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Dizem que a expressão terceiro mundo não tem mais cabimento. Em
larga medida faz sentido esta observação, já que terceiro mundo
está muito ligado a uma série de observações descabíveis para
muitas coisas. Porém vejo ai um agrupamento identitário, terceiro
mundo acaba aglutinando boa parte deste mundo “esquecido”, que
parece ficar nas margens do Império Romano. É comum encontrar
pessoas que saibam as capitais de inúmeros países europeus,
entretanto encontrar alguém que entenda África como um continente e
não como um país, é algo raro. Não bastasse, constantemente são
feitas comparações entre o lugar em que vivemos e alguma
experiência europeia. Eu por exemplo, faço isto repetidamente ao
discutir mobilidade urbana e o uso de bicicletas. Confesso que nem
sempre é proposital, mas quando o é sei que efeito estou produzindo
ao citar o uso de bicicletas na Alemanha. Poderia citar Cuba, que
segundo soube por boatos, está investindo nos últimos anos nesta
mesma questão, mas sei que citar Alemanha acaba soando bem mais
eficiente e abrangente.
Uma das coisas que podemos observar dai é a falta de crédito dado a
capacidade destes países periféricos, que estão a margem em alguma
medida. Parece que nem sempre se busca uma autonomia, um caminho
próprio e mais adaptado a nossas necessidades. Um exemplo prático
foi quando uma amiga minha conversava com uma intercambista alemã,
ambas estudantes de Arquitetura e Urbanismo. A garota alemã
perguntava duvidosa e quase revoltada porque aqui nós evitávamos
construir na beira do rio, já que ele é bonito e aproveitaria
melhor o espaço, além do que é assim que eles fazem na Alemanha.
Porém, cabe lembrar, que na Alemanha eles não tem chuvas como temos
aqui, não tem a natureza que temos aqui, nem o solo deve ser
semelhante (aqui no Vale do Itajaí a terra é bem vermelha). O
elemento claro é que não estamos acostumados, e muito menos somos
educados para lidar com estas particularidades e necessidades de cada
caso e lugar.
Em larga escala este desejo estará presente nas três empreitadas
trabalhadas ao longo deste livro. Poderiam tentar outros caminhos,
mas, de alguma forma, escolheram tentar o socialismo. Muitas vezes
esta tendência acabava ocorrendo por um motivo muitas vezes ignorado
ao citar tais casos. Por exemplo, Hailé Selassié tinha seu regime
apoiado pelos EUA. Movimentos sempre precisam de apoio externo, e no
caso etíope não viria da casa branca, como a bipolaridade do
período acabava te obrigando a escolher um lado, alinhar-se a URSS
aparece como a opção mais sensata. Até porque já havia uma
simpatia pelo socialismo. É ignorado que esta escolha pelo
socialismo representa uma possibilidade de autonomia, dificilmente
anunciada no capitalismo americano apoiador do Imperador (da mesma
forma os EUA proporcionavam uma certa autonomia para Hailé Selassié,
cabe observar).
Se entrarmos na discussão de quão socialista ou não foram estes
episódios, creio que será uma longa conversa que não quero fazer
agora. Caio no pecado do cientista e busco focos possíveis ao longo
desta discussão. Vale a pena olhar como esta busca por autonomia é
algo penoso aos países alocados de alguma forma dentro do jargão 3º
mundo. Mas ao mesmo tempo podemos perceber ai uma capacidade
inovadora incrível, que indica ser dificílima no engessado 1º
mundo. E para isto acredito que saber de seu lugar facilita o
movimentar-se.
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