Portugal faz parte do clube dos últimos países a perderem suas
colônias na África. Curioso que não estamos falando de um país
importante como Reino Unido ou França, mas sim de Portugal. Boa
parte da honra em manter aquelas colônias africanas estava no desejo
de agarrar alguma coisa num passado já tão distante que nem parece
algum dia ter existido: as grandes navegações.
Mesmo fazendo já muito tempo que os portugueses se lançaram ao mar,
havia no regime de Salazar um uso muito forte desse passado. Este é
o alerta para quem se interessa pela história, ditadores não cessam
de se voltar para ela. Se agarram, se prendem, choram e conclamam
poemas pelo passado, pretérito invisível, que ninguém vivo jamais
viu. Pelo que percebo Salazar ainda é uma ferida para os
portugueses, assim como os militares ainda são para os brasileiros.
Como ignorar a ditadura de Salazar e sua postura insistente com suas
colônias? Havia pouco diálogo, algo possível de se notar pela
educação recebida nas colônias, onde aprendiam que eram
portugueses e na aulas de geografia, por exemplo, aprendiam quais
eram os principais afluentes do rio Tejo... Acredito que podemos ver
neste passado colonial não tão distante de Portugal alguns aspectos
para entendermos o terceiro mundo e até mesmo a importância da
existência de um país como a União Soviética – apesar dos
pesares.
Temos um português dialogando com esta ferida, não alguém dali.
Aos poucos o livro vai ganhando cada vez mais contornos anti-Salazar.
Podemos não perceber devido a certos julgamentos, mas eles estão
ali muito mais devido ao estranhamento do estrangeiro, do sujeito que
não tem nada a ver com aquele cus de Judas, que afinal, não é
mesmo Portugal. O personagem principal, que nos conta sua jornada,
não se vê ali em África. Porém não podemos nos iludir, já que
os únicos momentos que Lisboa soa familiar e na narrativa da saudade
e da memória. Nestes reinos o lar é outro, sempre diferente do lar
encontrado na volta, na visita.
Antônio Lobo Antunes escreve difícil e de forma particular, sua
escrita segue o sentido da mente humana, não há um
começo-meio-e-fim definido nos parágrafos, apenas ao longo do tempo
o leitor se localiza no meio de tamanha confusão. Mas, Antunes como
bom psicanalista que deve ser, sabe que a mente humana não é uma
via expressa, mas sim um labirinto, e cheio de minotauros.
Os cus de Judas trata dos traumas de um país num momento histórico
muito específico, esta dada uma possibilidade do estudo da
psicologia e da história, talvez sirva de leque para esta junção
que me interessa cada vez mais. Além disso, o livro é uma peça
fundamental para entendermos um pouco mais dessa mistura entre
África, Brasil e Portugal, algo tão visível mas nem um pouco
claro.
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