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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Ascenção e declínio do Estado - Martin van Creveld


Reinhart Koselleck colocava que quanto mais precisa uma previsão sobre o futuro, maior a chance dela se revelar incorreta. Quando estudamos o passado nos deparamos com a possibilidade de coisas que para nós são um claro e completo absurdo, mas acabavam sendo algo tolerável em seu tempo. Cada tempo carrega suas próprias características, seu próprio espírito se considerar mais adequado. Temos no momento atual uma sensação de deriva maior do que em outros presentes recentes, e o mais interessante é que uma série de previsões certeiras sobre o futuro não estão se concretizando, mas parecem tomar um rumo contrário. É verdade que, para além do binarismo entre esquerda e direita colocados de forma mais urgente nas eleições dos EUA que elegeram Trump, no Brexit e agora nas eleições francesas, observamos a ressonância que a proposta de projetos nacionais conseguem. Isto, num momento que cinco anos atrás seria inimaginável.
Da mesma forma, temos a questão da Síria, muito instrutiva após observarmos o que se sucedeu em outros países árabes, em especial o Iraque e a Líbia. É notável como está cada vez mais urgente retomarmos o papel e a função do Estado. Este, ao contrário de previsões de sua dissolução e fraqueza cada vez maior durante a década de 1990, das quais van Creveld neste livro faz significativo eco, se mostram apressadas e seduzidas por acontecimentos presentes. É aqui que nos damos conta de que a longa duração não se trata simplesmente de uma narrativa em extenso volume de anos. Se o Estado nos causou inquestionáveis problemas ao longo do século XX, momento em que ele alcançou níveis até então nunca vistos, desde o desleixo para a questão do Estado após a queda do muro de Berlim, e uma entrega cada vez maior de ações públicas para a iniciativa privada, os problemas não se resolveram – quando não se multiplicaram e aumentaram de gravidade.
Não podemos falar de Estado antes da modernidade. Em resumo, o Estado se constituí como um aparelho de governo impessoal e independente de algum indivíduo. Muda-se o governante, mas as instituições, órgãos e departamentos públicos continuam suas atividades sem maiores interrupções. É algo impessoal, e nisto podemos compreender porque a burocracia é tantas vezes injusta. Da mesma forma que não depende de um indivíduo governante específico, também não busca distinguir os sujeitos em sua individualidade. É apenas no período um pouco precedente a Revolução Francesa que isto ocorre. É justamente com Luís XIV, famoso por ter declarado ser ele próprio o Estado, que isentou tal aparelho de pessoalidade. Outra característica interessante está no fato de que o Estado está diretamente atrelado a forças militares e policiais regulares. Sem isto não há Estado. De fato, aplicar a severidade da coleta regular de impostos, bem como realizar medidas obrigatórias (vide Revolta da Vacina), invariavelmente exigem o uso da força. É o chamado monopólio da violência. Desta forma, o único indivíduo reconhecido em reais níveis de igualdade por um Estado é um outro semelhante. Os Estados só dialogam entre si, ao resto sua razão imperativa e impessoal.
Pode-se considerar exagerada a atenção e importância que van Creveld dá a questão militar, ainda mais quando temos em conta ser esta sua especialização. Mas sua observação de que os Estados alcançaram sua maior capacidade de interferir na totalidade de uma sociedade no período das duas guerras mundiais, é lúcida. Justificado por sua orientação baseada na razão, nestes momentos críticos o Estado interviu em tudo que for possível para um esforço comum: a guerra. Junto com esta dedicação comum da população, que ocorreu na lei ou na marra, ocorreu uma significativa ampliação de infra-estrutura e bem-estar social. Esta ampliação de infra-estrutura e bem-estar social prevaleceu em expansão durante o pós-guerra até a década de 1970 e suas crises. Também é no pós-guerra que o modelo do Estado Nacional aparecerá como meta em todo o globo, em particular nas lutas de libertação na Ásia e na África.
