domingo, 30 de junho de 2013

Regimes de historicidade - François Hartog


François Hartog toca numa questão fundamental para o historiador: o tempo. Podemos muitas vezes esquecer que o tempo é um elemento fundamental para história, mas isso não diminui sua importância para tal área do conhecimento, no máximo demonstra alguma falha dos historiadores. Comecei a me interessar pelo tempo após ler um texto, do qual eu não me recordo o título, de Lucien Febvre onde ele abordava historicamente a questão do tempo, mais em específico este tempo do relógio, este tempo imediato como gosto de chamar – saber que horas, qual dia. E bem, da mesma forma que este tempo sofrerá mudanças constituídas por um processo histórico, o tempo (passado presente, futuro) também mudará. O que parece mudar afinal, é a relação com o tempo, já que afinal de contas ele sempre existiu. O que mudou não é o tempo, mas nosso entendimento dele.
Ao longo da “história da História” (ou seja, uma análise da historiografia, o conhecimento e as teorias produzidos sobre o estudo do passado) percebemos que houveram distintos focos em distintos tempos. De alguma forma, o único tempo que é “real” é o presente, apenas ele existe, o passado já foi, não existe mais exceto na memória, enquanto o futuro não aconteceu, não se constituiu todavia. Devido a isso parece que cada vez mais o presente é o que importa. Dois exemplos possíveis podem ser ilustrados por meio de dois fatídicos episódios que ocorreram com a Alemanha. O primeiro é o nazismo. Era por meio do passado, da história alemã que o III Reich desejava construir um futuro, era no passado, desde os tempos do sacro império, que buscavam justificar a construção de um futuro, era no passado que este futuro ganhava direção. A simbologia nazista ilustra isto, a saudação com o braço esticado era feita entre os antigos romanos, a águia era também um importante símbolo militar romano, o uso desenfreado das colunas romanas nas construções nazistas também buscavam neste passado – aliás o sacro império foi o maior herdeiro do império romano ocidental – sua justificativa para um futuro, e de alguma forma o presente era apenas um pedaço pequeno entre os gloriosos passado e futuro.
O segundo é o que parece ditar muito mais o nosso tempo, a queda do muro de Berlim foi afinal de contas um grande momento de ruptura, e suspeito ainda não termos digerido este evento e o posterior desmantelamento da União Soviética de forma concisa. Um fato interessante é que ninguém esperava que o muro caísse e muito menos que a URSS acabasse. Se planejava o futuro de uma forma, de uma maneira, partindo de um certo aspecto, a existência do muro e da União Soviética. Com a queda do muro o presente chamou a atenção para si, dizendo “sou eu que decido”, não o passado, não o futuro. Ninguém esperava o que ocorreu, o mundo e uma série de relações se transformaram num ritmo e de uma forma que ninguém imaginava. Creio que este evento ilustra bem nossa relação com o presente. Uma delas é a de que planos para datas muito longas são cada vez mais ignorados e abandonados, seja entre empresas, governo ou até mesmo pelas pessoas ordinárias e o que querem de sua vida. Talvez dai venha a crescente onda de não se desejar mais ter filhos, eles implicam este planejamento longo, esta “limitação do presente”. Com um filho para criar, já se sabe que algumas responsabilidades serão constantes e estas precisam de planejamento – educação, saúde, moradia, todos elementos que durante muito tempo os pais terão que se preocupar para darem uma boa criação para seu filho. Um exemplo prático é convidar pais adolescentes para irem a uma festa, a primeira coisa que atravanca a saída é encontrar alguém para cuidar da criança, isto exige um mínimo de planejamento.
Da mesma forma que o presente nos pegou de surpresa, queremos aproveitar estas surpresas do presente, como por exemplo ir a uma festa de última hora. É inegável que existe também uma crítica ao futuro enquanto provedor de melhora da nossa vida – será que não é esse o conceito de progresso? Ou seja, direcionar-se para o futuro não garante necessariamente uma melhora de vida, mesmo que a tecnologia se desenvolva, sabemos também que esta não causa unicamente uma melhora de nossa vida. Se não fosse por estas impressões, não haveria uma curiosidade pelo passado, e muito mais importante do que isto, uma vontade e encantamento pela preservação desse passado. Exemplos? Os museus e os tombamentos. Não só prédios dispersos pela malha urbana são tombados, como também áreas inteiras de cidades. Estes bairros tombados e os museus com fragmentos do passado são lugares que visitamos com grande alegria. O tombamento também é acompanhado da velocidade com que “as coisas mudam”, sempre há aquele pesar ao perceber que aquele prédio que se gostava tanto sumiu.
Em resumo temos esta preocupação com o tombamento devido a velocidade que percebemos o nosso presente. Queremos que esta nossa vivência (que ocorre no presente) não seja necessariamente um apagar do passado, sabemos que de alguma forma este passado faz parte, às vezes maior, outras vezes menor, do nosso presente, mesmo depois de rupturas. Existe nesta problemática questões referentes a importância da história, a construção e as mudanças dos conceitos e relações temporais e um desafio gigante, que Hartog parece começar a organizar, porém ainda sem uma resposta muito clara, já que este presente que vivemos, parece tão efêmero. E sabemos que, como coloca Marc Bloch, é do presente que o historiador parte, é de seu tempo, mesmo que se fale da Idade Média, se fala da Idade Média possível da época em que se pesquisa e estuda. O presente talvez seja um nó mais difícil de desatar do que o passado.

