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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Idea: a evolução do conceito de belo - Erwin Panofsky


 Estética é uma palavra chique, “tá na boca do povo” quando se quer discutir o belo e a beleza. Até mesmo os salões de beleza vêm mudando seu nome para salões ou clínicas de estética. Uma discussão mais séria reconhece que a concepção de beleza não é única, que ela pode variar entre duas pessoas, mas não para por ai. Não devemos cair nessa armadilha semântica da palavra subjetividade e acreditarmos que meu eu é único e surge como que de um nada original único, misterioso e exato feito a existência de Deus, de alguma forma Foucault já nos alertou sobre isso. Mesmo assim, por incrível que pareça, não diminui-se em nada a concepção estética de cada um, ela continuará existindo, será ainda assim particular a cada um. Porém existem pontos em comum.
Antes de acharmos ou vermos algo belo nós o imaginamos, definimos seus contornos em nossa mente, formamos sobre a beleza uma Ideia. O artista pensa sobre a criação antes de criá-la. Desta Ideia surge nosso senso estético, que servirá tanto para julgar quanto para criar – ou destruir – algo. Ou seja, antes de vermos ou julgarmos o belo e o bom, nós o imaginamos, pensamos. O primeiro lugar de pensamento estético é abstrato, depois partimos para obras e situações reais. Um exemplo pode ser o uso de drogas, tal qual foi feito por Baudeleire, que é um ótimo exemplo, pois o uso de substâncias feito por Baudeleire tinha objetivos e intenções completamente diferentes do de várias outras pessoas que também consomem ou consumiram as mesmas substâncias. Logo, não é o uso de uma substância que definirá seu senso estético, mas seu senso estético que interfere na sua experiência. Uma pessoa que viu um quadro surrealista não é necessariamente admirador da estética surrealista. É necessário todo um preparo e abstração, uma composição de ideias para a formação de um senso e opinião estéticas.
Neste sentido as pessoas tem um processo de desenvolvimento individual particular, o que não leva dois irmãos, por exemplo, a terem os mesmos gostos e opiniões, seja sobre política ou estética. O desenvolvimento estético inicia antes da experiência, seja da aventura ou da contemplação de uma arte. É a partir da Ideia que se estabelece no campo abstrato, que ela refletirá num campo mais tátil e material: a exemplo da escolha entre um filme russo ou brasileiro, assim como torcer o nariz para uma música e dançar outra. Estes processos, por mais que sejam criações mentais, não são falsos, eles existem, tem sua materialidade, uma careta de desagrado tem seu peso real. Não se nega em momento algum da particularidade de cada ser, só é impossível investigá-las individualmente.
O ponto tátil que podemos lidar nisto tudo acaba sendo o tempo e espaço compartilhado por todos. A família de um sujeito é diferente da de outro, o que já implica diretamente numa formação diferente para cada um, porém ambos os indivíduos estão cercados pela história, afinal é este um chão que temos para nos apoiar. Como partimos dela e nos movimentamos com o tempo, ela deixará marcas em nós, muitas vezes contra e muitas vezes em consentimento com nossa vontade, tal qual cicatrizes e tatuagens. Partindo disto, a concepção de beleza pessoal de cada um, passa pela formação de uma Ideia estética. A formação de concepção estética, desta Ideia, deste senso, tem uma relação direta com nosso tempo. Não fosse por isso ela seria sempre a mesma, e não é, já que o ser humano não é um ser atemporal. A exemplos dos salões de beleza e as clínicas de estética, a palavra clínica traz todo um peso médico para a questão do belo atual, de saúde, de normatização do corpo, isto só pode ser compreensível num período marcado pela biopolítica e controles normativos sobre o corpo e uma sociedade ainda marcada pelo machismo. O senso estético dessas clínicas só pode ser possível neste quadro histórico. A mesmo vale para a experiência dos shoppings centers, possível apenas no mundo da via-expressa descrito por Marshall em Tudo que é sólido desmancha no ar.
A modernidade está em constante transformação, e é também uma experiência estética, pois antes mesmo de ser posta em prática ela foi pensada. As teorias tem por fim a prática.


domingo, 20 de outubro de 2013

Estruturalismo: Antologia de textos teóricos - Eduardo Prado Coelho (org.)


