras sempre ocorrem em questões cotidianas, principalmente na luta por estar vivo. O bizarro é que, mesmo declarando toda sua aversão ao trabalho, é normal boa parte da trama ocorrer neste espaço que mais ocupa nosso tempo acordado. Sua descrição em cartas na rua nos obriga a pensar no regime com que as pessoas nos correios trabalham, coisa que sempre esquecemos quando compramos nossos lindos produtos pela internet e ficamos desesperados esperando que cheguem logo, esquecendo que são pessoas que fazem todo aquele serviço pesado – e como pesa carregar papel!
Sua subversão está em não aceitar o óbvio, e alguém precisa nos dizer isso.
Dai que vejo um lado em seus escritos, pouco claro e confuso, em relação ao machismo nosso de cada dia. Seus heróis amam mulheres, por mais que seja de uma forma carnal, não se nega paixão alguma por elas. Até ai tudo normal, isso se percebe em Goethe ou Dostoievski, mas em seus escritos há algo lindo que deveríamos tentar praticar mais, Chinaski não tenta prender ninguém, nenhuma mulher é uma posse dele, elas estão com ele, enquanto assim quiserem. Seus personagens não são possessivos, podem ser estúpidos, mas evitam possuir pessoas, este ato pode nos salvar do fascismo. Em alguns pontos seus escritos são tremendamente estúpidos e estão longe de terem ares feministas, porém ele evita ser o machão, na verdade até mesmo zomba deste tipo garanhão. Seus personagens, assim como a maior parte de nós, não são machos alfa e amamos ver que não existe nada de errado nisso.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Idea: a evolução do conceito de belo - Erwin Panofsky


 Estética é uma palavra chique, “tá na boca do povo” quando se quer discutir o belo e a beleza. Até mesmo os salões de beleza vêm mudando seu nome para salões ou clínicas de estética. Uma discussão mais séria reconhece que a concepção de beleza não é única, que ela pode variar entre duas pessoas, mas não para por ai. Não devemos cair nessa armadilha semântica da palavra subjetividade e acreditarmos que meu eu é único e surge como que de um nada original único, misterioso e exato feito a existência de Deus, de alguma forma Foucault já nos alertou sobre isso. Mesmo assim, por incrível que pareça, não diminui-se em nada a concepção estética de cada um, ela continuará existindo, será ainda assim particular a cada um. Porém existem pontos em comum.
Antes de acharmos ou vermos algo belo nós o imaginamos, definimos seus contornos em nossa mente, formamos sobre a beleza uma Ideia. O artista pensa sobre a criação antes de criá-la. Desta Ideia surge nosso senso estético, que servirá tanto para julgar quanto para criar – ou destruir – algo. Ou seja, antes de vermos ou julgarmos o belo e o bom, nós o imaginamos, pensamos. O primeiro lugar de pensamento estético é abstrato, depois partimos para obras e situações reais. Um exemplo pode ser o uso de drogas, tal qual foi feito por Baudeleire, que é um ótimo exemplo, pois o uso de substâncias feito por Baudeleire tinha objetivos e intenções completamente diferentes do de várias outras pessoas que também consomem ou consumiram as mesmas substâncias. Logo, não é o uso de uma substância que definirá seu senso estético, mas seu senso estético que interfere na sua experiência. Uma pessoa que viu um quadro surrealista não é necessariamente admirador da estética surrealista. É necessário todo um preparo e abstração, uma composição de ideias para a formação de um senso e opinião estéticas.
Neste sentido as pessoas tem um processo de desenvolvimento individual particular, o que não leva dois irmãos, por exemplo, a terem os mesmos gostos e opiniões, seja sobre política ou estética. O desenvolvimento estético inicia antes da experiência, seja da aventura ou da contemplação de uma arte. É a partir da Ideia que se estabelece no campo abstrato, que ela refletirá num campo mais tátil e material: a exemplo da escolha entre um filme russo ou brasileiro, assim como torcer o nariz para uma música e dançar outra. Estes processos, por mais que sejam criações mentais, não são falsos, eles existem, tem sua materialidade, uma careta de desagrado tem seu peso real. Não se nega em momento algum da particularidade de cada ser, só é impossível investigá-las individualmente.
