quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A função do orgasmo - Wilhelm Reich


O sexo é algo que todos fazem e têm, mesmo que você esteja faz muito tempo em abstinência (voluntária ou não), ainda “não tem idade” ou seja lá qual for o motivo, você pelo menos uma vez na sua vida “se tocou”, ou irá fazer tudo isso. Sexo está ai, é feito faz muito tempo e continuaremos fazendo. Nenhuma novidade nisso tudo.
Entretanto as diferentes temporalidades implicam em diferentes relações sexuais, os movimentos básicos podem ser os mesmos, mas a interpretação do ato nunca o foi, fazemos sexo e os gregos antigos também, mas não fazemos como os gregos antigos. Reich escreve de um tempo, que deve ser sempre levado em consideração ao lê-lo. Seu livro “A função do orgasmo” não vai te ensinar como fazer mais e melhor sexo, todo que ele faz é abordar este assunto de maneira séria. Na verdade “A função do orgasmo” é uma explicação de seu processo cientifico, sua pesquisa, que indica o orgasmo como a característica mais importante para uma existência em paz consigo e saudável. Wilhelm Reich deixa claro as dificuldades de seu tempo, uma delas era tratar da questão sexual com seriedade. Como já ilustrado em “Escute Zé ninguém”, Reich era constantemente xingado de pervertido para baixo.
Para entender Reich é importante seu tempo, falamos dos “tempos sombrios” (entre guerras), de um lado o modelo liberal democrático em decadência, de outro o stalinismo (que apesar de não estar colocado de forma clara, já demonstrava seu caráter autoritário) e surgindo como opção temos o nazismo – visto com bons olhos pelos liberais-democráticos. Nada promissor não é mesmo? Além disso estamos falando dos primeiros estudos sobre a sexualidade humana, logo é compreensível o constante ar repressivo nas entrelinhas. Há sim, até hoje uma repressão sexual, em especial com as crianças e jovens, desde a mão boba até coisas mais concretas como beijos e atos sexuais. Afinal, o que determina a idade certa para o primeiro ato sexual? A menstruação? A descoberta da ejaculação? Óbvio que por um lado temos toda uma pressão sobre a prática do ato sexual, que já ocorria nos tempos sombrios, onde o garanhão ganha um certo status. Por isso não podemos resumir a libertação sexual a prática sexual. Os chamados pervertidos não são bem resolvidos sexualmente, e olha que tudo indica que eles praticam sexo, certo?
Uma coisa simples que Wilhelm Reich coloca é que a relação sexual deve ocorrer de maneira satisfatória: ejaculação precoce, constante insaciedade (ninfomania), satisfação pela violência, perfil de garanhão, são indicativos de pessoas que praticam o sexo, mas acabam, segundo Reich, não atingindo o orgasmo. A ejaculação precoce é uma decepção para ambos os lados, não precisamos de nenhum estudo cientifico para isso, é a pura e simples ejaculação antes da satisfação sexual completa (orgasmo). A insaciedade seria causada por alguns motivos, os principais são nunca atingir o orgasmo e até mesmo um recurso de ganhar atenção. A satisfação pela violência (sexo violento, como por exemplo vários vídeos pornôs atuais, ou até mesmo casos mais críticos como prazer na dor alheia ou estupro), indicariam um desejo de alcançar o orgasmo, porém este desejo é tão grande e confuso que acaba causando uma tensão que reflete no físico da pessoa. Na tentativa de romper esta tensão atos violentos são a expressão mais comum (vontade de explodir), e algumas vezes até mesmo uma repulsa, “nojo”, do ato sexual. É bom colocar que uma certa tensão pré ato sexual é normal, porém algumas pessoas não conseguem realizar um ato sexual satisfatório – seja pela repressão, impedindo-o, como pelo sexo sem um desejo sincero (algo como sexo sem um sentimento de carinho) – e acabam ficando tensas. Esta tensão ocorre desde uma musculatura dura, tensa (você já deve ter visto alguém ou ficado assim), até o prazer em atos violentos sem sentido ou atitudes grosseiras durante o ato sexual. O perfil do garanhão, do “pegador”, já é o ato sexual pelo seu status, em especial para os homens, e não pelo prazer do ato, isto leva a um ato mecânico e sem prazer – e ejaculação não indica que você chegou ao orgasmo, vide o exemplo da ejaculação precoce.
São inúmeros casos abordados por Reich ao longo de sua obra e é impossível colocar tudo aqui, até porque não sou a pessoa mais indicada para isto, pretendo apenas iniciar uma discussão e jogar algumas palavras ao vento – o que no caso da internet é colocar uma carta na garrafa e soltá-la no mar. O que ocorre é que Reich trata a sexualidade como um problema sério e social. É necessário garantir as pessoas uma boa relação sexual, ajudá-las a isso, afinal de contas é uma de nossas angústias. Por vários e vários motivos nossas relações modernas influenciam nosso ato sexual. E com a liberal década de 1970 já na história e o sexo antes do casamento consolidado como normal, podemos acreditar que nossa relação alcançou a perfeição ou está próxima disso. Não é um sentido de nostalgia que deve ser buscado aqui (longe disso!), mas sim entender que nossa relação com o sexo ainda tem seu caráter repressor, mesmo que já não seja a mesma repressão sofrida por Reich. Na internet são comuns vídeos roubados da intimidade de alguém e a constante intromissão na vida sexual das pessoas (desde comentários bestas como “ela provocou”, “vagabunda”, até os homofóbicos). Há também uma cobrança para que todos sejam garanhões e “garanhonas”, deveríamos estar falando de boas relações sexuais, que nos deem satisfação, sem manuais, sem regras e não de quantidades de sexo. Como vi uma estudiosa da sexualidade dizendo, atualmente o sexo é de massa, e deveria ser pessoal, íntimo afinal. Parece que este é o desafio, relacionar-se sem regras, entender o ato sexual e o amor como movimentos de libertação, de negação da sociedade que vivemos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Robinson Crusoé - Daniel Defoe (adaptação)

