quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Solaris - Stanislaw Lem


Stanislaw Lem pretendia utilizar a ficção científica como um lugar de debate. Se pegarmos clássicos como Orwell, Huxley e Dick, podemos perceber que a discussão sempre está ali, seja de nossa sociedade ou seja de nossa existência. Por isso o autor demonstra sem nenhuma timidez seu conhecimento enciclopédico, afinal, mais do que uma boa história ele desejava algo mais. O gênero Romance possui este caráter didático.
Pode parecer contraditório, mas desde que o Homem ocidental trocou a Terra pelo Sol no centro do universo, os estudos humanos cresceram e tomaram o exemplo do homem vitruviano de Da Vinci usando o ser humano como a forma de todas as medidas. Apesar de aceitarmos a posição do Sol, este deslocamento espacial está ligado a um deslocamento antropológico: nós somos o centro, somos a imagem e semelhança de Deus, somos os donos do mundo. Junto com o sol, os cafés começam a ter mesas cada vez menores, algo muito distinto daquela mesa grande onde todos se sentavam apenas buscando um lugar vago. Da mesma forma que em cafés, independente do lugar ocupado, o ego observador e julgador, seria a medida das coisas – o normal – neste flaneur.
As explorações espaciais quando do lançamento do livro (1961) eram ainda algo novo, porém a exploração do espaço sempre foi algo fascinante, e de certa forma nos desloca deste centro imaginário que acreditamos estar. Desde que estas aventuras espaciais começaram não deixamos de perguntar se existe vida fora da Terra. Certa vez li um declaração de Carl Sagan dizendo que seria muito esnobe acreditar que em toda esta vastidão do universo, que ainda não conseguimos entender ou desvendar direito, somos os únicos abençoados com o dom da vida. A afirmação de Sagan é clara em afirmar ironicamente que existe sim vida fora da terra. Como ela é? Bem, Solaris parece discutir isso, e provavelmente esta vida estaria bem longe de qualquer forma de vida existente na Terra. Aqueles extraterrestres humanoides que aparecem nos filmes, pode esquecer eles. Solaris é o ponto chave nisto tudo, é um planeta ou um ser-vivo? Tudo indica que o Oceano de Solaris tem vontade e não apresenta comportamento regular, como a Terra e suas estações do ano.
Apesar das incertezas sobre o planeta, pois em momento algum fica claro o que seria Solaris, e o termo ser-vivo parece ser o mais exato, mesmo não sendo uma resposta concisa. Quando imaginamos uma forma de vida além da humana, o Homem Vitruviano aparece em cena como a medida de todas as coisas e imaginamos seres semelhantes a nós, e Solaris acaba demonstrando que isto é um belo engano. Solaris seria uma forma de vida inteligente e completamente diferente que qualquer outra coisa já vista pelo Homem. A Solarística citada no livro é a ciência que tenta estabelecer contato com Solaris. Este último por sua vez sempre fica ignorando aqueles sujeitos minúsculos na estação.
O que me chama a atenção é o caráter psicológico da trama. O personagem principal seria um psicólogo, o planeta é envolto por um Oceano (termo freudiano), e os visitantes que surgem no livro são pessoas ligadas a questões puramente intimas, guardadas na profundeza do consciente de cada um dos personagens. Estes visitantes por sua vez se parecem fisicamente com os humanos, mas os exames feitos por Gibariam comprovam que nada mais são do que moléculas, ou seja, não possuem órgãos, funções vitais (não morrem ao ingerir oxigênio liquido por exemplo) e por isso não sentem fome. Mas o medo, a solidão e o pensamento estão presentes. Há uma certa independência por parte dos visitantes, nada excepcional, mas que se desenvolve com o tempo. Rheya não gosta de saber o que ela é.
Por fim o grande questionamento é justamente este de nos acreditarmos a medida de todas as coisas, que devemos aprender a respeitar outras formas de vida que não a nossa. Boa parte dos argumentos para o consumo de carne, por exemplo, se justificam sobre este especismo. E quando nos deparamos com uma forma de vida diferente da nossa, e que pode ser tão poderosa a ponto de sondar a nossa mente até os lugares mais profundos, ficamos sem reação. Talvez o homem deva descer desta estação espacial imaginária e aceitar que diferentes formas de vida também existem e são conscientes. Fico em dúvida se a ideia final é a de que podemos nos perder em nossas próprias criações, já que toda confusão vêm do subconsciente dos cientistas daquela estação. Todavia as minhas reflexões sobre Solaris não estão consolidadas – e talvez nunca estejam. Infelizmente Stanislaw Lem é um autor praticamente ignorado fora da europa central e terras mais ao leste.

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