Stanislaw Lem pretendia utilizar a ficção científica como um lugar
de debate. Se pegarmos clássicos como Orwell, Huxley e Dick, podemos
perceber que a discussão sempre está ali, seja de nossa sociedade
ou seja de nossa existência. Por isso o autor demonstra sem nenhuma
timidez seu conhecimento enciclopédico, afinal, mais do que uma boa
história ele desejava algo mais. O gênero Romance possui este
caráter didático.
Pode parecer contraditório, mas desde que o Homem ocidental trocou a
Terra pelo Sol no centro do universo, os estudos humanos cresceram e
tomaram o exemplo do homem vitruviano de Da Vinci usando o ser humano
como a forma de todas as medidas. Apesar de aceitarmos a posição do
Sol, este deslocamento espacial está ligado a um deslocamento
antropológico: nós somos o centro, somos a imagem e semelhança de
Deus, somos os donos do mundo. Junto com o sol, os cafés começam a
ter mesas cada vez menores, algo muito distinto daquela mesa grande
onde todos se sentavam apenas buscando um lugar vago. Da mesma forma
que em cafés, independente do lugar ocupado, o ego observador e
julgador, seria a medida das coisas – o normal – neste flaneur.
As explorações espaciais quando do lançamento do livro (1961) eram
ainda algo novo, porém a exploração do espaço sempre foi algo
fascinante, e de certa forma nos desloca deste centro imaginário que
acreditamos estar. Desde que estas aventuras espaciais começaram não
deixamos de perguntar se existe vida fora da Terra. Certa vez li um
declaração de Carl Sagan dizendo que seria muito esnobe acreditar
que em toda esta vastidão do universo, que ainda não conseguimos
entender ou desvendar direito, somos os únicos abençoados com o dom
da vida. A afirmação de Sagan é clara em afirmar ironicamente que
existe sim vida fora da terra. Como ela é? Bem, Solaris
parece discutir isso, e provavelmente esta vida estaria bem longe de
qualquer forma de vida existente na Terra. Aqueles extraterrestres
humanoides que aparecem nos filmes, pode esquecer eles. Solaris é o
ponto chave nisto tudo, é um planeta ou um ser-vivo? Tudo indica que
o Oceano de Solaris tem vontade e não apresenta comportamento
regular, como a Terra e suas estações do ano.
Apesar das incertezas sobre o planeta, pois em momento algum fica
claro o que seria Solaris, e o termo ser-vivo parece ser o mais
exato, mesmo não sendo uma resposta concisa. Quando imaginamos uma
forma de vida além da humana, o Homem Vitruviano aparece em cena
como a medida de todas as coisas e imaginamos seres semelhantes a
nós, e Solaris acaba demonstrando que isto é um belo engano.
Solaris seria uma forma de vida inteligente e completamente diferente
que qualquer outra coisa já vista pelo Homem. A Solarística citada
no livro é a ciência que tenta estabelecer contato com Solaris.
Este último por sua vez sempre fica ignorando aqueles sujeitos
minúsculos na estação.
O que me chama a atenção é o caráter psicológico da trama. O
personagem principal seria um psicólogo, o planeta é envolto por um
Oceano (termo freudiano), e os visitantes que surgem no livro são
pessoas ligadas a questões puramente intimas, guardadas na
profundeza do consciente de cada um dos personagens. Estes visitantes
por sua vez se parecem fisicamente com os humanos, mas os exames
feitos por Gibariam comprovam que nada mais são do que moléculas,
ou seja, não possuem órgãos, funções vitais (não morrem ao
ingerir oxigênio liquido por exemplo) e por isso não sentem fome.
Mas o medo, a solidão e o pensamento estão presentes. Há uma certa
independência por parte dos visitantes, nada excepcional, mas que se
desenvolve com o tempo. Rheya não gosta de saber o que ela é.
Por fim o grande questionamento é justamente este de nos
acreditarmos a medida de todas as coisas, que devemos aprender a
respeitar outras formas de vida que não a nossa. Boa parte dos
argumentos para o consumo de carne, por exemplo, se justificam sobre
este especismo. E quando nos deparamos com uma forma de vida
diferente da nossa, e que pode ser tão poderosa a ponto de sondar a
nossa mente até os lugares mais profundos, ficamos sem reação.
Talvez o homem deva descer desta estação espacial imaginária e
aceitar que diferentes formas de vida também existem e são
conscientes. Fico em dúvida se a ideia final é a de que podemos nos
perder em nossas próprias criações, já que toda confusão vêm do
subconsciente dos cientistas daquela estação. Todavia as minhas
reflexões sobre Solaris não estão consolidadas – e talvez nunca
estejam. Infelizmente Stanislaw Lem é um autor praticamente ignorado fora da europa central e terras mais ao leste.
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