Se com os desafios postos em cada vez maior grau desde a década de 1970, onde van Creveld aponta que o fracasso do Estado de bem-estar social foi seu sucesso, tornando cada vez mais caro manter sua estrutura, culminando na era neoliberal iniciada em nível global com a eleição de Tachter e Reagan e que encontrou sua urgente necessidade de revisão com a crise de 2008, repensar o papel do Estado se mostra algo fundamental. E, se é bem verdade que o Estado foi responsável por atrocidades, desde a rigidez do socialismo real até as ditaduras latino-americanas anti-comunistas, com seu ápice de neoliberalismo na década de 1990 e seu último espasmo em 2008, rever o papel e os usos desde que é até agora o mais refinando aparelho de governo e organização social que conhecemos se mostra uma pauta vital. Interrogar sobre o que temos na ausência do Estado é válido. Creio que a resposta mais imediata, é a de que ainda precisamos dele, e nada indica que seu tamanho diminuiu, afinal, como medir algo tão abstrato?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Curso de Linguística Geral - Ferdinand de Saussure


Algo muito particular a condição humana é a linguagem. Não somos os únicos detentores a possuí-la, podemos observar a linguagem entre outros animais, porém o peso da linguagem para o Homem é outro. Mais do que isso, também utilizamos a linguagem para transmitir mais coisas do que aquelas que os olhos podem ver. Nossa capacidade linguística é diferente devido a nossa abstração. É regra geral ao ser humano sua abstração e linguagem. A abstração nos possibilita o pensamento, a linguagem nos possibilita trabalhar sobre este pensamento. Ao se estudar o homem, a linguística deve estar ali, é uma parte de seu meio.
É cada vez mais comum nos estudos humanos, ser levado em consideração a linguística, seja na sociologia, filosofia ou história. Estas ciências enquanto ocupadas do homem, se ocupam também de suas relações, e é por meio das palavras que elas ocorrem. Os significados estão nas palavras, mudando seu sentido em diferentes culturas. É necessário medi-las quando se conversa com alguém.
Ferdinand de Saussure parece ter sido um linguista muito particular de seu tempo. O curioso entretanto é que este livro não foi escrito por ele, o que temos são anotações de suas aulas organizadas e editadas, procurando transmitir seus ensinamentos para a posteridade. Segundo tudo indica, ele se mostrava um sujeito inovador dentro do campo linguístico de sua época. Ao longo do livro podemos perceber que ele consegue dialogar muito bem com um lado mais tradicional da linguística, onde se está mais ligado a gramática, quanto a um campo mais aberto, que trata das relações do Homem com a linguagem. Esta última parte é para os não linguistas a parte mais vital.
Quando se toma um contato primário com os estudos da linguagem, é comum alguma confusão, pois ela é algo muito escorregadio, após ditas as palavras se vão e mesmo se repetidas, cada vez que se escuta, atos como a entonação, as gesticulações ou até mesmo a ocasião podem trazer novos significados. Talvez por isso seja tão complicado para um acadêmico lidar com a linguística nos seus primeiros semestres, por mais interessante que pareça. Neste sentido uma obra que aborde o caráter geral seja muito válida.
Há vários cursos gerais de linguística, de variados autores, porém a escolha por Saussure se dá pelo estruturalismo. Esta coisa chamada estruturalismo parece iniciar no campo linguístico e Saussure é apontado como o patrono (junto com Marx), entretanto não se pode afirmar que Saussure seja um estruturalista. Ao se estudar uma língua estrangeira se percebe que a estrutura da frase muda. Quanto mais diferente a língua, maiores diferenças na estrutura. Partindo dai, podemos entender que cada sociedade, tal qual suas diferenças linguísticas, muda em relação a outra.
O que chama atenção em Saussure no seu curso é a sua atenção em relação a linguagem e o Homem. Não é dado ao ser humano algum mérito especial pela linguagem, como ele coloca “não está provado que a função da linguagem, tal como ela se manifesta quando falamos, seja inteiramente natural, isto é: que nosso aparelho vocal tenha sido feito para falar, assim como nossas pernas para andar”1. A linguagem é portadora de ideias, que se transformam junto com a linguagem. Esta linguagem é constituída por mais do que as palavras. A imagem também é constituidora de pensamento, Benjamin já nos alertou sobre isso. A linguagem se confunde com o pensamento.