Definitivamente adoro livros infantis, e o fator que me impede em compra-los é simples, acabam custando caro para o hábito de leitura que tenho hoje. Como eles têm muitas imagens coloridas, acabam encarecendo (tinta, papel, ilustrador, tudo isto custa!), e talvez por isso muitos pais evitam investir dinheiro nisto. Meu pai por exemplo vivia me recomendando a biblioteca pública ou da escola, enquanto por outro lado eu procurava deixar bem claro que eu queria o livro pra mim, queria ter ele na minha mão e na minha estante (burguesinho não?).
Desde que li o texto de Walter Benjamin sobre os livros infantis, minha atenção sobre eles se fez presente sempre que possível. Revirando agora minha estante, do limbo retirei este livro da companhia das letrinhas que é uma adaptação para as crianças do famoso livro de Daniel Defoe. Hoje em dia percebo que o livro é muito bem feito, seu papel é bom e está recheado de imagens, além de que nas bordas temos várias explicações sobre coisas da época como: costumes, roupas, equipamentos, geografia. O fantástico é que traz mais do que a história adaptada, ela é toda contextualizada, de maneira simples e direta (crianças afinal, não desejam se aprofundar com vistas numa carreira acadêmica). Imagino que todos estes elementos faziam com que o livro custasse caro, e por isso tive que pedi-lo de natal. Junto ganhei a edição de o Médico e o monstro, da mesma coleção.
Lembro que o livro já abordava questões básicas da obra, lhe ajudando a interpretar. Elemento ótimo, que incentiva a fazer mais do que ler uma história, mas procurar buscar algum sentido nela – mesmo que este sentido seja só seu. Pelo que me recordo, possuí durante muito tempo a crença de que se poderia viver isolado da civilização, da mesma forma que em algum momento da minha vida passaria por uma grande aventura (tal qual Crusoé). Por essas e outras naquela época já ficava de olho nas editoras dos livros e adotei a companhia das letras como uma das minhas editoras favoritas, pelo que vejo eles sempre procuram manter um trabalho de qualidade em seus livros.
Este livro me gera um carinho especial, pois foi por meio dele que me iniciei em definitivo no mundo das letras. Recordo que enquanto passava o verão na praia e lia o livro, meu amigo me chamava para brincar e escutava de mim: “espera um pouco, só vou terminar de ler”, ele insistia para que eu fosse e eu dava a mesma resposta, por fim ele enfatizou: “vamos, ler é chato!”. Pode ser que me senti mal na época por ser chamado de chato pelo meu melhor amigo, mas prefiro acreditar que dei uma risadinha e fui brincar.

domingo, 20 de outubro de 2013

Estruturalismo: Antologia de textos teóricos - Eduardo Prado Coelho (org.)


