sexta-feira, 27 de abril de 2012

Nascimento da Biopolítica - Michel Foucault

Os cursos ministrados por Michel Foucault no Collège de France dão margem para uma série de questões. Apesar de percebermos ao longo da leitura das aulas que há um objetivo em foco, as aberturas sempre são possíveis. O que estamos lendo são as transcrições de gravações destes cursos, e assim sendo estamos lendo a fala de um sujeito, não a sua escrita. Notavelmente as aulas são menos rebuscadas que os textos. Algo simples de compreender, tanto pelas diferentes propostas (escutar ou ler), como pelo tempo dedicado a textos e a falas. Porém não podemos nos iludir de que tais aulas eram pouco preparadas.
      Pela razão da fala, a dispersão, voltas e delongas são lugares comuns. Percebemos isto ao prestar atenção numa conversa ou até mesmo quando ouvimos uma gravação nossa enquanto falamos com alguém. Percebendo assim, as particularidades da fala. Não bastasse, a densidade das aulas colabora para essa gama de possibilidades que sinto presente nos livros-cursos de Foucault.
     No resumo do curso, Foucault deixa claro que o curso “acabou sendo inteiramente consagrado ao que devia formar apenas sua introdução”¹. Sua preocupação era com o governo das populações viventes, questão já anunciada no curso anterior, Segurança, Território, População. Apesar de não entrar na Biopolítica de forma constante, o curso ai preparar a introdução para o assunto, que será fundamental para os desenvolvimentos seguintes de Foucault.
     Desde que assisti uma palestra que buscava debater a apresentar esta problemática da Biopolítica, me interesso pelo assunto. Percebo nesta questão algo fundamental de nosso tempo. O quanto há uma série de intervenções em prol da manutenção da vida biológica (estar vivo, não necessariamente viver). Há uma série de investimentos e intervenções realizadas no abrigo deste desejo. E penso eu, esta seria uma das partes mais interessantes de Foucault e ainda pouco explorado. Penso isso pela atenção dada à Vigiar e punir.
     É interessante como a economia se mostra enquanto elemento constante neste curso. Sua intenção é analisar questões de governo, mas percebe-se que em determinado ponto a economia, o governo (enquanto técnica, não instituição) e a vida estão relacionados de maneira complexa e cotidiana. Conforme minha leitura do curso se desenvolvia, observava como os economistas ocupam lugar de importância dentro do Estado. Como governantes estão atrelados a muitos economistas. Vide uma das declarações de Lula ao deixar a presidência, coberto de elogios, afirmando que desejava era ser economista. Ou até mesmo a importância das figuras de Guido Mantega e Delfim Neto.
     A relação não para por ai. Tal área do conhecimento acaba servindo também como grande legitimador, ou não, de um governo. Boa parte absoluta das críticas a regimes autointitulados de comunistas se baseiam por quesitos econômicos. A crise econômica Soviética é comumente apontada como elemento chave do “fim do comunismo”. Não por acaso há uma observação de Mises para explicar sua descrença no socialismo que é mais ou menos a seguinte: “só sei que a média dos cidadãos estadunidenses tem uma renda maior do que a média de cidadãos soviéticos”. Assim como o quesito para a grande maioria da população sobre um governante estar ligado a questões econômicas: inflação, empregos, PIB, potencial de compra...
     Ao tocar neste processo de construção da economia liberal, adentramos pontos sólidos de nossas convicções, até porque estes argumentos econômicos muito nos convencem. E até mesmo a União Soviética, então existente durante a execução do curso, mesmo se colocando como oposição ao capitalismo, buscava sua legitimidade por meio de uma “boa” economia.
     Toda esta ânsia cerceada pela economia, é acompanhada de projetos de sociedade. Um dos termos constantemente utilizados é Gesellschaftspolitik, que numa tradução livre seria: “política social”². Isto me lembra a observação de Delfim Neto a respeito da colocação do Brasil como sexto maior PIB e por isso sexta maior economia do mundo, de que não adianta termos o maior PIB se não possuirmos um projeto de civilização, não adianta fazer como a China que está no topo do ranking, mas que tem sua população em ritmo de trabalho escravo. E esta observação é feita de alguma forma nos mais variados elementos da mídia, ou na fala das pessoas no dia a dia, há uma vontade por este projeto social, muitas vezes inspirado de alguma forma no modelo ordoliberal alemão. Para arrematar esta questão por aqui e encerrar à força a possibilidade que se abria, dentro do liberalismo o que conduz o projeto de sociedade é a economia. Sendo assim, é perfeitamente cabível nossa crença de que o enriquecimento econômico acaba dando cabo a esta empreitada de alguma Gesselschaftpolitik. E nosso espanto se faz quando percebemos este enriquecimento, sem contudo haver uma significativa melhora de nossa vida.



¹ p.431
² Gesellschaft seria sociedade e Politik seria política. Temos assim uma política do social, que pensa o social, a sociedade.

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