terça-feira, 18 de junho de 2013

A economia das trocas linguísticas - Pierre Bourdieu


Não basta falar, é preciso estar autorizado a falar. Não é a ordem dada que faz sua execução, mas sim quem dá esta ordem. Um soldado ordenar a seu tenente que “limpe as latrinas”, consegue na melhor das hipóteses, comprovar que é isso normalmente chamado de louco. Dai que os discursos por si só não bastam, há todo um entorno que importa. Não basta ordenar que a latrina seja limpa, e preciso poder dizer isso. Porém este jogo se dá de forma menos rígida, sem uma hierarquia clara e já formada.
Talvez, um exemplo mais claro seja o da pessoa que por usar palavras difíceis e termos técnicos ganha maior legitimidade de fala do que outro falante teria. Não só há esta economia das palavras, onde escolher em que momento e quais palavras usar se constitui algo muitas vezes mais considerado do que o próprio discurso, como influi também toda uma série de investimentos linguísticos localizados fora do universo das palavras.
Não raro observações a respeito dos hábitos e costumes de uma pessoa influem sobre seu discurso, “não sabe se comportar” ou “se porta mal” implicam também no valor e abordagem dada a tal fala – e falante. Um exemplo típico que encontramos nas discussões “de internet”, são os deboches feitos ao adversário de debate quando comete erros gramaticais. Os políticos sabem disso muito bem, não é tanto o dito, por isso “caras bonitas” fazem mais sucesso. Não por acaso esta atenção tão grande dada as roupas da Dilma, que enquanto mulher e presidenta precisa aparecer como tal (e aqui vale plantar a semente da discórdia e perguntar no que a forma de se vestir influi na qualidade do serviço de alguém?), como se sua primeira obrigação fosse suprir muito mais um conceito de feminilidade do que de governabilidade.
A forma como se fala (calmo, enérgico, pausadamente, etc), passando pela postura do corpo (coluna ereta, porte físico, etc), indumentária, posição social (professor, juiz, engenheiro, família tradicional, etc) e as palavras ditas (você e não ocê, por exemplo), acabam surtindo um efeito maior do que o dito. Vide várias críticas a pessoas que utilizam outras palavras para dizer as mesmas coisas, característica usualmente dada às classes mais desfavorecidas financeiramente. Vemos ainda algo semelhante a questão dos bárbaros, palavra que originalmente designa quem não sabe falar direito minha língua, que gagueja, logo é outra cultura ou parte de outro lugar, e essa dissemelhança me permite posicionar tal falante gago em um estrato social diferenciado, justificando assim algo injustificável, tratar de forma distinta uma pessoa pelo entorno que o construiu, e não seu posicionamento ético no convívio social. E com isso buscar justificar se tá sujeito merece ou não ser ouvido.
A linguagem está imbuída de poder simbólico e para ser validada precisa deste capital cultural.

