Quando Michel Foucault morreu, se evitou por um tempo a relação
entre seu óbito e a AIDS, quando Magic Johnson admitiu estar com HIV
já faziam alguns anos que ele estava nesta situação, a lista não
para por ai, Cazuza, Renato Russo, Freddy Mercury, todos eles
evitaram tocar no assunto, seja em maior ou menor grau. O mais
estranho é que a AIDS foi uma doença que carregou uma carga moral
muito grande. Primeiro as pessoas que apresentavam a doença eram
majoritariamente homossexuais, tornando personalidades como Rocky
Hudson uma “decepção”, pois até então ele sempre fora posto
como um exemplo de masculinidade, o filme ilustra isto nos seus
primeiros minutos. Já basta toda homofobia, que acredito ser menor
atualmente, que os homossexuais acabam lidando no dia a dia, doenças
venéreas sempre acabam trazendo este cunho moral devido a nossa
visão conturbada sobre o sexo. Imagine uma síndrome propagandeada
como exclusiva a gays. Era
tudo que muitos preconceituosos esperavam. E realmente utilizaram a
AIDS como uma forma de atacar a comunidade homossexual, declarações
como a de que era um flagelo de Deus não eram incomuns.
Neste sentido o Dallas Buyers Club
me surpreendeu ao tratar da AIDS de uma maneira bem política,
especialmente por se tratar de um filme holliwoodiano
cujo ator principal faz geralmente o papel de algum galã, estar ali
como o caubói bronco, pobre e fora de moda. Quando surgiu a doença
ninguém sabia ao certo como ela funcionava e até hoje pouco se sabe
de sua origem, a teoria mais aceita é a de que houve uma
contaminação de caçadores ao tomarem contato repetido com o sangue
de macacos infectados com uma versão animal do vírus, e as viagens
aéreas somadas ao sexo casual sem preservativos se encarregaram do
resto. Há também as teorias de que a doença foi criada para
exterminar pessoas, especialmente homossexuais. De qualquer forma,
quando ela chegou não se sabia muito bem o que fazer.
A princípio os preconceitos do caubói não lhe permitiam aceitar
sua doença, o levando a negá-la até chegar num ponto crítico.
Quando ele percebe que já não havia mais o que fazer, aceita sua
condição e busca uma forma de sobreviver. A medicação que vinha
sendo usada na época e parece ainda fazer parte do coquetel, era o
AZT, como o filme bem coloca, esta é uma medicação complicada,
pois de maneira resumida, parece atacar tanto o que há de ruim
quando o que há de bom, causando uma série de danos colaterais
terríveis. Ao tomar conhecimento disso, Ron Woodrof inicia com
auxílio de um médico com licença casada (onde infelizmente o filme
não explica a situação que levou à cassação) um tratamento
alternativo com medicamentos proibidos de serem comercializados nos
EUA. E é aqui que as coisas começam a se mostrar sujas.
Enquanto Woodrof está apenas
interessado em financiar seu tratamento e estilo de vida com a venda
de medicamentos que funcionam melhor que o AZT, não teremos grandes
problemas, porém devido aos acontecimentos – em especial a morte
de seu sócio – e a falta de medicamentos apropriados para o
tratamento da doença, ele vai deixando de lado esta questão pessoal
e percebendo que ela está para além de algo isolado, se dá conta
de que mais pessoas estão numa situação tão desesperadora quanto
a sua, pessoas morrendo, e o órgão regulador está muito mais
preocupado em garantir o mercado de uma empresa do que manter estas
pessoas vivas (um belo caso de biopolítica).
O absurdo, e que pouco debatemos sobre, é que o paciente acaba
ficando sem direito de escolha sobre seu tratamento, obrigando-o a
seguir algo que não necessariamente lhe traz resultados (havendo o
risco de tomar até mesmo um placebo). Temos ilustrado muito bem no
filme, como o governo e as grandes corporações, buscam controlar ao
máximo a vida da população, de forma clara a garantir seus lucros,
independente da vida biológica destas pessoas, e o mais
impressionante, sob a alcunha de garantir um procedimento seguro de
saúde. Temos o conceito de segurança utilizado como um instrumento
de poder.
Talvez o Clube de Compradores de Dallas seja um dos filmes que trata
de forma clara os problemas da gigante indústria farmacêutica, de
longe a maior produtora de drogas e por onde passam milhões. Será
que eles estão preocupados com a nossa saúde? Será que as
correntes médicas apoiadas na forte medicação, seja para emagrecer
ou até mesmo da criança “hiperativa”, estão mesmo preocupadas
com a nossa saúde? Temos de deixar de ser inocentes e entendermos
que as amostras grátis enviadas aos médicos não são pela
preocupação com pessoas, afinal indústria se preocupa em ganhar
dinheiro.
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