domingo, 21 de setembro de 2014

As crônicas marcianas - Ray Bradbury

O grande mérito da ficção científica é conseguir gerar reflexões. Geralmente tratam de questões presentes jogadas num tempo futuro, seja os totalitarismos em 1984 ou o enfraquecimento do hábito da leitura em Fahrenheit. Nem toda ficção científica vai por este caminho, apesar de adorar Star Wars, não temos ali muito mais do que uma aventura. Ray Bradbury é um dos mestres do gênero literário, está lá no panteão reservado a poucos autores e Crônicas Marcianas é um de seus clássicos.
O livro utiliza uma estética narrativa independente de personagens principais, e num formato de diário, contando episódios esporádicos que vão se interligando. A obra gira em torno do planeta marte. Creio que na época da escrita do livro, temos as primeiras sondas sendo enviadas sistema solar adentro, e as especulações sobre o espaço em alta, algo muito parecido com os contos de Philip K. Dick em O pagamento. Por isso podemos perceber no livro uma constante polaridade, já que o entusiasmo da exploração espacial trazia de carona a bipolaridade e o perigo da hecatombe nuclear.
As críticas contidas no livro ultrapassam a guerra fria e tocam muito bem no imperialismo. É justamente neste mesmo período de guerra fria que vários países do terceiro mundo (em especial na África) estão na luta pela independência com vistas em se recuperarem da destruição causada pelos invasores europeus. A lógica imperialista é algo muito particular aos europeus, apesar de elementos sangrentos em outros povos, o desejo de dominação e reconstrução de uma sociedade em um local distante, é algo bem específico e singular. Este desejo colonizador é comum em nossas narrativas, seja quando nós vamos até eles ou quando eles vêm até nós (uma invasão alienígena, por exemplo). Dominar, construir, transferir, não repetir os erros, usar este território descoberto como uma possível folha em branco, ignorando a vida ali existente.
Bradbury monta seu texto com base neste desejo incontido de dominar, subjugar e moldar uma outra sociedade a “nossa” maneira. O colonialismo é o episódio mais famoso deste pensamento destruidor e intolerante, mas se olharmos para a guerra fria, perceberemos que as intervenções diretas em lugares como Vietnã, Budapeste ou América Latina, estão intimamente ligados a este desejo dominador. Acredito que o autor pode servir de apoio para uma reflexão que busca evitar esta postura política, tão marcada em nossa forma de pensar. Afinal de contas, é uma destruição consciente de elementos tão ricos, como o que fizeram com os africanos, em especial os escravizados, que tiveram suas culturas amassadas a ponto de tratarmos vários grupos tão distintos de uma mesma maneira. A pluralidade não é algo novo, o multiculturalismo é algo mais atuante do que se afirma, por isso ainda é importante buscar essa reflexão, mais tolerante e menos assassina.

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