Com sua saída do cárcere, Dostoievski parece intensificar sua
produção literária, este período é o do surgimento de seus
grandes volumes, O idiota, Os demônios, Crime e castigo
são apenas alguns exemplos deste segundo período na vida do autor.
Junto com todo este lado óbvio de um escritor, Fiódor Dostoievski
era fascinado por jornais. Havia já empreendido dois, Tempo e Época,
que acabaram quebrando. Após estas duas tentativas faz sua terceira,
O Diário de um escritor, que se tornou finalmente um sucesso. Todo
texto publicado neste diário era de sua autoria.
É interessante que por ser uma
narrativa mais corriqueira, as coisas precisam se desenvolver logo,
abrindo pouco espaço para discussões aprofundadas ou elaboradas
como observamos em Crime e castigo ou
em Os irmãos Karamázov.
Estas duas narrativas fantásticas são bem particulares e distintas
entre si, por isso serão tratadas em separado. Ademais, já é
importante frisar que estas análises são pouco originais e se
restringem a obra do autor – mero exercício, pois não há grande
embasamento aqui.
A dócil
Rastrear Dostoievski sempre se
mostrou uma tarefa difícil, num texto ele arregala os olhos para os
atrasos da Rússia, noutro afirma que o Czar, apesar de tudo, é
necessário para manter um desenvolvimento original russo, diferente
do europeu ocidentalizado tomado como exemplo por boa parte da
intelligentsia russa.
Não podemos trata-lo como um simples “progressista”, termo muito
usado por aí, nem como um apoiador das tradições, da família e da
propriedade. Entre todas essas confusões possíveis para nossas
mentes tão acostumadas com rótulos prontos, sabe-se que Dostoievski
não via no sexo feminino uma inferioridade natural em relação ao
masculino, pensamento por sinal muito comum em seu tempo.
Seria exagero colocá-lo como um feminista, mas muito maior seria
colocá-lo como um típico machista. Sua aversão a prostituição se
dá por mais do que um cunho moral, ele parece ver nesta prática uma
manutenção da posição desprivilegiada da mulher na sociedade do
século XIX, serviente ao homem.
A personagem de A dócil,
como tantas outras personagens femininas de suas obras, se apresenta
como uma garota tímida, recatada, inocente, e por estas suas
qualidades, apaixonante! O dono da pensão se enamora por ela, mas a
relação entre os dois não se dá pelo amor, mas sim por algo
parecido a um acordo. Ele a salva de um casamento terrível, e ela em
troca aceita o papel de esposa. O curioso é que ao longo de toda
história o casal se conflita. E dela se espera justamente esta
conduta de mulher do século XIX, calada, que não ousa discordar
(abertamente) de seu marido e sempre disponível.
Junto com este quadro que podemos
esperar para época, os dois se respeitam e desenvolvem uma relação
particular, apesar de todos os seus pesares, onde o marido parece se
esforçar para não passar por cima dela. Em suma, o texto parece
apresentar contornos para aquilo que chamaríamos de machista, mas
não demonstra ser esta sua intenção, afinal ela não veste
exclusivamente as vestes de uma mulher dócil, por mais próximo a
isto que ela alcance e se represente. Ele por sua vez não seria um
sujeito que milita contra o machismo. O foco se demonstra muito mais
religioso, especialmente pelo fato da santa. Mas alguns contornos
estão ali e é interessante olhar para eles. Basicamente os
personagens femininos de Dostoievski ou são extremamente tímidas
que pendem realmente a uma docilidade, ou acabam se mostrando
altamente independentes, não ficando claro com qual tipo de mulher
ele simpatizaria mais.
O sonho de um homem ridículo
O inconsciente gera questionamentos desde muito tempo, por isso a
ocupação tão grande da humanidade com seus sonhos, já que este
seria o elo entre o consciente e o inconsciente. Nossa tradição
freudiana nos leva a entender os sonhos como reveladores, em especial
de desejos. O personagem aqui, tal qual como em várias outras
histórias, demonstra ser extremamente perturbado pela sua
existência. Não parece acreditar em nada.
Mesmo com seu começo indicando mostrar aquilo que deixou Dostoievski
famoso, ele acaba se direcionando para o tema da sociedade ideal.
Acaba caindo na ideia de que havia uma sociedade perfeita a
princípio, que depois sofreu alguma corrupção em seu sistema,
alguma mentira contada, alguma trapaça feita, que acabou corrompendo
toda uma sociedade.
Este tipo de raciocínio é marcado pelo pensamento cristão, do qual
o russo sempre fora adepto, de Adão e Eva sendo corrompidos pela
serpente, levando a todas as dores posteriores da humanidade – seja
engravidar ou morrer. Ao fim da história o que podemos interpretar é
que o sujeito desejava destruir a si mesmo como se pretende destruir
o mundo em que se vive, pois tal qual o personagem, ambos são
doentios. Mas a existência de uma sociedade melhor em algum momento,
parece demonstrar ser possível novamente restaurar estes danos,
afinal, este equilíbrio já foi alcançado uma vez e por isso seria
possível.
A religiosidade imprime um forte caráter no escritor russo, a
participa em praticamente todos esquemas de sociedade futura. Este
sonho parece lidar com este desejo, e revela como ele pode ser
ridículo de ser pensado. Mas o questionamento que fica é, não é o
que todos nós pensamos, numa sociedade ideal? Seja pela campo
político ou seja pelo campo religioso?
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