Ou, Para Ler o estruturalismo

Durante minha formação acadêmica as palavras estrutura e estruturalismo, apareciam junto a seus derivados de maneira recorrente. Autores como Lévi-Strauss, Lacan, Sartre, Barthes, Derrida, Foucault e outros associados em maior ou menor grau ao estruturalismo eram e continuam sendo recorrentes. O uso da palavra estrutura para definir mais do que alguma questão arquitetônica, ou seja, física, é usado constantemente e parece não despertar grandes dúvidas. Toda vez que se procura explicar alguma questão social, mesmo por pessoas fora dos círculos acadêmicos, expressões como “família desestruturada”, “falta estrutura emocional”, “não houve uma estrutura na formação do caráter”, procuram determinar aquela situação ou sujeito. A indagação pessoal surge quando começo a estudar as cidades, o que coincidiu com as notícias da Copa do mundo no Brasil. Começou-se uma corrida pela “estruturação” do país. Podemos perceber que desde a implantação de questões urgentes como o transporte público até a criminalidade, começaram a passar por algum tipo de estruturação ou re-estruturação. O uso dessa palavra está associado a muito mais do que uma questão arquitetônica. Antes de continuar, vale lembrar de que a arquitetura é afinal de contas uma ciência que têm como objeto o homem, já que é ele quem vai habitar e produzir aqueles lugares, aquela estrutura. Com estas questões postas, ler o estruturalismo hoje de uma forma consciente possa nos ajudar. E sobre isto é importante deixar claro que a intenção aqui não é resgatar o estruturalismo, mas sim entender um pouco melhor o que foi isto.
O estruturalismo será a grande teoria do pós-guerra. Autores sem fim se associam em menor ou maior grau a este bastião teórico. O curioso é que não existe uma definição muito lógica do estruturalismo. O conceito mais próximo é a estrutura no seu sentido arquitetural, aquilo que sustenta, que dá a base para todo o resto da construção. Em alguns autores esta questão parece mais rígida, como se uma grade procurasse definir as formas, e para outros nem tão definida e determinante. Ocorre que é nítido após a segunda-guerra mundial um uso cada vez maior desta coisa que é o estruturalismo. Segundo aponta François Dosse1 a arregimentação dos intelectuais em torno deste aporte teórico ganha magnitude após a supressão da revolução húngara de 1956, onde o modelo socialista-soviético-stalinista é posto em xeque e começam a buscar uma alternativa ao marxismo, doutrina oficial do Partido Comunista Francês ao qual estavam associados (formal ou informalmente) vários estudiosos franceses.
Apesar da vertente marxista do estruturalismo, representada principalmente por Althusser, Karl Marx deixa de ser uma noção essencial para aquela época. É visível um forte apego aos estudos de Marx após a Segunda Guerra em especial pelas necessidades e questões postas por este momento histórico, dentre elas o nazismo, porém a revolução húngara traz novas necessidades. Mesmo com este abandono do marxismo (do qual somos herdeiros cada vez mais sinceros) não podemos ignorar que pelo menos um pouco do conceito de estrutura vêm deste pensador alemão. É comum indicar as origens do estruturalismo nalguma coisa entre Saussure e Marx.
Mesmo sem uma grande leitura deste autor tão conhecido, podemos perceber realmente que ele traz algumas questões estruturais. Alguns elementos da exploração capitalista descrita por Marx ainda hoje servem tão bem que muitas vezes esquecemos de historicizar sua teoria e perceber que nosso tempo já é outro – e sim, ainda somos explorados, porém não da mesma forma que no século XIX. O marxismo, talvez mais do que o próprio Karl, nos trazem algumas questões chave que parecem determinar nossa sociedade. É por este caminho que Lévi-Strauss se embrenhava quando começou a aventura estruturalista2. O que este francês formado em filosofia, porém que se descobre antropólogo nas matas brasileiras, propõem é buscar princípios norteadores do homem. É uma questão muito científica e direta: “a estrutura é coisa diversa do que eu denominei por organização, mas também que ela nos dá a chave de um funcionamento”3. Desde Lévi-Strauss há esta que parece ser a única definição do que é o estruturalismo, uma busca pelos elementos chave da sociedade (por isso a dívida com Marx), e estes elementos são diretos ao Homem.
Não se viam enquanto um movimento determinado, muitos autores inclusos neste rol de autores se autoexcluem e não existe um método ou teoria definido e perceptível em comum entre todos os chamados estruturalistas. O que é fácil perceber é que eles, seja um linguista ou um antropólogo, buscam compreender e identificar os pontos chave da sociedade. No caso de Lévi-Strauss teremos o famoso caso do incesto, tabu visível em toas a sociedades. Enquanto antropólogo, ou seja, de estudar o Homem enquanto espécie, Lévi-Strauss identifica um elemento comum ao homem, algo que compõem sua estrutura em todas as sociedades – logo a todos os homens.
Não é fácil falar sobre este movimento, tão claramente visto como importante, mas deixado a distância. Ninguém mais aceita ser chamado de estruturalista, entretanto lemos vários autores que já receberam esta nomenclatura em algum momento. O que ocorre e fico com a herança mais forte deste mote teórico é a crença em elementos estruturais para com o homem, seja as instituições (escolas, prisões, sanatórios, etc), sejam os costumes (burgueses, machistas...), a própria arquitetura (panóptico como o exemplo mais claro) ou este turbilhão indefinido que se chama cultura, há pontos chave nestes elementos tão respectivos ao homem. Entretanto o grande crime dos estruturalistas foi apostar muitas fichas no peso desta estrutura, quando elementos que vão desde o indivíduo até as rupturas existem e acabam levando a estrutura para segundo plano. Não acredito que precisamos retornar ao termo, mas sim saber que seus reflexos ainda estão ali. Pois segundo tudo indica usamos mais do que a palavra, também somos herdeiros desta linha de pensamento, mesmo não o usando mais.
1DOSSE, François. História do estruturalismo, v. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: editora da universidade Estadual de Campinas, 1993.
2O próprio Claude Lévi-Strauss fora um assíduo leitor de Karl Marx durante seus anos de juventude. O mesmo se põem para praticamente todos os membros fundadores da escola estruturalista, para mais detalhes ver: DOSSE, François. História do estruturalismo, v. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: editora da universidade Estadual de Campinas, 1993.
3POUILLON, Jean. Uma tentativa de definição. In: COELHO, Eduardo Prado (org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Protugália editora, 1968, p. 13.


