Faz algum tempo que certo programa dominical havia chamado uma especialista em etiqueta para falar sobre “Roupa no Trabalho”. De certa forma ali foram indicadas condutas a respeito da vestimenta no ambiente de laboro. Conversando com meus pais a respeito, lhes disse que esta questão de policiar a roupa de uma pessoa era algo que procura mais do que “vestir bem”. Então eles me responderam que é necessário usarmos uma roupa adequada. Em seguida citei o ambiente jurídico onde é necessário trajar terno, não importando o clima (verão, inverno). Me disseram aquilo que ouvi professores universitários falarem: que esta norma é um sinal de respeito. Minha argumentação fora simples, sinal de respeito não seria obrigar alguém a trajar tal roupa, mas sim deixá-la vestir a roupa que bem lhe conviesse. Fazer piadas pela roupa de alguém por não trajar algo respeitoso me é incomodo. Ainda falando em roupa, certa vez um amigo meu ouvira a célebre frase de seu avô, de que com a roupa que estava vestido (no caso camiseta de banda e jeans velho) parecia um marginal. Na hora ele retrucou uma resposta semelhante a criança que berrou que o rei estava nu, “olha vô, quem mais rouba usa terno e gravata”.
Bem, podemos ver nisto tudo uma série de códigos de boa conduta ou de conduta civilizada. Apesar de minha leitura que além de fraca, tem um forte peso foucaultiano, Elias vai falar justamente de uma questão semelhante. Depois de ler este livro quando dizem “civilização”, os contornos já são outros. De forma geral vamos ter manuais de etiqueta que vão buscando transformar os hábitos das pessoas. A princípio deveria ser para diferenciar a nobreza “do resto” - que me perdoem os fundamentalistas da classe média, mas também estamos aí1. É interessante ir vendo como isto vai se espalhando, como cada lugar vai desenvolver seus códigos de etiqueta, e como uma pessoa da corte de Bolonha pode gerar um pequeno estranhamento na corte de Budapeste (e vice versa), mesmo sendo educado na mais fina etiqueta de sua região.
Quase podemos ver isto como os códigos de que falava meu primo em Buenos Aires, quando íamos a algum café observar as pessoas e ele me falava de gestos e atitudes que demonstravam respeito (a exemplo de uma pizzaria onde os “esnobes” sentavam mais ao fundo). Porém no caso porteño não fora escrito manual algum sobre a conduta a ser tomada na cidade. Mas é curioso como não seguir tais “regras” nos geram incômodos, ou até mesmo asco. Nisto me recordo de alguns jornais que ao reclamarem dos sujeitos que faziam barulho pela cidade tarde da noite os nomeavam de “botocudos” e que eles se constituíam como indivíduos a margem¹. Casos a parte, porém ambas norteadas por regras de conduta. A diferença é que no caso citado por Norbert Elias haviam manuais, e no citado por mim não.
Observem bem que o que os condicionou a tal status fora seu comportamento. Isto justificou utilizar a metáfora horrível da cidade sobre a mata, do europeu sobre o índio, da civilização sobre a barbárie. E a civilização aqui talvez seja diferente da de Vico: onde houver mito de criação, celebração do matrimônio e sepultamento dos mortos, ali temos uma civilização. E no cotidiano, na fala das pessoas, civilização se constitui por tecnologia, economia, hábitos e condutas. A educação de que tanto gostamos de falar não passa por um domínio de grandes teoremas, Platão ou Leibniz. Ela parece estar muito mais na forma de se portar, na roupa que se usa (porque tanto terno?), no uso de talheres, na língua que se fala. Damos importância a tudo isto, e talvez até mesmo Lucy se importasse com a conduta de seus semelhantes, realente não sei, mas o para onde olhamos assim que encontramos alguém não ocorre por acaso, muito menos gerado por um processo “natural”.
Creio que a observação feita pelo autor seja uma boa forma de encerrar este texto tão curto e insuficiente:
“Freqüentemente se diz ‘o quanto nós progredimos além desse padrão!’, embora, em geral, não fique bem claro quem é o ‘nós’ com quem a pessoa se identifica nessas ocasiões, como se merecesse parte do crédito” (ELIAS, p.81).
Bem, podemos ver nisto tudo uma série de códigos de boa conduta ou de conduta civilizada. Apesar de minha leitura que além de fraca, tem um forte peso foucaultiano, Elias vai falar justamente de uma questão semelhante. Depois de ler este livro quando dizem “civilização”, os contornos já são outros. De forma geral vamos ter manuais de etiqueta que vão buscando transformar os hábitos das pessoas. A princípio deveria ser para diferenciar a nobreza “do resto” - que me perdoem os fundamentalistas da classe média, mas também estamos aí1. É interessante ir vendo como isto vai se espalhando, como cada lugar vai desenvolver seus códigos de etiqueta, e como uma pessoa da corte de Bolonha pode gerar um pequeno estranhamento na corte de Budapeste (e vice versa), mesmo sendo educado na mais fina etiqueta de sua região.
Quase podemos ver isto como os códigos de que falava meu primo em Buenos Aires, quando íamos a algum café observar as pessoas e ele me falava de gestos e atitudes que demonstravam respeito (a exemplo de uma pizzaria onde os “esnobes” sentavam mais ao fundo). Porém no caso porteño não fora escrito manual algum sobre a conduta a ser tomada na cidade. Mas é curioso como não seguir tais “regras” nos geram incômodos, ou até mesmo asco. Nisto me recordo de alguns jornais que ao reclamarem dos sujeitos que faziam barulho pela cidade tarde da noite os nomeavam de “botocudos” e que eles se constituíam como indivíduos a margem¹. Casos a parte, porém ambas norteadas por regras de conduta. A diferença é que no caso citado por Norbert Elias haviam manuais, e no citado por mim não.
Observem bem que o que os condicionou a tal status fora seu comportamento. Isto justificou utilizar a metáfora horrível da cidade sobre a mata, do europeu sobre o índio, da civilização sobre a barbárie. E a civilização aqui talvez seja diferente da de Vico: onde houver mito de criação, celebração do matrimônio e sepultamento dos mortos, ali temos uma civilização. E no cotidiano, na fala das pessoas, civilização se constitui por tecnologia, economia, hábitos e condutas. A educação de que tanto gostamos de falar não passa por um domínio de grandes teoremas, Platão ou Leibniz. Ela parece estar muito mais na forma de se portar, na roupa que se usa (porque tanto terno?), no uso de talheres, na língua que se fala. Damos importância a tudo isto, e talvez até mesmo Lucy se importasse com a conduta de seus semelhantes, realente não sei, mas o para onde olhamos assim que encontramos alguém não ocorre por acaso, muito menos gerado por um processo “natural”.
Creio que a observação feita pelo autor seja uma boa forma de encerrar este texto tão curto e insuficiente:
“Freqüentemente se diz ‘o quanto nós progredimos além desse padrão!’, embora, em geral, não fique bem claro quem é o ‘nós’ com quem a pessoa se identifica nessas ocasiões, como se merecesse parte do crédito” (ELIAS, p.81).
¹ “Mais uma vez o nosso apelo tendo em vista que Blumenau já alcançou a sua maturidade no que alude aos fóros de civilização, e o que se verifica, no caso em pauta é ato de individuos botocudos que estão a margem da lei.” - retirado do jornal Combate, nr 11, 11 de fevereiro de 1962
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