Neuromancer é um daqueles
livros terríveis de se ler, não pela experiência da leitura, mas
sim pela dificuldade em encontrar algo próximo a obra depois de
lê-la. Apesar do livro ser relativamente famoso e importante, tanto
por carregar uma ficção científica diferente, quanto por
constituir a base de tanta coisa genial como Blade Runner
ou Matrix, muitas
pessoas discutem porque até hoje não houve uma adaptação para o
cinema desta obra. Realmente é um mistério.
O futuro desta ficção é um
daqueles futuros desapaixonantes, marcados pelos anos 1980 (o livro é
de 1984), onde a crença numa futura hegemonia japonesa era bem real
e a aceitação da continuidade da União Soviética algo bem sólido.
Gibson porém é um sujeito atento, e sabe ler mais do que as letras
grandes. A china está ali, produzindo um vírus potentíssimo, o
Brasil é um lugar importante, apesar de secundário sua potência
econômica não pode ser ignorada e, os rastafáris coroam a obra com
sua mística. Junto a isso temos o mercado de hackers
claramente pautado no tráfico de informações e financiado pelo
setor privado, apesar de termos os sujeitos institucionalizados, seja
pela polícia Turner, ou pelas forças armadas. No meio disto temos
também alguns desgarrados, que hackeiam
por outros motivos mais variáveis. O que a meu ver, condiz em muito
com a realidade. Fica a brecha para imaginar como se constitui este
universo desconhecido dos hackers.
A história em si, é apenas
divertida, seu desenrolar não traz grandes lições ou ensinamentos
sobre a vida, isso contudo não lhe impede de transbordar
possibilidades para o pensamento. É nos detalhes que cercam a trama,
que as coisas se mostram interessantes. Um dos pontos seria a sua
estética, muito bem marcada por um mundo subterrâneo, escondido,
que mostra coisas para além da superfície, e sem dúvidas isto
influenciou desde as obras citadas acima, como talvez até mesmo a
série 2099 da Marvel ou quem sabe até mesmo Akira, o anime de 1988.
Afinal, Gibson é frequentemente apontado como o pai do termo
Cyberpunk. Junto a
tudo isso, temos o constante uso de drogas, seja para aguentar as
pressões do serviço (durante ou após ele), quanto para desenvolver
um estado contemplativo, que seria o caso dos rastafáris. Dando uma
abordagem mais realista, pois também não esconde todos os problemas
advindos dai.
Além disso, a dominação total de
elementos construídos pelo Homem dominarem a totalidade da dimensão,
sendo uma planta ou carne “de verdade” um luxo, nos ajuda a
pensar a proporção que desejamos tomar. O Sprawl
é uma megalópole do tamanho de um país, e o que fazemos para
evitar que isto não aconteça? Por fim, o peso real do mundo
virtual, que nesta história pode ser até mesmo a causa
mortis durante seu uso, é uma
referência clara a interconexão das ações, por mais “virtuais”
que elas aparentem, ou apenas uma forma de tornar a história mais
interessante? Confesso que em alguns momentos, pode não haver muita
distinção entre os dois mundos.
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