O ponto tátil que podemos lidar nisto tudo acaba sendo o tempo e espaço compartilhado por todos. A família de um sujeito é diferente da de outro, o que já implica diretamente numa formação diferente para cada um, porém ambos os indivíduos estão cercados pela história, afinal é este um chão que temos para nos apoiar. Como partimos dela e nos movimentamos com o tempo, ela deixará marcas em nós, muitas vezes contra e muitas vezes em consentimento com nossa vontade, tal qual cicatrizes e tatuagens. Partindo disto, a concepção de beleza pessoal de cada um, passa pela formação de uma Ideia estética. A formação de concepção estética, desta Ideia, deste senso, tem uma relação direta com nosso tempo. Não fosse por isso ela seria sempre a mesma, e não é, já que o ser humano não é um ser atemporal. A exemplos dos salões de beleza e as clínicas de estética, a palavra clínica traz todo um peso médico para a questão do belo atual, de saúde, de normatização do corpo, isto só pode ser compreensível num período marcado pela biopolítica e controles normativos sobre o corpo e uma sociedade ainda marcada pelo machismo. O senso estético dessas clínicas só pode ser possível neste quadro histórico. A mesmo vale para a experiência dos shoppings centers, possível apenas no mundo da via-expressa descrito por Marshall em Tudo que é sólido desmancha no ar.
A modernidade está em constante transformação, e é também uma experiência estética, pois antes mesmo de ser posta em prática ela foi pensada. As teorias tem por fim a prática.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Solaris - Stanislaw Lem


Stanislaw Lem pretendia utilizar a ficção científica como um lugar de debate. Se pegarmos clássicos como Orwell, Huxley e Dick, podemos perceber que a discussão sempre está ali, seja de nossa sociedade ou seja de nossa existência. Por isso o autor demonstra sem nenhuma timidez seu conhecimento enciclopédico, afinal, mais do que uma boa história ele desejava algo mais. O gênero Romance possui este caráter didático.
Pode parecer contraditório, mas desde que o Homem ocidental trocou a Terra pelo Sol no centro do universo, os estudos humanos cresceram e tomaram o exemplo do homem vitruviano de Da Vinci usando o ser humano como a forma de todas as medidas. Apesar de aceitarmos a posição do Sol, este deslocamento espacial está ligado a um deslocamento antropológico: nós somos o centro, somos a imagem e semelhança de Deus, somos os donos do mundo. Junto com o sol, os cafés começam a ter mesas cada vez menores, algo muito distinto daquela mesa grande onde todos se sentavam apenas buscando um lugar vago. Da mesma forma que em cafés, independente do lugar ocupado, o ego observador e julgador, seria a medida das coisas – o normal – neste flaneur.
As explorações espaciais quando do lançamento do livro (1961) eram ainda algo novo, porém a exploração do espaço sempre foi algo fascinante, e de certa forma nos desloca deste centro imaginário que acreditamos estar. Desde que estas aventuras espaciais começaram não deixamos de perguntar se existe vida fora da Terra. Certa vez li um declaração de Carl Sagan dizendo que seria muito esnobe acreditar que em toda esta vastidão do universo, que ainda não conseguimos entender ou desvendar direito, somos os únicos abençoados com o dom da vida. A afirmação de Sagan é clara em afirmar ironicamente que existe sim vida fora da terra. Como ela é? Bem, Solaris parece discutir isso, e provavelmente esta vida estaria bem longe de qualquer forma de vida existente na Terra. Aqueles extraterrestres humanoides que aparecem nos filmes, pode esquecer eles. Solaris é o ponto chave nisto tudo, é um planeta ou um ser-vivo? Tudo indica que o Oceano de Solaris tem vontade e não apresenta comportamento regular, como a Terra e suas estações do ano.
Apesar das incertezas sobre o planeta, pois em momento algum fica claro o que seria Solaris, e o termo ser-vivo parece ser o mais exato, mesmo não sendo uma resposta concisa. Quando imaginamos uma forma de vida além da humana, o Homem Vitruviano aparece em cena como a medida de todas as coisas e imaginamos seres semelhantes a nós, e Solaris acaba demonstrando que isto é um belo engano. Solaris seria uma forma de vida inteligente e completamente diferente que qualquer outra coisa já vista pelo Homem. A Solarística citada no livro é a ciência que tenta estabelecer contato com Solaris. Este último por sua vez sempre fica ignorando aqueles sujeitos minúsculos na estação.
O que me chama a atenção é o caráter psicológico da trama. O personagem principal seria um psicólogo, o planeta é envolto por um Oceano (termo freudiano), e os visitantes que surgem no livro são pessoas ligadas a questões puramente intimas, guardadas na profundeza do consciente de cada um dos personagens. Estes visitantes por sua vez se parecem fisicamente com os humanos, mas os exames feitos por Gibariam comprovam que nada mais são do que moléculas, ou seja, não possuem órgãos, funções vitais (não morrem ao ingerir oxigênio liquido por exemplo) e por isso não sentem fome. Mas o medo, a solidão e o pensamento estão presentes. Há uma certa independência por parte dos visitantes, nada excepcional, mas que se desenvolve com o tempo. Rheya não gosta de saber o que ela é.
