segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Terra Sonâmbula - Mia Couto

Mia Couto é o mais consagrado escritor africano, por sinal terra sonâmbula é considerado um dos melhores livros africanos do século XX. Para aumentar ainda mais a propaganda, ele é moçambicano e para quem não sabe Moçambique tem como idiomas oficiais o português e outras línguas tribais.

O livro tem como pano de fundo a guerra civil que ocorreu em Moçambique após a independência de Portugal em 1975 onde grupos rivais se confrontavam pelo meio armado, atualmente Moçambique passa por uma estabilidade política desde o inicio da década de 1990 onde o partido da FRELIMO continua sendo o mais forte.

A história é baseada na visão de uma criança e um homem velho que vagam pela estrada procurando lugar e se instalam num ônibus, ali encontram um caderno que é uma espécie de diário. Mia Couto consegue costurar muito bem as duas histórias. O que me agradou muito é a constante presença da mitologia tradicional moçambicana, o tratamento em relação aos fantasmas - ou espíritos – se dá numa forma diferente da qual comumente nós teríamos. Em resumo não se tem medo ou receio que em geral se teria ao falar do assunto de espíritos.

A terra e os animais também partem de outra percepção, muito menos científica. Eu como fã de Dostoievski, leitor (fraco) de Nietzsche e Foucault, me interesso muito por este pensar não cientifico, este outro pensar e interpretar ao qual não somos muito habituados, que em resumo é utilizar um mecanismo de interpretação que não seja científico. Muito conhecimento borbulha destas mitologias não cientificas, e nisto Mia Couto consegue trabalhar muito bem.

Outra cosia trazida no romance que me interessa é a presença dos vários povos que habitam Moçambique, a religião muçulmana é em Moçambique, como em outros tantos países africanos, muito forte e há a presença de alguns árabes e também indianos com sua tradicional cultura comerciante. Por sinal todos os personagens indianos ou árabes tem seu comercio no livro. Algo que também não poderia faltar é sobre os portugueses, “os tuga” (de portuga), lembrando que Moçambique fora território português até 1975. E sobre os negros temos em resumo colocados numa posição menos interessante socialmente, em geral trabalhadores braçais. O livro não deixa de trazer algumas questões desta África pós-colonialismo, dentre estas questões a questão racial está entre elas, mas já declaro de antemão que pelo que me informei não podemos ir pela simples interpretação que temos e deve-se ter um pouco de conhecimento antes de fazer alguma acidental confusão.

Apesar de não ser lingüista e tão pouco estudar algo do gênero, a fato de existir em Moçambique mais do que uma língua falada me interessa muito, pois não sei se é pelo fato de ser brasileiro onde poucos não falam o português, temos pessoas que falam pelo menos dois idiomas em Moçambique, em geral o idioma tribal da região onde se nasceu e o português, isto é algo que vez por outra fica martelando em minha cabeça, pois não imagino como se dá o pensar em duas línguas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Palestina: uma nação ocupada - Joe Sacco

Hoje em dia nem tanto, mas durante a minha infância e os anos 90 praticamente todo dia tínhamos uma manchete a respeito dos confrontos envolvendo o Estado de Israel. Certamente uma manchete de, na maioria das vezes, menos de 1 minuto não vai esclarecer nada e acaba gerando a crença de que sabemos o suficiente sobre o assunto por ver algo sobre ele todo dia. Também vivemos uma correria do dia a dia e o jargão de “não tenho tempo” é constante. Nisto o trabalho de Joe Sacco onde ele realiza um jornalismo de qualidade (e devo admitir aqui que não gosto de 95% do que é produzido por jornalistas) aliado a quadrinhos de qualidade se torna cada vez mais de meu agrado.

Em geral a produção dos quadrinhos jornalísticos de Sacco são muito didáticos, digo isto pois eles introduzem bem um assunto, como a questão do fim da Iugoslávia ou a situação palestinos-Israel, não desconsiderando fatos passados e buscando ao máximo evitar a tendência de separar entre mocinhos e bandidos como muitas pessoas com a cabeça ainda na guerra fria gostam de pensar.