Ou, Para Ler o estruturalismo

Durante minha formação acadêmica as palavras estrutura e estruturalismo, apareciam junto a seus derivados de maneira recorrente. Autores como Lévi-Strauss, Lacan, Sartre, Barthes, Derrida, Foucault e outros associados em maior ou menor grau ao estruturalismo eram e continuam sendo recorrentes. O uso da palavra estrutura para definir mais do que alguma questão arquitetônica, ou seja, física, é usado constantemente e parece não despertar grandes dúvidas. Toda vez que se procura explicar alguma questão social, mesmo por pessoas fora dos círculos acadêmicos, expressões como “família desestruturada”, “falta estrutura emocional”, “não houve uma estrutura na formação do caráter”, procuram determinar aquela situação ou sujeito. A indagação pessoal surge quando começo a estudar as cidades, o que coincidiu com as notícias da Copa do mundo no Brasil. Começou-se uma corrida pela “estruturação” do país. Podemos perceber que desde a implantação de questões urgentes como o transporte público até a criminalidade, começaram a passar por algum tipo de estruturação ou re-estruturação. O uso dessa palavra está associado a muito mais do que uma questão arquitetônica. Antes de continuar, vale lembrar de que a arquitetura é afinal de contas uma ciência que têm como objeto o homem, já que é ele quem vai habitar e produzir aqueles lugares, aquela estrutura. Com estas questões postas, ler o estruturalismo hoje de uma forma consciente possa nos ajudar. E sobre isto é importante deixar claro que a intenção aqui não é resgatar o estruturalismo, mas sim entender um pouco melhor o que foi isto.
O estruturalismo será a grande teoria do pós-guerra. Autores sem fim se associam em menor ou maior grau a este bastião teórico. O curioso é que não existe uma definição muito lógica do estruturalismo. O conceito mais próximo é a estrutura no seu sentido arquitetural, aquilo que sustenta, que dá a base para todo o resto da construção. Em alguns autores esta questão parece mais rígida, como se uma grade procurasse definir as formas, e para outros nem tão definida e determinante. Ocorre que é nítido após a segunda-guerra mundial um uso cada vez maior desta coisa que é o estruturalismo. Segundo aponta François Dosse1 a arregimentação dos intelectuais em torno deste aporte teórico ganha magnitude após a supressão da revolução húngara de 1956, onde o modelo socialista-soviético-stalinista é posto em xeque e começam a buscar uma alternativa ao marxismo, doutrina oficial do Partido Comunista Francês ao qual estavam associados (formal ou informalmente) vários estudiosos franceses.
Apesar da vertente marxista do estruturalismo, representada principalmente por Althusser, Karl Marx deixa de ser uma noção essencial para aquela época. É visível um forte apego aos estudos de Marx após a Segunda Guerra em especial pelas necessidades e questões postas por este momento histórico, dentre elas o nazismo, porém a revolução húngara traz novas necessidades. Mesmo com este abandono do marxismo (do qual somos herdeiros cada vez mais sinceros) não podemos ignorar que pelo menos um pouco do conceito de estrutura vêm deste pensador alemão. É comum indicar as origens do estruturalismo nalguma coisa entre Saussure e Marx.
Mesmo sem uma grande leitura deste autor tão conhecido, podemos perceber realmente que ele traz algumas questões estruturais. Alguns elementos da exploração capitalista descrita por Marx ainda hoje servem tão bem que muitas vezes esquecemos de historicizar sua teoria e perceber que nosso tempo já é outro – e sim, ainda somos explorados, porém não da mesma forma que no século XIX. O marxismo, talvez mais do que o próprio Karl, nos trazem algumas questões chave que parecem determinar nossa sociedade. É por este caminho que Lévi-Strauss se embrenhava quando começou a aventura estruturalista2. O que este francês formado em filosofia, porém que se descobre antropólogo nas matas brasileiras, propõem é buscar princípios norteadores do homem. É uma questão muito científica e direta: “a estrutura é coisa diversa do que eu denominei por organização, mas também que ela nos dá a chave de um funcionamento”3. Desde Lévi-Strauss há esta que parece ser a única definição do que é o estruturalismo, uma busca pelos elementos chave da sociedade (por isso a dívida com Marx), e estes elementos são diretos ao Homem.
Não se viam enquanto um movimento determinado, muitos autores inclusos neste rol de autores se autoexcluem e não existe um método ou teoria definido e perceptível em comum entre todos os chamados estruturalistas. O que é fácil perceber é que eles, seja um linguista ou um antropólogo, buscam compreender e identificar os pontos chave da sociedade. No caso de Lévi-Strauss teremos o famoso caso do incesto, tabu visível em toas a sociedades. Enquanto antropólogo, ou seja, de estudar o Homem enquanto espécie, Lévi-Strauss identifica um elemento comum ao homem, algo que compõem sua estrutura em todas as sociedades – logo a todos os homens.
Não é fácil falar sobre este movimento, tão claramente visto como importante, mas deixado a distância. Ninguém mais aceita ser chamado de estruturalista, entretanto lemos vários autores que já receberam esta nomenclatura em algum momento. O que ocorre e fico com a herança mais forte deste mote teórico é a crença em elementos estruturais para com o homem, seja as instituições (escolas, prisões, sanatórios, etc), sejam os costumes (burgueses, machistas...), a própria arquitetura (panóptico como o exemplo mais claro) ou este turbilhão indefinido que se chama cultura, há pontos chave nestes elementos tão respectivos ao homem. Entretanto o grande crime dos estruturalistas foi apostar muitas fichas no peso desta estrutura, quando elementos que vão desde o indivíduo até as rupturas existem e acabam levando a estrutura para segundo plano. Não acredito que precisamos retornar ao termo, mas sim saber que seus reflexos ainda estão ali. Pois segundo tudo indica usamos mais do que a palavra, também somos herdeiros desta linha de pensamento, mesmo não o usando mais.
1DOSSE, François. História do estruturalismo, v. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: editora da universidade Estadual de Campinas, 1993.
2O próprio Claude Lévi-Strauss fora um assíduo leitor de Karl Marx durante seus anos de juventude. O mesmo se põem para praticamente todos os membros fundadores da escola estruturalista, para mais detalhes ver: DOSSE, François. História do estruturalismo, v. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: editora da universidade Estadual de Campinas, 1993.
3POUILLON, Jean. Uma tentativa de definição. In: COELHO, Eduardo Prado (org.). Estruturalismo: antologia de textos teóricos. Lisboa: Protugália editora, 1968, p. 13.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Contos da Palma da Mão - Yasunari Kawabata


