Não basta falar, é preciso estar autorizado a falar. Não é a
ordem dada que faz sua execução, mas sim quem dá esta ordem. Um
soldado ordenar a seu tenente que “limpe as latrinas”, consegue
na melhor das hipóteses, comprovar que é isso normalmente chamado
de louco. Dai que os discursos por si só não bastam, há todo um
entorno que importa. Não basta ordenar que a latrina seja limpa, e
preciso poder dizer isso. Porém este jogo se dá de forma menos
rígida, sem uma hierarquia clara e já formada.
Talvez, um exemplo mais claro seja o da pessoa que por usar palavras
difíceis e termos técnicos ganha maior legitimidade de fala do que
outro falante teria. Não só há esta economia das palavras, onde
escolher em que momento e quais palavras usar se constitui algo
muitas vezes mais considerado do que o próprio discurso, como influi
também toda uma série de investimentos linguísticos localizados
fora do universo das palavras.
Não raro observações a respeito dos hábitos e costumes de uma
pessoa influem sobre seu discurso, “não sabe se comportar” ou
“se porta mal” implicam também no valor e abordagem dada a tal
fala – e falante. Um exemplo típico que encontramos nas discussões
“de internet”, são os deboches feitos ao adversário de debate
quando comete erros gramaticais. Os políticos sabem disso muito bem,
não é tanto o dito, por isso “caras bonitas” fazem mais
sucesso. Não por acaso esta atenção tão grande dada as roupas da
Dilma, que enquanto mulher e presidenta precisa aparecer como tal (e
aqui vale plantar a semente da discórdia e perguntar no que a forma
de se vestir influi na qualidade do serviço de alguém?), como se
sua primeira obrigação fosse suprir muito mais um conceito de
feminilidade do que de governabilidade.
A forma como se fala (calmo, enérgico, pausadamente, etc), passando
pela postura do corpo (coluna ereta, porte físico, etc),
indumentária, posição social (professor, juiz, engenheiro, família
tradicional, etc) e as palavras ditas (você e não ocê,
por exemplo), acabam surtindo um efeito maior do que o dito.
Vide várias críticas a pessoas que utilizam outras palavras para
dizer as mesmas coisas, característica usualmente dada às classes
mais desfavorecidas financeiramente. Vemos ainda algo semelhante a
questão dos bárbaros, palavra que originalmente designa quem não
sabe falar direito minha língua, que gagueja, logo é outra cultura
ou parte de outro lugar, e essa dissemelhança me permite posicionar
tal falante gago em um estrato social diferenciado, justificando
assim algo injustificável, tratar de forma distinta uma pessoa pelo
entorno que o construiu, e não seu posicionamento ético no convívio
social. E com isso buscar justificar se tá sujeito merece ou não
ser ouvido.
A linguagem está imbuída de poder simbólico e para ser validada
precisa deste capital cultural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário