quarta-feira, 8 de março de 2017

Planeta Favela - Mike Davis



O assunto das favelas é pouco e mal debatido, muito provável por ser um assunto desagradável, relevamos para segundo plano um assunto vital para a discussão urbana. Mike Davis produziu este trabalho sintético sobre o panorama das habitações irregulares, chamadas de favelas no Brasil, mas que conseguem encontrar um termo específico em cada lugar: villas, pueblos jovenes, Slum, etc. O quadro geral e desesperador, se temos uma pequena fatia nos países europeus em habitações irregulares, não podemos esquecer de olhar para os locais onde se encontram a maior parcela da humanidade, os chamados países subdesenvolvidos e sua gigantesca população vivendo em locais miseráveis. Se isto se aplica ao Brasil, que como arredondou Bárbara Freitag em Teorias da cidade, temos 50% da população morando em habitações irregulares ao incluirmos também os cortiços, puxadinhos e quartinhos escondidos e absorvidos pela pesada estrutura urbana das cidades, a situação é muito mais crítica em locais como a Índia ou o continente africano. Curiosamente, também são países com um volume populacional maior, e uma estrutura estatal mais frágil.
Um dos pontos fundamentais que Davis traz para a discussão está num dos problemas que acredito serem fundamentais nesse princípio de século XXI, debatido à exaustão em períodos anteriores, foi posicionado como assunto de menor importância nos últimos trinta anos: a questão do Estado. Dada a euforia modernista do pós-guerra, tivemos um período relativamente extenso de destaque para a arquitetura moderna. Brasília é concebida neste período, bem como a ideia de conjuntos habitacionais. Grosso modo, os conjuntos habitacionais foram a saída encontrada pelos variados governos, tanto nos blocos socialistas como capitalistas da época, para a questão da habitação, dado que haviam dois problemas, a destruição causada pela guerra (questão muito mais séria na Europa e sua parte leste) e o chamado baby booming, também conhecido como explosão demográfica, possível por coisas como maior expectativa de vida, redução da mortalidade infantil e não desconsidero elencar um certo otimismo para com o futuro. De qualquer forma, o problema era simples, faltava habitação decente para toda a população. Para piorar, é ao longo do século XX que vemos o mundo deixando de ser rural para se tornar urbano. Os conjuntos habitacionais começam a demonstrar seus problemas, o modernismo adotado sem um postura crítica busca simplesmente suprir um problema numérico/matemático e coloca de lado a questão humana. Não demora observamos conjuntos habitacionais que são verdadeiros pesadelos, vemos isso em filmes como Clockers de Spike Lee, ou em histórias como a de Christiane F., todas com uma importante ambientação em torno destes grandes complexos de concreto armado. Desta forma, a forma com que se aborda a questão habitacional muda, de uma abordagem onde o Estado era o principal agente, para uma abordagem de financiamento e individualização.
Este é o ponto chave em torno da discussão que ocorre no livro. Em primeiro momento, olhando para a política de Estados como agentes para a resolução dessa carência habitacional e sua resolução em torno de conjuntos habitacionais, apresentarmos uma política de liberação de crédito parece muito mais sensata. Temos aqui uma questão para a qual eu sou simpático, já colocada por Braudel que é a de não olharmos para a história seduzidos pelo acontecimento, pelos períodos curtos, é necessário uma certa densidade histórica e por isso a atenção para períodos mais longos. E com isto, podemos esticar nossa observação para o momento em que a política de liberação de crédito (vide Minha casa, minha vida) é adotada em detrimento da de um Estado enquanto agente direto. O que vamos observar é um problema habitacional agravado, e um gasto maior de dinheiro. A ideia em princípio interessante, de liberar crédito para que as pessoas individualmente melhorassem sua habitação, ou financiassem uma nova, revelou-se um grande problema.
Desta forma, o que se reforçou foi a principal causa de carência habitacional, a especulação imobiliária. Injetando dinheiro no mercado, sua reação é aumentar os preços. E as famílias que conseguiram sair de favelas, não hesitaram em alugar seus barracos, ou vendê-los, e desta forma a habitação precária continuou sendo utilizada. Com o aumento de preços, sair da situação precária se tornou um desafio ainda maior. De certa forma, não é algo diferente do que vimos em programas como o famoso Minha casa, minha vida, que trazia uma opção de financiamento atraente em relação aos outros programas (privados), mas não garantiu moradia decente, seja no sentido técnico da coisa (qualidade do material usado, seguimento de regras básicas da ABNT, etc), seja no sentido social, humano (locais distantes, sem comércio próximo, estresse diário com deslocamento para o trabalho, etc). Não podemos ignorar, que uma parte deste problema também está ligado a uma questão cultural, de que as classes mais abastadas simplesmente desejam distância de classes menos abastadas, isto é uma questão sem explicação racional, mas que encontra sua justificativa nos sentimentos de repulsa, nojo e medo. Com isto, podemos debater através deste livro a situação atual das precárias habitações em que vivem a maior parcela da humanidade, bem como constatar o fracasso e a necessidade de buscar novas políticas públicas para habitação que não sejam a construção de grotescos conjuntos habitacionais ou caros financiamentos e liberação de crédito.
Uma parte do ensaio que está no final do livro.

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