O pouco de literatura japonesa que conheço me fascina. Não creio que os venero tanto quanto os russos ou os beatniks, mas é certo que eles tem um lugar especial no meu coração. Definitivamente meu fascínio é pelo simples fato da literatura japonesa ser simplesmente particular e dentre eles Kawabata é o grande mestre.
Conheci sua literatura por meio de Mil Tsurus. Onde fica evidente um conflito oriente x ocidente. Mesmo que seja bater na mesma tecla, olhar o outro ajuda a entendermos nós mesmos, Tdorov dá esta brecha ao lermos livros como A conquista da América. Pelo fato destes estranhos e bizarros japoneses nos enxergarem da mesma forma, como seres exóticos afinal, gosto de lê-los.
Contos da palma da mão têm a felicidade de organizar os escritos pela ordem cronológica, esta organização nos permite perceber uma série de questões. Vamos percebendo ao longo do tempo que este choque entre o invasivo mundo ocidental e a cultura tradicional japonesa se tornam um elemento cada vez mais perceptível, especialmente no período imediato ao pós-guerra.
Porém o elemento mais nítido nos escritos de Kawabata, e apenas recentemente percebi isto, é sua preocupação estética. A primeira pergunta que pode ser feita é: “como a estética pode estar na literatura?”, foi o que pensei ao menos, até porque normalmente a palavra “estética” acaba resumido ao “bonito” e “feio”. Bem, foi necessário um mínimo de entendimento do que seria a estética – o que não é tarefa fácil – para entender Kawabata.
Há uma atenção dada pelo autor em elementos que apenas podemos sentir de forma muito específica, como por exemplo uma brisa outonal. É complicado compreendermos este tipo de citação no meio de uma história, porém, quem já sentiu esta tal brisa outonal, sabe da importância que isto têm para vida. Ler também é uma forma de deixar-se entregar a sensações, mesmo que não sejam tão intensas e simples de serem alcançadas como outros meios mais simples, a exemplo do consumo de drogas como álcool ou cafeína. Entretanto Kawabata procura fazer o leitor sentir estes elementos estéticos, para além de contar uma história.
Posso estar afinal, completamente errado e estar sendo demasiado simplista. Porém apenas recentemente este elemento sensorialista ficou evidente para mim, ou melhor, apenas recentemente pude sentir tais sensações. Sua preocupação talvez esteja num dos elementos mais importantes da escrita, produzir sensações, e isto não é tarefa fácil.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Estética da Ginga - Paola Berenstein Jacques

