O problema eterno de se falar da experiência, é que no final, por
mais que se diga, se explique, mesmo com toda a riqueza de detalhes,
nunca daremos conta dela. A experiência só pode ser sentida quando
experimentada, e muitas delas nós não queremos experimentar, mas ao
mesmo tempo não podemos ignorar, pois foram fundamentais para
definir algumas diretrizes de um tempo. A Segunda Guerra foi isso
para o século XX, e dentro dela não podemos esquecer o horror dos
campos de concentração. Devido a sua eficiência, os sobreviventes
não foram muitos, e é sempre difícil falar de coisas
desagradáveis. Primo Levi consegue falar da experiência em um campo
de concentração de forma magistral. Você simplesmente lê o livro
de uma maneira envolvente.
O primeira coisa que nos espanta é o sofrimento por fome. A comida
nunca é suficiente, e com o tempo vai se transformando numa questão
de sobrevivência. Dado óbvio, mas esquecido na cotidianidade das
refeições diárias. Se não olharmos para o relato de Levi, teremos
alguma dificuldade em entender a tolerância com que uma nação teve
com o extermínio de um grande número de pessoas. A obra deixa claro
como o tempo todo se está tentando destruir um Homem, travesti-lo de
algo abaixo do humano para autorizar seu extermínio, tirar suas
condições de humanidade. Esta era a maior produção dos campos.
Vale ressaltar que os campos não foram exclusivos dos alemães ou
soviéticos, já existiam antes, seja na Namíbia (África Ocidental
Alemã), na guerra contra os bôers ou na Rússia czarista. Seu
rascunho já estava lá. Pode ser dolorido aceitar que o campo de
concentração está ligado ao desejo moderno de redesenhar a
sociedade. É com a modernidade que o Homem vai se ver como um
condutor do tempo. A possibilidade de construir a sociedade desejada
se coloca. O nazismo também pretendia isso, apesar de retrógrado e
conservador, pretendia também redesenhar a sociedade, e era através
do extermínio que a perfeição seria alcançada. Para nos ajudar
sobre a dimensão dos campos de concentração, se fala que algo em
torno de 90% dos falantes de ídiche, até então língua dominante
entre os judeus, foram mortos em campos de concentração. Não só
judeus foram mortos, e o livro nos mostra bem, temos ciganos,
comunistas, presos políticos de maneira geral, sabemos também dos
homossexuais e testemunhas de jeová. Muita gente estava na mira dos
nazistas. Não seria exagero dizer que o desejo era extirpar o
“outro”, o diferente, para eliminar qualquer tipo de tensão.
Cabe observar aqui os debates em torno do número de mortos em campos
de concentração nazista. De fato sabemos que o número está na
casa dos milhões, mas precisar isto pouco diminui o desejo e os
efeitos da morte.
O relato é vivo, podemos sentir a intensidade com que a morte ronda,
e de como se batalha pela vida. Curioso como a desobediência era o
único caminho para sobreviver, mas esta desobediência deveria
ocorrer na medida certa, pois caso fosse muito drástica, havia um
local certo para realizar o enforcamento. Também podemos pensar nas
resistências possíveis, como a explosão realizada num dos fornos
em Auschwitz, sobre como as resistências que não partiam dos EUA e
da URSS foram apagadas e deixadas no esquecimento, dando a impressão
de que estes seriam os dois grandes salvadores – imagem muito
ligada a posterior batalha da Guerra Fria.
Lendo o livro podemos entender a importância de cita-lo numa obra
como Invasões Bárbaras, um
filme que problematiza o fim de um século mal acabado, tanto no
sentido de sua recenticidade quanto de suas questões, ainda
pulsantes. Podemos marcar a Segunda Guerra como um evento chave para
entender nossa temporalidade, talvez por isso um fascínio tão
grande para além das pessoas que compõem os círculos
historiográficos.
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