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Elysium - Neill Blomkamp (dir.)


Elysium não surpreende muito. Os clichês de Hollywood estão ali, a historinha de amor, o herói que nunca morre, os vilões e os mocinhos claramente demarcados e o destino da humanidade em jogo. Sabemos como começa e como termina a narrativa. É um filme hollywoodiano afinal.
Porém alguns detalhes aparecem ali que acabam tornando Blomkamp uma novidade. Ele alcançou sucesso suficiente para entrar no clube americano do cinema depois do lançamento de Distrito 9. Pra quem não sabe, Blomkamp é sul-africano, e isso implica nas pequenas diferenças. A primeira delas e que pode até causar alguma empolgação, é que mais do que uma simples divisão entre bonzinhos e malvados, a sociedade futura ilustrada no filme é segregada entre ricos e pobres. Os pobres são condenados a uma vida miserável, sem grandes perspectivas e o mais importante, ficam de fora do clube saudável exclusivo para quem pode pagar pela eternidade e beleza. Independente da posição ou objetivo de Blomkamp, ele não maquia em nada a segregação financeira existente no mundo. Talvez pelo fato de ser da África do Sul, seja quase impossível ignorar esta questão.
As outras questões menores, porém significativas, tangem a questão da produção. No filme, mesmo que de maneira tímida, outras línguas são faladas, mesmo o inglês se mantendo o principal idioma, é aberta uma brecha para outras línguas. Pode parecer bobo, mas o termo “bárbaro”, tem origem numa questão linguística, mesmo que tal adjetivo esteja delimitando uma condição cultural. Uma língua implica numa cultura, numa forma de pensar, me arrisco até em colocar, uma outra estrutura. Talvez por isso os comentários comuns de que a atividade filosófica só possa ocorrer em língua alemã – o que discordo. Colocando estas outras línguas, o filme deixa de maneira mais clara de que além das diferenças econômicas, também existem as culturais. Se pensarmos isto a partir do fato de que é comum nos EUA remakes de filmes europeus pelo simples fato da maior parte da plateia estadunidense não gostar de filmes em língua estrangeira, demonstra de forma clara como um país lida com a cultura de outro povo.
Por esta ótica a grande resistência dos islâmicos é em aceitar um modelo cultural tão diverso do seu, e se apegar a religião acaba sendo uma forma de se apagar a uma identidade, de preferência uma que seja mais prática para a realidade visível. Se houvesse uma postura mais pluricultural, talvez tensões desnecessárias seriam evitadas. Não podemos ser demasiado otimistas, pois cair no relativismo cultural pode ser perigoso também.
O que temos afinal de contas em Elysium é um filme hollywoodiano que procura dialogar com outras linguagens. A contratação de atores de vários países, a aparição (mesmo que discreta) de outras línguas, a não negação da ainda existente divisão entre ricos e pobres, fazem com que exista neste filme uma maquiagem não tão carregada para falar de nosso tempo. Talvez por isso seja estratégico situar tais problemas numa ficção científica. No fim das contas Blomkamp consegue seu sucesso pelo fato de não ignorar os problemas de seu tempo.