      
Várias vezes Lucien Febvre usará a expressão “combates pela história”, mesmo que esta frase seja pouco clara ela indica que o francês sabia muito bem dos jogos de poder em que a História está inserida e faz parte – independente de sua vontade. De alguma forma acredito que um dos nossos desafios contemporâneos dentro da sociedade brasileira seriam “combates pela cidade”. Moramos em cidades péssimas, e neste quesito nada melhor do que a copa para ilustrar isto. Não podemos fugir de nossa história, negar nosso passado é tão difícil quanto fugir do saudosismo. Sobre este problema urbano que nossa realidade concreta nos impõe, a teoria rizomática pode ajudar muito.
De maneira geral e resumida, as cidades brasileiras não passaram pelo rígido esquema de quadras de nossos vizinhos colonizados por espanhóis. Quando observamos esta grade nas cidades coloniais, percebemos que a rigidez é outra, Paraty não é tão geométrica como Colonia del Sacramento, mesmo que nossa percepção indique que ambas seguem um mesmo “plano diretor”. O que ocorre é que nossa geografia e constituição também é outra.
O grande roteiro das reformas urbanas no Brasil (muitas vezes ainda) seguem o estilo do “bota abaixo”, ou da demolição do cabeça de porco, episódios já bem documentos que ocorreram no Rio de Janeiro – então capital do país[i]. O plano é simples, a constituição presente da cidade não atente os desejos de modernidade da época, então destroem todo e refazem a cidade, seguindo um plano de forte inspiração (e cópia) europeia. Neste sentido os grandes alvos são os cortiços, e logo em seguida as favelas.
Não há cidade no Brasil que não possua uma favela ou algo que se assemelhe a isto. No geral chamamos de favela lugares onde as habitações apresentam inúmeros problemas habitacionais como: mobilidade, saneamento, desmoronamento... Sabemos e não negamos que as favelas apresentam problemas de urbanidade. Porém o interessante é observar que durante anos o modelo seguido é um puro fascismo urbanistico, não abrindo mão de tratores para demolir tudo que está ali e reconstruir novamente algo o mais próximo possível de ideais iluministas/cartesianos. Nisto ainda somos reféns das quadras.
O rizoma ajuda a combater este fascismo urbanista, nos faz compreender de que não precisamos destruir uma favela para torná-la aprazível. Nos ajuda a entender que a favela é uma constituição diferente de urbanidade e para lidar com ela não precisamos destruí-la, mas sim compreende-la e aceita-la. E querendo ou não as cidades brasileiras se constituem de forma muito mais semelhante (e rizomática) as favelas do que ao rígido e geométrico plano de quadras. Esta é nossa realidade, não por acaso foi aqui que o conceito de bricolage ganhou forma, parece que esquecemos disto.



[i]  Para mais detalhes recomendo ver: CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: companhia das Letras, 1996.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Os Amigos - Kazumi Yumoto

