O assunto das favelas é pouco e mal
debatido, muito provável por ser um assunto desagradável, relevamos
para segundo plano um assunto vital para a discussão urbana. Mike
Davis produziu este trabalho sintético sobre o panorama das
habitações irregulares, chamadas de favelas no Brasil, mas que
conseguem encontrar um termo específico em cada lugar: villas,
pueblos jovenes, Slum,
etc. O quadro geral e desesperador, se temos uma pequena fatia nos
países europeus em habitações irregulares, não podemos esquecer
de olhar para os locais onde se encontram a maior parcela da
humanidade, os chamados países subdesenvolvidos e sua gigantesca
população vivendo em locais miseráveis. Se isto se aplica ao
Brasil, que como arredondou Bárbara Freitag em Teorias da cidade, temos 50% da população
morando em habitações irregulares ao incluirmos também os
cortiços, puxadinhos e quartinhos escondidos e absorvidos pela
pesada estrutura urbana das cidades, a situação é muito mais
crítica em locais como a Índia ou o continente africano.
Curiosamente, também são países com um volume populacional maior,
e uma estrutura estatal mais frágil.
Um dos
pontos fundamentais que Davis traz para a discussão está num dos
problemas que acredito serem fundamentais nesse princípio de século
XXI, debatido à exaustão em períodos anteriores, foi posicionado
como assunto de menor importância nos últimos trinta anos: a
questão do Estado. Dada a euforia modernista do pós-guerra, tivemos
um período relativamente extenso de destaque para a arquitetura
moderna. Brasília é concebida neste período, bem como a ideia de
conjuntos habitacionais. Grosso modo, os conjuntos habitacionais
foram a saída encontrada pelos variados governos, tanto nos blocos
socialistas como capitalistas da época, para a questão da
habitação, dado que haviam dois problemas, a destruição causada
pela guerra (questão muito mais séria na Europa e sua parte leste)
e o chamado baby booming,
também conhecido como explosão demográfica, possível por coisas
como maior expectativa de vida, redução da mortalidade infantil e
não desconsidero elencar um certo otimismo para com o futuro. De
qualquer forma, o problema era simples, faltava habitação decente
para toda a população. Para piorar, é ao longo do século XX que
vemos o mundo deixando de ser rural para se tornar urbano. Os
conjuntos habitacionais começam a demonstrar seus problemas, o
modernismo adotado sem um postura crítica busca simplesmente suprir
um problema numérico/matemático e coloca de lado a questão humana.
Não demora observamos conjuntos habitacionais que são verdadeiros
pesadelos, vemos isso em filmes como Clockers
de Spike Lee, ou em histórias como a de Christiane F., todas com uma
importante ambientação em torno destes grandes complexos de
concreto armado. Desta forma, a forma com que se aborda a questão
habitacional muda, de uma abordagem onde o Estado era o principal
agente, para uma abordagem de financiamento e individualização.
Este é
o ponto chave em torno da discussão que ocorre no livro. Em primeiro
momento, olhando para a política de Estados como agentes para a
resolução dessa carência habitacional e sua resolução em torno
de conjuntos habitacionais, apresentarmos uma política de liberação
de crédito parece muito mais sensata. Temos aqui uma questão para a
qual eu sou simpático, já colocada por Braudel que é a de não
olharmos para a história seduzidos pelo acontecimento, pelos
períodos curtos, é necessário uma certa densidade histórica e por
isso a atenção para períodos mais longos. E com isto, podemos
esticar nossa observação para o momento em que a política de
liberação de crédito (vide Minha casa, minha vida)
é adotada em detrimento da de um Estado enquanto agente direto. O
que vamos observar é um problema habitacional agravado, e um gasto
maior de dinheiro. A ideia em princípio interessante, de liberar
crédito para que as pessoas individualmente melhorassem sua
habitação, ou financiassem uma nova, revelou-se um grande problema.
Desta
forma, o que se reforçou foi a principal causa de carência
habitacional, a especulação imobiliária. Injetando dinheiro no
mercado, sua reação é aumentar os preços. E as famílias que
conseguiram sair de favelas, não hesitaram em alugar seus barracos,
ou vendê-los, e desta forma a habitação precária continuou sendo
utilizada. Com o aumento de preços, sair da situação precária se
tornou um desafio ainda maior. De certa forma, não é algo diferente
do que vimos em programas como o famoso Minha casa, minha
vida, que trazia uma opção de
financiamento atraente em relação aos outros programas (privados),
mas não garantiu moradia decente, seja no sentido técnico da coisa
(qualidade do material usado, seguimento de regras básicas da ABNT,
etc), seja no sentido social, humano (locais distantes, sem comércio
próximo, estresse diário com deslocamento para o trabalho, etc).
Não podemos ignorar, que uma parte deste problema também está
ligado a uma questão cultural, de que as classes mais abastadas
simplesmente desejam distância de classes menos abastadas, isto é
uma questão sem explicação racional, mas que encontra sua
justificativa nos sentimentos de repulsa, nojo e medo. Com isto,
podemos debater através deste livro a situação atual das precárias
habitações em que vivem a maior parcela da humanidade, bem como
constatar o fracasso e a necessidade de buscar novas políticas
públicas para habitação que não sejam a construção de grotescos
conjuntos habitacionais ou caros financiamentos e liberação de
crédito.
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Uma parte do ensaio que está no final do livro. |
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