De forma geral existe toda uma série de fatores ao nosso redor
formando nossa subjetividade. Nosso ser é único, sempre será,
porém compartilhamos de muitas experiências em comum, e elas, da
mesma forma que as pessoais (como nossa criação, a escola onde
estudamos, nossos amigos), enquanto experiências coletivas também
são importantes. Estamos inseridos num tempo e numa sociedade.
Nascer no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX implica em
questões diferentes da de nascer no interior do estado de Santa
Catarina no final do século XX. Outro tempo, outras questões,
outras subjetividades. Não podemos
esquecer dos elementos que nos cercam.
Entretanto cada sujeito é um ser, e por isso devemos ser cautelosos
ao abordarmos a existência humana – até porque se fosse assunto
fácil não usaríamos tanto de nosso tempo discutindo isso. Apesar
de haverem estas experiências compartilhadas, os efeitos não são
necessariamente sempre os mesmos. A exemplo de um certo livro numa
certa biblioteca, nem todos que o lerem terão a mesma impressão ou
conclusão, cada sujeito faz a sua própria interpretação de mundo.
Curioso é lidar com situações que escapam do que supúnhamos ser
uma margem de erro e improbabilidade.
A sedução de Ginzburg pela fonte base do livro, um processo
inquisitorial sobre um moleiro alfabetizado com sua própria forma de
conceber o universo, a religião e o mundo, escapa de nossas
expectativas referentes a este tempo, um sujeito externo as classes
privilegiadas que sabe ler e escrever, compra seus livros (algo muito
caro para época) e os interpreta! O curioso é que seus conterrâneos
o denunciam para o Santo Ofício, iniciando assim seus problemas.
A princípio tudo o que ele queria era poder falar para pessoas
dispostas a ouvi-lo e responde-lo. Podemos perceber nisto tudo uma
vontade de aprender a desenvolver suas teorias. Entretanto nada disso
estava nos planos da Santa Igreja. Com o surgimento da Igreja
Luterana os católicos estavam desesperados e intensificaram muito
sua caça as bruxas e hereges – mais do que nos “sombrios”
tempos da Idade Média. A Igreja Católica percebeu que as ideias
eram perigosas, afinal, tantos concílios para padronizar a concepção
de cristianismo provam isso. Menocchio desenvolvendo sua própria
teogonia, entraria em conflito direto com os interesses Católicos. O
questionamento é sempre mais libertador do que a resposta, mas para
isso um preço precisaria ser pago. Logo temos um sujeito incrível,
que não se contenta em apenas aceitar o mundo ao seu redor, como
procura também dialogar com ele, porém seu tempo é marcado pela
perseguição católica aos hereges, bruxas e afins.
Podemos indagar uma questão no caso
trabalhado por Ginzburg que é problematizada por Plekhanov e se
mostra relevante atualmente: até onde pode um indivíduo afetar a
história? Ou seja, quão relevante é um indivíduo para as
delimitações de um tempo? Não devemos cair num simplismo e
inocência colocando a estrutura e o sujeito em lados opostos e
verificarmos qual pesa mais na balança da história. Ocorre uma
troca constante entre ambas as partes, já que uma estrutura é
sustentada pelos sujeitos que vivem nela e a estrutura sustenta a
sociedade em que vivem estes sujeitos. Quem faz e mantém uma
estrutura funcionando são as pessoas, não há dúvidas quanto a
isto, entretanto até onde a vontade de um sujeito transforma a
sociedade? O que podia um pobre moleiro italiano contra a inquisição?
E ao mesmo tempo, quantos moleiros foram queimados para que a
inquisição (e o poderio da Igreja) acabassem?
O que devemos ter em mente quando pretendemos estudar algum momento
histórico são duas coisas básicas: uma delas é que existem uma
série de questões cercando o sujeito, em especial seu tempo e
sociedade, outra é a de que nem todos os sujeitos aceitam muito bem
este julgo que recai sobre a formação do ser. Onde há poder, há
resistência. E como pergunta final deixo, como mudar uma estrutura
sem entendê-la? Até onde é possível...?
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