          A literatura japonesa é para dentro. Talvez a metáfora cabível seja a do chá, já que tais livros pretendem entrar dentro de você da mesma forma que o chá que se bebe. O chá, para quem não sabe, é um elemento importante dentro da cultura nipônica, e segue sendo ao longo dos anos um grande bastião desta cultura. Assim sendo comparar tal literatura com o chá, parece fazer sentido. O chá queima quando desce, dá para sentir que ele está entrando e reagindo com seu corpo. Muitas vezes esquecemos que alimentar-se pode ser uma experiência estética.
          Porém, nutrir-se apenas de si parece levar a uma desnutrição. Neste sentido pensar o que te rodeia, mesmo sabendo que não se dá conta deste todo, revela-se tarefa constante e necessária. O livro consegue dar pequenas pontadas na sociedade (japonesa). Gosto de observar que construímos uma sociedade cada vez mais escolarizada – países como Alemanha e Japão são o grande exemplo – porém percebemos que isto não resolve todos os problemas aos quais a pedagogia se propõe (e é cobrada) à resolver. É curioso observar como o aprendizado e a vivência se fazem muito mais intensos nas aventuras do trio de amigos, do que nos momentos em que estão na escola. A escola acaba aparecendo como lugar de cobrança e chacota. Fora dela o leque de possibilidades dos garotos se amplia, e o olhar atento com as coisas ao redor dão o norte para pequenos questionamentos. Fragmentos para uma sociedade fragmentada. Nos cacos também é possível observar.
          Curioso como ao desejarem conhecer mais sobre a morte, a tríade consegue “exercer” melhor sua vida. Tal curiosidade, de alguma forma os conduz a novas experiências, e sensações podem ser ativadas a partir delas. Talvez assim possamos repensar a função da escola, já que esta fica apenas em pano de fundo, enquanto o aprendizado ocorre por meio de coisas triviais. E diferentemente de uma sala da aula tradicional, não há necessidade de instigar o sujeito, pois fora da sala, ele é constantemente instigado por sua realidade.
          O saldo advindo de uma sociedade extremamente previsível e regrada como parece ser a japonesa se reflete nos pais do trio de amigos. Além de ausentes, eles parecem estar fortemente abalados e buscam sua fuga em pontos possíveis, como o álcool ou depositar seus desejos e esperanças na criança (para que ele não seja dono de uma loja de sushis, por exemplo). Para agravar mais ainda o quadro, é todo este regramento que acaba por separar amigos que se relacionam tão bem, apesar das largas diferenças. É no interesse comum que eles acabam se encontrando. Apesar de tratar de uma sociedade tão diferente e ter a característica comum da literatura japonesa de voltar-se para dentro, podemos pegar algo que nos interesse, e quiça isto seja o que mais importa.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O livro das ignorãças - Manoel de Barros


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Sou um péssimo leitor de poesia, mas há algo em Manoel de Barros que me fascina. Creio que é sua proximidade com a natureza, não por acaso o Pantanal aparece constantemente. Vi em alguma entrevista de que Manoel de Barros não tem grande amor pela cidade, mas sim pelo Pantanal. Sua experiência na cidade não fora grande coisa, ao menos parece. Mesmo tendo viajado para várias cidades importantes, metrópoles, seu ambiente parece estar na mata.
Seus poemas parecem aproximar uma lupa sobre este verde que fascina, mas esta lupa de Manoel não parece cair no pecado do cientista, pois esta aproximação não busca o estudo de um assunto restrito esperando como conclusão a exaustão. Talvez busca nesta sua aproximação um distanciamento, dai sua referência a infância. O mundo adulto dá vontade de fugir, mas não para a cidade onde ninguém nos acha, mas para infância, quando a visão não estava tão viciada.
Esta aproximação com a natureza, apesar de poder parecer demais idílica e paradisíaca, acaba refletindo algo tão próximo de nós que acabamos não nos dando conta. De alguma forma Barros está falando do Brasil, que apesar de Belo Monte e toda uma sede de largas fatias da sociedade em busca de uma reprodução tropical do que se entende por Europa, vivemos num lugar diverso, plural, que não cessa de se mover. Esta é a mata, que além de cercar nossas cidades (Blumenau, Rio de Janeiro), cerca boa parte de nosso viver. Talvez seja mais necessário se refugiar para as montanhas do que trancar-se em casa. Creio que o selvagem transite entre a metáfora e o literal.
Sua proximidade com a natureza pode fazer com que sua poesia seja muito interessante a biólogos e deleuzianos. Já que é uma aproximação que não busca em momento algum naturalizar algo, arrisco dizer até que o contrário.
Tal desconstrução de lugares tão comuns não ocorre apenas por meio dessa constante figura do pantanal, a língua também entra no samba. No próprio título do livro já está explícito o que se encontrará repetidas vezes ao longo do livro. Como o autor bem indicou, agramaticar é parte fundante de sua poesia. O poeta brinca com a língua, faz da língua sua, se apropria dela e dança com ela, fazendo com que ela ceda aos movimentos necessários. Tudo isso ocorre numa tal harmonia que por vezes é custoso perceber. Tal atitude me lembra o que crianças muitas vezes fazem sem grande esforço, e nós tão orgulhosos da vida adulta, rimos tratando algumas vezes com escárnio. Sua agramáticação está intimamente ligada a natureza constantemente descrita, já que sua poesia parece ser em grande medida rizomática. E coloco isto considerando o fato de Manoel de Barros não ter ideia de quem seja Gilles Deleuze.
Não bastasse, Manoel de Barros se mostra como uma figura interessante, filiado ao Partido Comunista Brasileiro em sua juventude, o abandonou assim que Prestes e Vargas realizaram a famosa aliança, e quando fora indicado a academia brasileira de letras, preferiu não. Este poeta do pantanal pode orgulhar-se de escrever poemas que grudaram um péssimo leitor de poesia ao livro.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A era da Inocência - Denys Arcand (dir)¹


