É impressionante como algo tão subversivo pode ser tão bem
absorvido pela cultura pop e de massa atingindo um nível de produção
industrial e vendável tão grande. Em praticamente qualquer lugar
que haja um descontentamento com o governo, veremos pessoas
utilizando a máscara de Guy Fawkes, imortalizada em V de Vingança.
O Curioso é que antes do filme o quadrinho parecia ter ficado um
tanto quanto no limbo. Havia sido lançado no Brasil com poucas
tiragens e edições, sendo uma obra rara até pouco tempo atrás,
quando esta edição que comprei invadiu as bancas e livrarias. Ótima
estratégia de marketing.
Na entrevista dada anos posteriores ao lançamento, o roteirista Alan
Moore fala que sua visão ainda era muito inocente e até mesmo
otimista, pouco clara em alguns momentos. Nada disto tira o mérito
do lindo roteiro escrito por ele, mas boas histórias também merecem
alguma discussão.
O
contexto de produção desta obra é os anos Tachter, marcados por um
forte avanço do conservadorismo e da direita no Reino Unido, que
apesar do seu crescimento econômico, não revelou uma melhora
significativa para a população. Moore via no governo de Tachter uma
ameaça possível, que por sinal pode atacar qualquer um a qualquer
momento: o fascismo. Como a Guerra Fria ainda não havia acabado,
fazia sentido em ver no governo o grande vilão, afinal é entre os
Estados que vemos as ações mais complicadas sendo articuladas neste
período, seja a guerra das Malvinas, proibição de usar calças
jeans ou a espionagem e sabotagem, tanto a direita quanto a
esquerda cometeram atos falhos por meio do Estado.
Em nome de uma pretensa ordem, Tachter passou por cima de várias
conquistas que o povo inglês demorou anos de luta para conseguir.
Como toda boa ficção científica, podemos perceber um grande
exagero de situações presentes sendo jogadas para o futuro. Afinal
o que nos impede de ver na violenta supressão a uma greve de
mineiros (bem ilustrado em Billy Eliot)
levar a supressão de outras liberdades, como a de ler e ouvir o que
quiser, até o que farás com teu corpo, quem você quer beijar.
Apesar do exagero, não podemos descartar a possibilidade de cairmos
em fascismos. Temos uma direita ilustrada ali que não se preocupa em
passar por cima de tudo para garantir o controle e a condução dos
eventos. Ele sabia que sua ameaça real não era a KGB, mas sim
Tachter e seu grupo. Afinal, Alan Moore morava na Inglaterra dos anos
1980, e não na URSS.
O grande acerto de Alan Moore é que
as pessoas tem seu caráter particular, cada uma delas. Ou seja, não
se pode prever com exatidão o que ocorrerá dentro de um período
muito largo de tempo. E mesmo em curto espaço de tempo, as previsões
nunca são algo certeiro, definitivo. Dai que revoltas populares são
algo possível de ocorrer, e por mais que os jornalistas
despreparados da impressa que temos dominando o Brasil afirmando,
estas revoltas não são cíclicas1,
elas ocorrem por motivos reais, o porém é a incerteza de prever até
onde a população suportaria a pressão. Quanto tempo uma cidade
aguenta sem mobilidade, sabendo que isso é possível e há dinheiro
em caixa para isso?
Porém Alan Moore já nos alertou de
sua visão demasiado “inocente” da época. Os acontecimentos
recentes do Brasil nos mostram isso também, apesar dos protestos
seguirem, a população se acalmou, afinal uma consciência política
não desperta do nada, ela demora algum tempo e demanda algum
esforço, tal qual qualquer outra atividade. Por isso se mostra muito
otimista acreditar que num belo dia a população consiga se levantar
contra o governo e após isso construir um novo e melhor governo. O
que tento explicar aqui não é da impossibilidade disso, mas sim de
que isto necessita um esforço enorme, e os tropeços haverão.
Por fim, V de Vingança acaba sendo
tão bem aceito pelo fato simples de “vender” a Revolução. A
ideia revolucionária é algo que está muito forte na nossa
mentalidade, quase que independente da idade ou estrato social.
Revolução e liberdade acabaram se tornando termos muito fortes, por
mais complicados que estes termos sejam de se explicar.
1Só
para constar, afirmar que algo na história é cíclico, tal qual
alguns jornalistas defendem na impressa, são demonstra despreparo
prático e intelectual, e claro, desconhecimento histórico. Temos
uma desculpa furada para justificar alguma coisa mais macabra que os
protestos, como uma ação policial (violenta).
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