Este é o trabalho que rendeu prestígio para Joe Sacco, publicado nos idos da década de 1990 quando a situação parecia estar melhorando, onde tínhamos o reconhecimento mútuo da OLP e de Israel. O trabalho consiste em entrevistas com moradores de campos de refugiados (que já são cidades) e alguns judeus. O trabalho de Sacco trás coisas muito interessantes a respeito do conflito na região como o alto controle de Israel sobre a população palestina e as medidas tomadas para este controle (entre elas a tortura) e a questão do Estado de Israel (e o próprio sionismo). A situação desde a época em que fora publicada esta obra mudou muito.

O livro-quadrinho traz além destas questões da grande política alguma coisa a respeito do movimento feminista entre as palestinas, o que ajuda em muito a mudar os óculos com que se vêem os povos genericamente chamados de árabes, entre eles os palestinos.

É interessante que Joe Sacco não busca entender o conflito pelo viés religioso, mas sim por um viés muito mais político. A Obra trata de vários assuntos também, não deixando de fora, apesar de nas entrelinhas, notas a respeito do cotidiano na região (como o chá, o frio, os conflitos, as pessoas falando várias línguas, os colonos andando armados) o que cria um imaginário interessante a respeito da região.

Uma ótima leitura, e talvez uma boa oportunidade de ficar um pouco mais por dentro da questão palestina.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lutando na Espanha - George Orwell

O livro é na realidade uma junção de outros escritos e adendos. A parte do livro que narra a presença de Orwell na guerra civil espanhola é o “Homenagem à Catalunha”. As narrativas são impressionantes para se pensar o que foram aqueles dias. A narrativa de Orwell é muito entusiasta e devo confessar que o desenrolar da história me surpreendia pois a única coisa a respeito da guerra civil espanhola que eu sabia era que a Itália fascista e a Alemanha nazista deram apoio a Franco e que os revolucionários perderam a guerra. E mesmo imaginando o final (esse talvez seja o problema de contar uma “estória” com história) o livro me empolgou bastante.

O livro conta casos engraçadíssimos que ocorreram com Orwell durante a guerra e ajuda a dar uma noção do que era ficar naquelas trincheiras dias... É engraçado as observações de George Orwell a respeito dos espanhóis, em especial no que diz a respeito do horário, onde os espanhóis nunca acertam a hora, geralmente atrasados, mas vez por outra para a surpresa de todos, adiantados. Para se ter noção da indignação do inglês (o que imagino explica sua indignação) ele relata que a primeira palavra que ele aprendeu na Espanha fora mañana, pois segundo o autor sempre que perguntava a respeito de algo lhe respondiam mañana. Porém estas observações de George Orwell não podem ser consideradas preconceituosas a respeito dos espanhóis, pelo contrário, fica claro a paixão de Orwell por esse país, pela gente que lá vivia, não por menos que ele, assim como tantos outros, arriscou sua vida naquela guerra. Por sinal a indignação de Orwell a respeito da passividade das pessoas e jornalistas a respeito da guerra civil espanhola deixa claro esta sua paixão pelo lugar.

Certa vez tive a oportunidade de conversar com um espanhol, e fora justamente durante o período em que eu estava lendo o livro, não resisti em perguntar para ele a respeito da guerra civil espanhola, especialmente pelo fato de ele ser formado em uma área das humanas que não me recordo ao certo qual. Ele havia me dito que em geral, para as pessoas mais velhas e para a Espanha em si ainda é complicado falar a respeito da guerra ou de Franco, os mortos e desaparecidos foram enormes. A Espanha por sinal é uma monarquia e como reflexo da guerra e dos longos anos da ditadura de Franco, aqueles sindicatos que haviam durante a guerra não existem mais. A título de ilustração temos uma ilustração do que fora o governo franquista no fundo do filme “A Culpa é do Fidel” de Julie Gavras e a viagem que seu pai, Costa Gavras acompanhado de Michel Foucault e outros intelectuais fizeram a Espanha para protestar contra a pena de morte dada a presos políticos. Esses seriam dois casos do que ocorreu em território europeu até o fim do governo de Franco em 1975.