 
1SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: editora Cultrix ltda, 1975, p. 17.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O queijo e os vermes - Carlo Ginzburg


De forma geral existe toda uma série de fatores ao nosso redor formando nossa subjetividade. Nosso ser é único, sempre será, porém compartilhamos de muitas experiências em comum, e elas, da mesma forma que as pessoais (como nossa criação, a escola onde estudamos, nossos amigos), enquanto experiências coletivas também são importantes. Estamos inseridos num tempo e numa sociedade. Nascer no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX implica em questões diferentes da de nascer no interior do estado de Santa Catarina no final do século XX. Outro tempo, outras questões, outras subjetividades. Não podemos esquecer dos elementos que nos cercam.
Entretanto cada sujeito é um ser, e por isso devemos ser cautelosos ao abordarmos a existência humana – até porque se fosse assunto fácil não usaríamos tanto de nosso tempo discutindo isso. Apesar de haverem estas experiências compartilhadas, os efeitos não são necessariamente sempre os mesmos. A exemplo de um certo livro numa certa biblioteca, nem todos que o lerem terão a mesma impressão ou conclusão, cada sujeito faz a sua própria interpretação de mundo. Curioso é lidar com situações que escapam do que supúnhamos ser uma margem de erro e improbabilidade.
A sedução de Ginzburg pela fonte base do livro, um processo inquisitorial sobre um moleiro alfabetizado com sua própria forma de conceber o universo, a religião e o mundo, escapa de nossas expectativas referentes a este tempo, um sujeito externo as classes privilegiadas que sabe ler e escrever, compra seus livros (algo muito caro para época) e os interpreta! O curioso é que seus conterrâneos o denunciam para o Santo Ofício, iniciando assim seus problemas.
A princípio tudo o que ele queria era poder falar para pessoas dispostas a ouvi-lo e responde-lo. Podemos perceber nisto tudo uma vontade de aprender a desenvolver suas teorias. Entretanto nada disso estava nos planos da Santa Igreja. Com o surgimento da Igreja Luterana os católicos estavam desesperados e intensificaram muito sua caça as bruxas e hereges – mais do que nos “sombrios” tempos da Idade Média. A Igreja Católica percebeu que as ideias eram perigosas, afinal, tantos concílios para padronizar a concepção de cristianismo provam isso. Menocchio desenvolvendo sua própria teogonia, entraria em conflito direto com os interesses Católicos. O questionamento é sempre mais libertador do que a resposta, mas para isso um preço precisaria ser pago. Logo temos um sujeito incrível, que não se contenta em apenas aceitar o mundo ao seu redor, como procura também dialogar com ele, porém seu tempo é marcado pela perseguição católica aos hereges, bruxas e afins.
Podemos indagar uma questão no caso trabalhado por Ginzburg que é problematizada por Plekhanov e se mostra relevante atualmente: até onde pode um indivíduo afetar a história? Ou seja, quão relevante é um indivíduo para as delimitações de um tempo? Não devemos cair num simplismo e inocência colocando a estrutura e o sujeito em lados opostos e verificarmos qual pesa mais na balança da história. Ocorre uma troca constante entre ambas as partes, já que uma estrutura é sustentada pelos sujeitos que vivem nela e a estrutura sustenta a sociedade em que vivem estes sujeitos. Quem faz e mantém uma estrutura funcionando são as pessoas, não há dúvidas quanto a isto, entretanto até onde a vontade de um sujeito transforma a sociedade? O que podia um pobre moleiro italiano contra a inquisição? E ao mesmo tempo, quantos moleiros foram queimados para que a inquisição (e o poderio da Igreja) acabassem?
O que devemos ter em mente quando pretendemos estudar algum momento histórico são duas coisas básicas: uma delas é que existem uma série de questões cercando o sujeito, em especial seu tempo e sociedade, outra é a de que nem todos os sujeitos aceitam muito bem este julgo que recai sobre a formação do ser. Onde há poder, há resistência. E como pergunta final deixo, como mudar uma estrutura sem entendê-la? Até onde é possível...?