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Talvez antes tivéssemos mais. É difícil se posicionar no tradicional jogo do tempo e decidir se se prefere o passado ou o presente (enquanto o futuro se revela incerto). Dizer que a política já não existe mais ou de que está sem gás, talvez seja pura falta de visão para além de grupos partidários, pois movimentações não partidárias ou não arregimentadas aparecem cada vez mais, e vem se mostrando eficientes. Ou então colocar de que na política restou apenas frivolidades cotidianas, como o jeito que se escovam os dentes numa citação direta a Pondé, me parece também uma falta de visão para além de teorias totalizantes. Sabemos bem o que queremos, as vezes tão bem que acabamos caindo no pecado do cientista, o do foco excessivo. Porém falta algo mais em meio a política e a vida cada vez mais confortável – e estática – que galgamos ao longo do tempo.
Posso estar carregado de saudosismo, mas já indico que meu saudosismo com o passado se resume a uma máquina do tempo apenas para matar curiosidades e logo voltar. Entretanto o passado por vezes revela elementos distintos e que por vezes sejam interessantes. Mesmo vivendo em uma paz, uma não violência (física), incomparável com a Idade Média ou o mundo antigo, a falta de um desafio maior do que ascender em alguma carreira numa empresa de sucesso, ou a segurança de nossas rotinas acabam tirando algo do viver. Voltar ao passado se mostra uma conclusão de pouca reflexão, o que desejo é olhar para tempos passados o suficiente para mudar o presente. Dai a piada que muitas vezes possa parecer um retorno as histórias de cavaleiros. Precisamos de algo para lembrar que estamos vivos, e quiçá por vezes a dor sirva para isto.
E aqui entra Freud, autor que nunca li mais do que um ou dois textos, mas que parece evidenciar um dos inúmeros elementos modernos: a centralidade do sexo em nossas vidas. Podemos indicar o exemplo dos vitorianos, sempre tão vistos como gente que ignora o sexo. Entretanto é com eles que se começa a falar sobre o sexo como nunca, livros e trabalhos acadêmicos começam a surgir nesta época. Nossa opinião a respeito dos vitorianos se faz devido a nossa visão contemporânea sobre o sexo. Se me pedirem para indicar algo que indique a centralidade do sexo hoje, indicaria as comédias-românticas e suas inúmeras cenas envolvendo sexo ou em trocadilho direto.
Recordo que este texto é uma generalização, e para generalizar é necessário recorrer ao grosseiro.
Algumas vezes a vida só parece ter sentido graças ao sexo, as constantes utilizações de um vocabulário para “coisas boas” e sexo são recorrentes (orgasmo, gozar). Assim como uma fatal associação da palavra prazer. Parece que a única coisa que ainda faz muita gente se sentir viva é o sexo. O tempo e dinheiro que se dispende com isso é incrível, a atenção (desde Freud talvez) ao sexo está em um mesmo patamar. Me impressiona a necessidade cobrada das pessoas para que tenham uma vida sexual ativa. Celibato é muitas vezes sinônimo de piada. Talvez porque soe estranho abrir mão de algo (ao menos) visto como tão prazeroso. Não por acaso muita gente indique o sexo como uma necessidade tão básica quanto comer e dormir.
Entretanto podemos facilmente entrar numa crise ao percebermos esta limitação em que chega nossas vidas, percebendo que boa parte do viver está associado ao sexo. Resumir a vida a um único elemento soa desesperador, limitado, e logo aquilo que antes parecia indicar tão bem o quanto estávamos tão vivos, revela o quão previsíveis e repetitivos estamos. Então numa completa revolta podemos abrir mão deste elemento tão central de nossa vida moderna/pós-moderna/pós-pós-moderna, e nos darmos conta de que viver hoje em dia muitas vezes seja limitado. E talvez cheguemos a conclusão de que nos restou apenas o sexo por ainda não haver como nos privar de nosso corpo e nossa humanidade.
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¹ ou: "O que nos restou é o sexo". O texto não procura abordar unicamente o filme, mas sim reflexões que tem relação direta com a obra. Por isso recomendo assistir o filme, disponível aqui.