Kafka
consegue falar do sujeito moderno como poucos. As neuroses, crises e
inconstância, parecem marcar bem este tipo de sujeito tão bem
sujeitado. Não por acaso uma literatura tão fantástica acabe
conversando tão bem conosco. Não só o sujeito é bem desenhando
pelo tcheco, como também o meio em que vive este personagem.
Elementos variados podem ser percebidos.
O
mais conhecido destes elementos talvez seja o escritório. Büro em
alemão. E sim é daí que se origina a palavra burocracia, e isto os
povos de língua alemã souberam fazer como ninguém! Vale lembrar
que esta é a língua em que Kafka escrevia, assim como era a língua
usada pelo funcionalismo público de Praga, apesar da língua falada
nas ruas ser o tcheco. O meio burocrático está ali constantemente
ameaçando engolir o personagem, este por sua vez se vê acudido,
querendo fugir, quase entrando num estado histérico, mas algo o
parece impedir de perder a compostura. O escritório ou gabinete é
um dos grandes ambientes da literatura de Kafka. E é hoje lugar de
trabalho de muita gente.
Outra
atenção aparece em relação às cidades e o seu frenesi, com
trânsito, trens, fumaça, sujeira, mesmo que o normal seja não
conduzir o leitor para algum passeio pelas ruas. Ela acaba se fazendo
presente de alguma forma, mesmo que seja quando de algum olhar tímido
pela janela. Pensando nisso a sensação claustrofóbica só aumenta,
e voltamos a este sujeito moderno.
Sempre
nervoso, podendo ser derrotado a cada instante. Não só pela
conversa que se faz com outro personagem, como também por toda a
ambiência que o cerca. De alguma forma a arquitetura que se
arquiteta envolve o personagem. Poucas vezes me recordo de ler algo
de Kafka que não se ambiente no interior de alguma construção,
navio ou escritório.
Além
de tudo isto, outro elemento tão caro aos modernos está ali, a
fragmentação, e isto também tem relação com o tempo. Sejam os
curtíssimos contos de Contemplação ou até mesmo suas histórias
mais famosas, são sempre possíveis fragmentos do cotidiano. O
leitor não é instigado a saber detalhes da vida do personagem, e
não lhe interessa necessariamente saber tão pouco o fim que o
personagem terá. O fragmento da história se encerra da mesma forma
que inicia. E nossa vida é fragmentária. Alguém que te pergunta
algo na rua, uma discussão rápida, não seguimos uma pretensa
constância cotidiana, tão logo começa, termina. Um acaso parece
conduzir as histórias de Kafka, um esbarrão num maquinista inicia
uma história que termina com uma improbidade tal que, acaba se
tornando real. Puro acaso, mas real, crível no final das contas. E
por mais fantástico que seja a literatura deste sujeito
geograficamente periférico da língua alemã, o incrível acaba
sendo o mundo real não as fantasias criadas a partir dele.
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