Reinhart Koselleck colocava que quanto mais precisa uma previsão
sobre o futuro, maior a chance dela se revelar incorreta. Quando
estudamos o passado nos deparamos com a possibilidade de coisas que
para nós são um claro e completo absurdo, mas acabavam sendo algo
tolerável em seu tempo. Cada tempo carrega suas próprias
características, seu próprio espírito se considerar mais adequado.
Temos no momento atual uma sensação de deriva maior do que em
outros presentes recentes, e o mais interessante é que uma série de
previsões certeiras sobre o futuro não estão se concretizando, mas
parecem tomar um rumo contrário. É verdade que, para além do
binarismo entre esquerda e direita colocados de forma mais urgente
nas eleições dos EUA que elegeram Trump, no Brexit e agora nas
eleições francesas, observamos a ressonância que a proposta de
projetos nacionais conseguem. Isto, num momento que cinco anos atrás
seria inimaginável.
Da mesma forma, temos a questão da Síria, muito instrutiva após
observarmos o que se sucedeu em outros países árabes, em especial o
Iraque e a Líbia. É notável como está cada vez mais urgente
retomarmos o papel e a função do Estado. Este, ao contrário de
previsões de sua dissolução e fraqueza cada vez maior durante a
década de 1990, das quais van Creveld neste livro faz significativo
eco, se mostram apressadas e seduzidas por acontecimentos presentes.
É aqui que nos damos conta de que a longa duração não se trata
simplesmente de uma narrativa em extenso volume de anos. Se o Estado
nos causou inquestionáveis problemas ao longo do século XX, momento
em que ele alcançou níveis até então nunca vistos, desde o
desleixo para a questão do Estado após a queda do muro de Berlim, e
uma entrega cada vez maior de ações públicas para a iniciativa
privada, os problemas não se resolveram – quando não se
multiplicaram e aumentaram de gravidade.
Não podemos falar de Estado antes da modernidade. Em resumo, o
Estado se constituí como um aparelho de governo impessoal e
independente de algum indivíduo. Muda-se o governante, mas as
instituições, órgãos e departamentos públicos continuam suas
atividades sem maiores interrupções. É algo impessoal, e nisto
podemos compreender porque a burocracia é tantas vezes injusta. Da
mesma forma que não depende de um indivíduo governante específico,
também não busca distinguir os sujeitos em sua individualidade. É
apenas no período um pouco precedente a Revolução Francesa que
isto ocorre. É justamente com Luís XIV, famoso por ter declarado
ser ele próprio o Estado, que isentou tal aparelho de pessoalidade.
Outra característica interessante está no fato de que o Estado está
diretamente atrelado a forças militares e policiais regulares. Sem
isto não há Estado. De fato, aplicar a severidade da coleta regular
de impostos, bem como realizar medidas obrigatórias (vide Revolta da
Vacina), invariavelmente exigem o uso da força. É o chamado
monopólio da violência. Desta forma, o único indivíduo
reconhecido em reais níveis de igualdade por um Estado é um outro
semelhante. Os Estados só dialogam entre si, ao resto sua razão
imperativa e impessoal.
Pode-se considerar exagerada a atenção e importância que van
Creveld dá a questão militar, ainda mais quando temos em conta ser
esta sua especialização. Mas sua observação de que os Estados
alcançaram sua maior capacidade de interferir na totalidade de uma
sociedade no período das duas guerras mundiais, é lúcida.
Justificado por sua orientação baseada na razão, nestes momentos
críticos o Estado interviu em tudo que for possível para um esforço
comum: a guerra. Junto com esta dedicação comum da população, que
ocorreu na lei ou na marra, ocorreu uma significativa ampliação de
infra-estrutura e bem-estar social. Esta ampliação de
infra-estrutura e bem-estar social prevaleceu em expansão durante o
pós-guerra até a década de 1970 e suas crises. Também é no
pós-guerra que o modelo do Estado Nacional aparecerá como meta em
todo o globo, em particular nas lutas de libertação na Ásia e na
África.
Se com os desafios postos em cada vez maior grau desde a década de
1970, onde van Creveld aponta que o fracasso do Estado de bem-estar
social foi seu sucesso, tornando cada vez mais caro manter sua
estrutura, culminando na era neoliberal iniciada em nível global com
a eleição de Tachter e Reagan e que encontrou sua urgente
necessidade de revisão com a crise de 2008, repensar o papel do
Estado se mostra algo fundamental. E, se é bem verdade que o Estado
foi responsável por atrocidades, desde a rigidez do socialismo real
até as ditaduras latino-americanas anti-comunistas, com seu ápice de
neoliberalismo na década de 1990 e seu último espasmo em 2008,
rever o papel e os usos desde que é até agora o mais refinando
aparelho de governo e organização social que conhecemos se mostra
uma pauta vital. Interrogar sobre o que temos na ausência do Estado
é válido. Creio que a resposta mais imediata, é a de que ainda
precisamos dele, e nada indica que seu tamanho diminuiu, afinal, como
medir algo tão abstrato?