Por fim o grande questionamento é justamente este de nos acreditarmos a medida de todas as coisas, que devemos aprender a respeitar outras formas de vida que não a nossa. Boa parte dos argumentos para o consumo de carne, por exemplo, se justificam sobre este especismo. E quando nos deparamos com uma forma de vida diferente da nossa, e que pode ser tão poderosa a ponto de sondar a nossa mente até os lugares mais profundos, ficamos sem reação. Talvez o homem deva descer desta estação espacial imaginária e aceitar que diferentes formas de vida também existem e são conscientes. Fico em dúvida se a ideia final é a de que podemos nos perder em nossas próprias criações, já que toda confusão vêm do subconsciente dos cientistas daquela estação. Todavia as minhas reflexões sobre Solaris não estão consolidadas – e talvez nunca estejam. Infelizmente Stanislaw Lem é um autor praticamente ignorado fora da europa central e terras mais ao leste.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O queijo e os vermes - Carlo Ginzburg


De forma geral existe toda uma série de fatores ao nosso redor formando nossa subjetividade. Nosso ser é único, sempre será, porém compartilhamos de muitas experiências em comum, e elas, da mesma forma que as pessoais (como nossa criação, a escola onde estudamos, nossos amigos), enquanto experiências coletivas também são importantes. Estamos inseridos num tempo e numa sociedade. Nascer no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX implica em questões diferentes da de nascer no interior do estado de Santa Catarina no final do século XX. Outro tempo, outras questões, outras subjetividades. Não podemos esquecer dos elementos que nos cercam.
Entretanto cada sujeito é um ser, e por isso devemos ser cautelosos ao abordarmos a existência humana – até porque se fosse assunto fácil não usaríamos tanto de nosso tempo discutindo isso. Apesar de haverem estas experiências compartilhadas, os efeitos não são necessariamente sempre os mesmos. A exemplo de um certo livro numa certa biblioteca, nem todos que o lerem terão a mesma impressão ou conclusão, cada sujeito faz a sua própria interpretação de mundo. Curioso é lidar com situações que escapam do que supúnhamos ser uma margem de erro e improbabilidade.
A sedução de Ginzburg pela fonte base do livro, um processo inquisitorial sobre um moleiro alfabetizado com sua própria forma de conceber o universo, a religião e o mundo, escapa de nossas expectativas referentes a este tempo, um sujeito externo as classes privilegiadas que sabe ler e escrever, compra seus livros (algo muito caro para época) e os interpreta! O curioso é que seus conterrâneos o denunciam para o Santo Ofício, iniciando assim seus problemas.
A princípio tudo o que ele queria era poder falar para pessoas dispostas a ouvi-lo e responde-lo. Podemos perceber nisto tudo uma vontade de aprender a desenvolver suas teorias. Entretanto nada disso estava nos planos da Santa Igreja. Com o surgimento da Igreja Luterana os católicos estavam desesperados e intensificaram muito sua caça as bruxas e hereges – mais do que nos “sombrios” tempos da Idade Média. A Igreja Católica percebeu que as ideias eram perigosas, afinal, tantos concílios para padronizar a concepção de cristianismo provam isso. Menocchio desenvolvendo sua própria teogonia, entraria em conflito direto com os interesses Católicos. O questionamento é sempre mais libertador do que a resposta, mas para isso um preço precisaria ser pago. Logo temos um sujeito incrível, que não se contenta em apenas aceitar o mundo ao seu redor, como procura também dialogar com ele, porém seu tempo é marcado pela perseguição católica aos hereges, bruxas e afins.
Podemos indagar uma questão no caso trabalhado por Ginzburg que é problematizada por Plekhanov e se mostra relevante atualmente: até onde pode um indivíduo afetar a história? Ou seja, quão relevante é um indivíduo para as delimitações de um tempo? Não devemos cair num simplismo e inocência colocando a estrutura e o sujeito em lados opostos e verificarmos qual pesa mais na balança da história. Ocorre uma troca constante entre ambas as partes, já que uma estrutura é sustentada pelos sujeitos que vivem nela e a estrutura sustenta a sociedade em que vivem estes sujeitos. Quem faz e mantém uma estrutura funcionando são as pessoas, não há dúvidas quanto a isto, entretanto até onde a vontade de um sujeito transforma a sociedade? O que podia um pobre moleiro italiano contra a inquisição? E ao mesmo tempo, quantos moleiros foram queimados para que a inquisição (e o poderio da Igreja) acabassem?
O que devemos ter em mente quando pretendemos estudar algum momento histórico são duas coisas básicas: uma delas é que existem uma série de questões cercando o sujeito, em especial seu tempo e sociedade, outra é a de que nem todos os sujeitos aceitam muito bem este julgo que recai sobre a formação do ser. Onde há poder, há resistência. E como pergunta final deixo, como mudar uma estrutura sem entendê-la? Até onde é possível...?