sábado, 9 de agosto de 2014

Futuro Passado - Reinhart Koselleck


Quando Nietzsche jogou seu martelo na verdade, ficou impossível falar tal palavra e continuar com a mesma conotação anterior. Dizer isso em meio a concepção de que existe uma verdade absoluta da qual nos aproximamos conforme a sociedade progride, causo muito barulho, mudou muita coisa. Perigoso martelo este jogado no meio da roda de pessoas proclamadas, por elas mesmas e por outras, como detentoras da verdade, não se podia fingir se surto perante tamanho barulho do ruir de uma estátua que se acreditava tão sólida como a verdade. Desde então, e Foucault foi quem nos colocou isso da forma mais clara, se entende a verdade como uma construção, um jogo de poder, algo que não é encontrado, mas sim feito, criado. O homem é um criador, esta é sua maior qualidade, sua defesa perante os perigos do mundo. Diferente do tigre ele não tem garrafas e presas, ou da cobra com sua forma esguia e veneno, o homem para se defender inventa uma arma, uma casa, um muro, um deus para garantir sua existência. Estas invenções passam pelas teorias também, mas não podemos tomar o preciso termo “invenção” por mentira, afinal o avião e a lâmpada são invenções e estão ai tão reais e verdadeiras quanto você ou eu.
A história também passa por esse processo de verdade. Melhor, a concepção de história e o historicismo passam por este processo de legitimação e aceitação como verdade. Se pegarmos uma “história da história”, vamos perceber que a relação do homem para com o entendimento de seu passado mudou e muda através dos tempos, o que era válido antes já não é mais válido agora. Por exemplo a concepção de uma história cíclica atualmente revela um desconhecimento de teoria historiográfica dos mais graves. Se aceita uma verossimilhança com o passado, mas não uma repetição, tal concepção se mostra um absurdo. Porém durante algum tempo os gregos entendiam isto como uma verdade absoluta, a história para eles era por fim cíclica. Da mesma forma para o gregos jurar por algum de seus deuses, da mesma forma que ocorria até algum tempo atrás, era suficiente para provar que a afirmação era verdade. Hoje preferimos o cientificamente comprovado.
Do mesmo jeito que a verdade passa por um processo, a concepção de história também. Reinhart Koselleck, assim como outros sujeitos da historiografia alemã, parecem desconhecidos nesse cenário intelectual brasileiro marcado pela influência francesa. Acaba-se relevando que antes da França ser a meca da história, a Alemanha o era e os trabalhos de Leopold von Ranke são fundamentais para o conhecimento histórico enquanto acadêmico. Mesmo sendo fundamental, a obra de Koselleck ainda é um tanto quanto periférica se compararmos com outros autores, em especial os franceses. Claro, não podemos esquecer que seu trabalho é bem mais específico que o de um Deleuze.
Koselleck trata da relação da humanidade (ocidental) com o conceito de história. Como ele bem ilustra, nem sempre se entendeu da mesma, elemento de fácil percepção ao verificarmos o uso de duas palavras distintas na língua alemã para se referir a história. O termo mais antigo é o Historie, muito mais próximo lexicalmente a sua origem latina do que o termo atual Geschichte. A palavra Historie se preza muito mais a uma história que serve de lição moral, de doutrinamento, de indicação do que fazer, talvez dai venha a concepção de que não se sabe para onde vai sem saber de onde veio – o que sabemos não servir para todos e tudo. Da mesma forma que esta palavra antiga já não é mais usada, seu conceito começa por volta do século XVIII a ser substituído por Geschichte.
A palavra Geschichte tem sua raiz etimológica na palavra acontecimento (geschehen). De certa forma teremos a mudança de uma concepção de história que se prezava antes em ajudar as pessoas nas suas decisões futuras, enquanto mais tarde muda para um estudo dos acontecimentos, logo tudo que ocorreu no passado pode fazer parte da história. Mais do que isso, o termo Historie está muito mais ligado a ideia de que o estudo do passado nos indica qual decisões tomar, por isso se liga a Historia magistra vitae, algo como “história senhora da vida”, já que o estudo do passado seria nosso mestre.
Já o termo Geschichte se mostra muito mais aberto e coerente com nossa modernidade. Pois o desenrolar histórico se faz por meio de acontecimentos. A revolução, o progresso, o destino e o desenvolvimento são palavras ligadas diretamente a nossa concepção do desenrolar histórico. Se tomarmos por conta de que a revolução é feita pelo povo, o progresso pela humanidade e o destino e o desenvolvimento pelo homem, vamos perceber que esta mudança léxica leva a uma nova forma de lidar com este passado, de interpretá-lo. Neste sentido o homem é muito mais um senhor de seus atos, capaz de interferir no seu tempo e na natureza pois, sendo o sujeito histórico que é, pode interferir e decidir como serão os acontecimentos. Não nos cabe mais pensar o passado ignorando a construção historiográfica, tão pouco ignorar o passado acreditando ser este o nosso método para construir o futuro da forma mais eficiente e desejada possível. Desde então todos se colocam como altares da história, acreditando que o simples uso do passado lhes garante tal status. O uso do passado cria formas no presente. Nossa experiência se liga a expectativa.

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