Quando Nietzsche jogou seu martelo na verdade, ficou impossível
falar tal palavra e continuar com a mesma conotação anterior. Dizer
isso em meio a concepção de que existe uma verdade absoluta da qual
nos aproximamos conforme a sociedade progride, causo muito barulho,
mudou muita coisa. Perigoso martelo este jogado no meio da roda de
pessoas proclamadas, por elas mesmas e por outras, como detentoras da
verdade, não se podia fingir se surto perante tamanho barulho do
ruir de uma estátua que se acreditava tão sólida como a verdade.
Desde então, e Foucault foi quem nos colocou isso da forma mais
clara, se entende a verdade como uma construção, um jogo de poder,
algo que não é encontrado, mas sim feito, criado. O homem é um
criador, esta é sua maior qualidade, sua defesa perante os perigos
do mundo. Diferente do tigre ele não tem garrafas e presas, ou da
cobra com sua forma esguia e veneno, o homem para se defender inventa
uma arma, uma casa, um muro, um deus para garantir sua existência.
Estas invenções passam pelas teorias também, mas não podemos
tomar o preciso termo “invenção” por mentira, afinal o avião e
a lâmpada são invenções e estão ai tão reais e verdadeiras
quanto você ou eu.
A história também passa por esse processo de verdade. Melhor, a
concepção de história e o historicismo passam por este processo de
legitimação e aceitação como verdade. Se pegarmos uma “história
da história”, vamos perceber que a relação do homem para com o
entendimento de seu passado mudou e muda através dos tempos, o que
era válido antes já não é mais válido agora. Por exemplo a
concepção de uma história cíclica atualmente revela um
desconhecimento de teoria historiográfica dos mais graves. Se aceita
uma verossimilhança com o passado, mas não uma repetição, tal
concepção se mostra um absurdo. Porém durante algum tempo os
gregos entendiam isto como uma verdade absoluta, a história para
eles era por fim cíclica. Da mesma forma para o gregos jurar por
algum de seus deuses, da mesma forma que ocorria até algum tempo
atrás, era suficiente para provar que a afirmação era verdade.
Hoje preferimos o cientificamente comprovado.
Do mesmo jeito que a verdade passa por um processo, a concepção de
história também. Reinhart Koselleck, assim como outros sujeitos da
historiografia alemã, parecem desconhecidos nesse cenário
intelectual brasileiro marcado pela influência francesa. Acaba-se
relevando que antes da França ser a meca da história, a Alemanha o
era e os trabalhos de Leopold von Ranke são fundamentais para o
conhecimento histórico enquanto acadêmico. Mesmo sendo fundamental,
a obra de Koselleck ainda é um tanto quanto periférica se
compararmos com outros autores, em especial os franceses. Claro, não
podemos esquecer que seu trabalho é bem mais específico que o de um
Deleuze.
Koselleck trata da relação da humanidade (ocidental) com o conceito
de história. Como ele bem ilustra, nem sempre se entendeu da mesma,
elemento de fácil percepção ao verificarmos o uso de duas palavras
distintas na língua alemã para se referir a história. O termo mais
antigo é o Historie, muito
mais próximo lexicalmente a sua origem latina do que o termo atual
Geschichte. A palavra
Historie se preza
muito mais a uma história que serve de lição moral, de
doutrinamento, de indicação do que fazer, talvez dai venha a
concepção de que não se sabe para onde vai sem saber de onde veio
– o que sabemos não servir para todos e tudo. Da mesma forma que
esta palavra antiga já não é mais usada, seu conceito começa por
volta do século XVIII a ser substituído por Geschichte.
A palavra Geschichte
tem sua raiz etimológica na palavra acontecimento (geschehen).
De certa forma teremos a mudança de uma concepção de história que
se prezava antes em ajudar as pessoas nas suas decisões futuras,
enquanto mais tarde muda para um estudo dos acontecimentos, logo tudo
que ocorreu no passado pode fazer parte da história. Mais do que
isso, o termo Historie
está muito mais ligado a ideia de que o estudo do passado nos indica
qual decisões tomar, por isso se liga a Historia magistra
vitae, algo como “história
senhora da vida”, já que o estudo do passado seria nosso mestre.
Já o termo Geschichte
se mostra muito mais aberto e coerente com nossa modernidade. Pois o
desenrolar histórico se faz por meio de acontecimentos. A revolução,
o progresso, o destino e o desenvolvimento são palavras ligadas
diretamente a nossa concepção do desenrolar histórico. Se tomarmos
por conta de que a revolução é feita pelo povo, o progresso pela
humanidade e o destino e o desenvolvimento pelo homem, vamos perceber
que esta mudança léxica leva a uma nova forma de lidar com este
passado, de interpretá-lo. Neste sentido o homem é muito mais um
senhor de seus atos, capaz de interferir no seu tempo e na natureza
pois, sendo o sujeito histórico que é, pode interferir e decidir
como serão os acontecimentos. Não nos cabe mais pensar o passado
ignorando a construção historiográfica, tão pouco ignorar o
passado acreditando ser este o nosso método para construir o futuro
da forma mais eficiente e desejada possível. Desde então todos se
colocam como altares da história, acreditando que o simples uso do
passado lhes garante tal status.
O uso do passado cria formas no presente. Nossa experiência se liga
a expectativa.
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