sábado, 15 de junho de 2013

News the Lord Told Us - Bira

 
Atualmente não podemos negar a importância da internet para isto que chamamos de liberdade, especialmente a pessoal. Os eventos que ocorreram na Tunísia, Egito, Israel, Turquia, São Paulo... soube de todos eles pela internet muito antes de passar na mídia convencional. Entretanto vejo que esquecemos muitas vezes que antes da internet já haviam alternativas para a mídia convencional e monopolizadora acima de tudo, dos quais podemos citar conglomerados como Globo, Abril, Televisa (México), Clárin (Argentina) e por ai vai. Defendem a liberdade de expressão até onde vão seus interesses, numa sociedade onde a informação se mostra cada vez mais estratégica, manipular (igual um químico manipula elementos) esta informação é algo de suma importância. O principal interesse de uma empresa é o lucro, e não vamos esquecer a mídia convencional é formada por empresas, que visam o lucro. Detalhes a parte podemos perceber que uma série de assuntos acabam não sofrendo abordagem, seja pelo desinteresse, medo ou falta de público para tal assunto.
   Neste ponto uma coisa que rolava muito antigamente era a troca de material. Emprestar discos, gravações em fitas k7 ou na casa de algum amigo para escutar música eram práticas normais e corriqueiras. Muitas vezes alguém mais abonado conseguia viajar para outro lugar, dentro ou fora do país, e de lá trazia algum som novo que estava longe de tocar nas rádios, ou a exemplo do chamado rock gaúcho, estava restrito a uma região. Não só isso, como há sempre a produção independente local, sem apoio de gravadoras ou alguma rádio – papel que a Rádio Atlântida, filiada a “toda poderosa” RBS, exerceu de alguma forma durante muito tempo nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Verdade seja dita conheci muito material por meio desta mídia convencional, foi numa grande rádio que ouvi the Doors pela primeira vez e assisti Pulp Fiction na programação tardia de uma grande rede televisiva, mas foi graças a trocas com amigos e conversas que aprendi e conheci muito mais.
Também existem – sim ainda existem, a internet só está somando – esses outros meios. Como eu era um singelo garotinho durante os anos 1990, ficava complicado sair de casa. Ainda brincava e era esta atividade essencial que tinha com meus amigos durante minha pré-adolescência. Porém devo muito ao contato com as pessoas mais velhas ao meu redor, meu tio é que emprestou o cd do Lez Zeppelin para minha irmã gravar numa fita k7 e assim podermos acessar tão restrito material de maneira barata, que coubesse no restrito e inexistente orçamento – meu pai não dava mesada. Minha tia possuía a clássica coletânea do Smiths com as duas fotos do Mccullin (se não me engano). Porém agradeço muito a minha irmã, alguns anos mais velha do que eu, ela fazia algo que parece ser corriqueiro até esta época, pelo que sei meus pais faziam a mesma coisa. Era ela que ia para o centro encontrar seus amigos, sem combinar anteriormente nem nada, sabia dos lugares frequentados pela galera. Algumas vezes ela aproveitava para distribuir currículos, encontrava algum amigo e já logo aproveitavam para fazer alguma outra coisa, desde que fossem baratas, óbvio.
Numa destas investidas ao centro chegaram até minhas mãos duas edições deste zine que rolava por aqui na cidade de Blumenau: News the Lord Told Us. Foi por meio deste zine que muita coisa eu fiquei sabendo e encontrei textos que falavam de coisas que refletiam muitos sentimentos meus. Mesmo sem ter conhecido na época muito mais gente do que a minha irmã – da qual até hoje gosto de encontrar para “curtir um som” – foi ótimo saber que havia mais pessoas na cidade que se interessavam pelas mesmas coisas, afinal o zine era feito aqui. Conforme pude fui tomando contado com o que ali estava, e outras foram aparecendo ao longo do tempo, a maior parte, como sempre, acabei esquecendo mesmo. Guardei estes dois exemplares, distribuídos gratuitamente e que não passavam de uma A4 xerocada dos dois lados (uma saída barata), e recentemente devido a modificações aqui em casa, reencontrei estes exemplares e recordei muita coisa. E também acho que é pertinente a muitas outras coisas que vem rolando atualmente. É pertinente ao nosso tempo.
Faz algum tempo eu vinha querendo postar material restrito, em especial zines, no blogue, fugir às vezes da literatura que tu consegue fácil numa livraria, seja pegando direto na estante ou comprando nalguma loja online. Primeiro me faltava um escâner, que agora apareceu e estou usando ele bem feliz (minha vida social está um pouco mais restrita, verdade). Foi então que cheguei a conclusão que deveria inaugurar esta prática de postar alguns zines por um dos primeiros – ou o primeiro, pouco importa afinal – material restrito que chegou a minha mão. Espero que gostem do escaneamento do zine que disponibilizo para vocês. Está em jpg.