Lembrando também que havia pouco tempo a URSS existia e a Alemanha e a Itália tinham enorme quantidade de pessoas ligadas ao comunismo, socialismo e anarquismo, fazia pouco tempo havia ocorrido a revolução mexicana... O interessante deste tempo é que tínhamos estes extremos, os revolucionários e os conservadores. A primeira metade do século XX fora certamente uma época de grande agitação política, e nisto o livro de Orwell é certeiro pois narra como fora o calor do momento daqueles tempos.

Aliás, o livro ajuda muito a compreender onde Orwell queria chegar com “A revolução dos Bichos” e “1984”.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Z - (Dir.) Costa Gavras

Durante um período trabalhei no arquivo Histórico de Blumenau (AHJFS) e lá tive um pouco de contato com o material do Seo Holetz, um senhor fanático por cinema. Nesses materiais haviam livros catalogando “os 100, os 1000, os 200, os 10; melhores filmes”, nestas listas sempre figuravam filmes clássicos que eu já conhecia como:2001 e Casablanca, entre estes filmes sempre encontrava Z. Um belo dia assisti este filme.

Costa Gavras tem filmes altamente políticos e panfletários, mas não pensem que teremos um panfleto barato ou um cartilha. Temos em Z um dos melhores filmes políticos, mas não é um filme monótono como podemos imaginar muitos filmes políticos, ele não se deixa perder o fôlego. Antes de começar o filme, eles advertem que qualquer coincidência é meramente proposital. O filme relata a situação política na Grécia nos idos de 1960, onde os Estados Unidos pretendiam instalar bases de mísseis na Grécia (que fazia fronteira com países então socialistas).

O que o filme traz de interessante é um panorama existente na época desta bipolaridade entre os EUA X URSS, onde basicamente se era “obrigado” a se posicionar sob a sombra de um dos dois. No caso, os personagens principais são políticos de um partido de esquerda que pretendem realizar uma conferência pela paz. Numa de minhas partes favoritas do filme um sujeito berra algo para os militantes a respeito das bombas nucleares que a URSS possuía, nisto um militante responde, “somos contra a bomba, seja ela dos EUA ou da URSS”. O discurso proferido neste conferência me foi muito importante na época que assisti o filme, e me deixou pensando a respeito do porque não de tantas coisas. Algo simples que já pensava e foi reforçado, onde o discurso do porque dos exércitos de se defender dos “outros”, mas caso nenhum país possuísse exército, ninguém precisaria se defender de nada. Não pretendo ser tão simplista, mas é algo que pensava quando mas novo que tem seu mérito.

O que me confundiu ao chegar no fim do filme, é o fato de não saber se o filme em si era uma paródia dos golpes militares dados durante todo o século XX com apoio dos EUA, ou de algum lugar em especifico, pois estes golpes militares são em sua estrutura muito parecidos. Assim que algum candidato assumia algum cargo de grande influência e tinha propostas contrárias as dos EUA ou dos conservadores, tínhamos os militares tomando a força o poder. O filme “Chove sobre Santiago” também é muito parecido em alguns aspectos, traz esta demonstração do que foram estas ditaduras.

A introdução é muito interessante para pensar este “medo comunista” e que didáticas foram utilizadas, como no caso do filme, comparar os comunistas as bactérias que destroem as plantações. Também conhecemos aquela velha história que circula entre a classe média, de que se o Brasil virar comunista, teremos que dividir nossas casas com outras pessoas mais pobres. Já ouvi muito isto...

Aliás, este é o primeiro filme a ser indicado como o melhor do ano e o melhor estrangeiro simultaneamente.

Trailer comemorativo dos 40 anos do filme, com legendas em inglês: http://www.youtube.com/watch?v=e_tJ5N6pQcw&feature=related