Desde muito tempo o Homem buscou no passado um diálogo com seu tempo
presente. Seja Bloch e sua colocação firme sobre todo trabalho
histórico ser a respeito do tempo presente, Bloch era um
medievalista e a situação pode ser tornar mais crítica quando
pegamos os acontecimentos traumáticos das recentes ditaduras
militares da América. Podem ser eventos passados, mas muito bem
marcados no presente e ainda atuantes, como bem observou Vladimir
Saflate, muitos cargos importantes ainda são geridos por pessoas que
tiveram sua formação no período militar, ou ainda são tocados da
mesma forma, com a mesma tecnologia burocrática e ética. Desta
forma o século XX trouxe à tona a necessidade de uma história do
tempo presente. É neste século, em especial na sua segunda metade,
que vemos vários países dando atenção para a História ainda
presente e fundando institutos preocupados com tal desafio. Mesmo que
tenham surgido sob a sombra de alguma pasta ministerial, não
demoraram muito em galgar sua independência e verem seus cargos
institucionais ocupados por historiadores profissionais. Nesta
direção podemos fazer eco a observação de Pieter Lagrou quando
diz que a história não é exclusiva aos historiadores, pois
enquanto questão de cidadania deve ser aberta para aqueles excluídos
do círculo profissional da área. É algo que também faz parte dos
cidadãos, por isso eles devem ser convidados para o debate.
Quando se trata de colocar a história em debate, mais do que
deixando claro que se faz parte dela, mas que se fala algo que boa
parte das pessoas viveram, o recurso oral talvez seja um dos mais
fantásticos para isso. Neste sentido cresce cada vez mais a busca
por recursos orais, como entrevistas. Outros meios menos diretos que
por sorte acabam sobrevivendo a catástrofes, seja um diário ou um
conjunto de cartas, também são utilizados. São formas de dialogar
diretamente com algo difícil de rastrear e penetrar: as emoções e
os sentimentos.
Apesar da caricatura que se faz desses elementos vistos como não
racionais, eles são vitais para muitas situações. Como pensar na
experiência do uso de violência em busca de fins políticos nos
anos 1970, sem recorrer a um diálogo mais direto? Passerini
trabalhou com entrevistas, dando voz as pessoas que participaram
desse processo, dando a possibilidade de se explicarem, de refletirem
e debaterem sobre um assunto ainda fresco, com feridas ainda abertas.
Também foi por meio de cartas que conseguiu rastrear a construção
histórica de elementos tão abstratos quanto a política, porém
muito menos abordados. Quem sabe possamos pegar uma carona em Braudel
e entendermos cada tempo como constituindo de suas peculiaridades
inerentes a vontade humana, que por mais amada ou odiada que sejam
estas peculiaridades, elas se mostram presentes no tempo, apesar de
seu tempo de existência ser claramente limitado, não faz com que
sejam menos atuantes. Braudel pensa na longa duração, nós já não
pretendemos ver o tempo desta forma, porém o que está claro é a
peculiaridade de cada tempo, e este não é um elemento bem marcado.
O que Passerini parece apontar, e Arlette Farge também, é para um
campo caro aos historiadores, que talvez já foi palco de algumas
aventuras com o nome de “história das mentalidades”, mas há
coisas vitais em elementos pouco concretos dentro da investigação
histórica, como os sentimentos, crenças, formas de pensar e agir
que só podem ocorrer em determinado tempo. Será que as formas de
encarar a violência ou sentimentos de amor sempre foram uniformes? É
uma pergunta difícil de responder.
Referências:
LAGROU, Pieter. A história do tempo presente na Europa depois de 1945. in:
SAFLATE, Vladimir. A ditadura venceu. in: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2014/04/1433855-a-ditadura-venceu.shtml
BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. A longa duração. in: Escritos sobre a história. São Paulo: perspectiva, 2009.
FARGE, Alette. Lugares para a História. Belo Horizonte: autêntica, 2011.
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