Apesar da linguagem mais difícil de Kieslowski, seu cinema busca
dialogar com a existência humana mantendo um diálogo com o sujeito
comum, ordinário, humilde. Seus personagens dificilmente são
grandes personalidades, quando muito são figuras que estariam em
segundo plano de alguma pessoa que ocupa uma posição social de
maior prestígio, a exemplo da mulher que é a viúva de um grande
maestro (caso de A liberdade é azul).
Em Sorte Cega,
Kieslowski procura dialogar com a aleatoriedade, as múltiplas
possibilidades que a vida pode colocar.
O roteiro é basicamente focado em mostrar três possibilidades numa
simples viagem de trem. O fato de pegar ou não o trem na estação
pode implicar em três destinos diferentes: se tornar um membro do
partido comunista polonês, militar na oposição anti-comunista
polonesa e a última opção seria concluir seus estudos em medicina
e seguir uma vida pacata evitando envolvimento algum com a situação
política polonesa.
Mesmo lidando com elementos como os caminhos possíveis da vida, há
no filme um forte caráter político, e por este motivo o filme
concluído em 1981 foi lançado apenas em 1987, devido as censuras do
governo polonês da época. O que está comum em todas as
possibilidades do filme é o fundo político, já que a adesão ao
partido comunista está ligado de alguma forma em realizar uma
mudança por dentro das entranhas do sistema político polonês, a
militância anti-comunista se dá pelo desejo em transformar a
realidade polonesa de uma forma muito mais combativa, direta e
militante, enquanto no último caso, por mais que Witek fuga dos
elementos políticos ele se vê cercado por eles, sendo forçado a
tomar alguma posição quando da condenação do filho de seu mentor,
que fica impossibilitado de viajar para a Líbia num importante
congresso.
O curioso é que na primeira opção, da qual Witek escolhe aderir ao
partido comunista, é o momento de menor ação política no filme,
mostrando o partido como algo burocrático e que não responde aos
desejos da população. E por mais claro e lúcido que possam ser os
pedidos, a estrutura partidária se mostra ineficiente e seus membros
ganham contornos cada vez mais atrapalhado e infantil. Conforme Witek
ganha prestígio no partido, ele se torna cada vez mais distante do
mundo real que o cerca. O filme parece ilustrar que a possibilidades
de mudança da situação polonesa por meio do partido como
pouquíssimo eficiente.
Na segunda possibilidade, a adesão
ao movimento de oposição parece buscar responder um pouco do que
foi posto na primeira possibilidade. Se não dá certo pelo partido,
poderia
dar certo pela resistência organizada. Witek vai tomar contato com
os grupos de oposição, mas é neste momento em que ele mais terá
problemas e precisará se dobrar em dois, a situação de constante
ameaça e perseguição se mostram cansativas, levando a pressões
para entregar seus colegas e também criando um clima de desconfiança
muito grande. Tornando esta situação não tão eficiente em relação
as anteriores, e de um custo pessoal muito alto.
Quando
resolve adotar uma vida medíocre sem nenhum envolvimento com a
política, Witek acaba sendo pego de surpresa por ela, sendo obrigado
a tomar uma posição e tendo o final mais trágico de todos.
Podemos
entender que Kieslowski buscava dialogar com a situação política
da Polônia na época da filmagem, já que é nos primeiros anos de
1980 que o Solidariedade está com tudo, sendo o primeiro sindicato
autônomo dentro do bloco socialista. Como era um momento de intensos
atritos políticos, Kieslowski parece estar deixando claro que não
havia muito como não se envolver ou se posicionar durante tais
eventos na mesa. Também mais do que isso, fica no ar a ideia de que
não se pode evitar alguns elementos, como no caso do filme pegar ou
não o trem, e partindo destes elementos inevitáveis o roteiro se
desenrola. No caso de Sorte
Cega
o elemento constante e que não se evita fugir é o elemento
político, presente em todas as três possibilidades.
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