segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O tambor (filme)

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          Os tempos mais antigos parecem mais plurais. O Estado sempre se mostra mais “fraco” no passado, e nisto vale lembrar que a essência do Estado é autoritária. Talvez por isso tempos anteriores acabam dando brechas de sua pluralidade. Isso é o que me interessa no enclave formado pela cidade de Danzig/Gdańsk (local onde se passa o filme), esta possível pluralidade. Apesar da maioria alemã, o filme acaba ilustrando a relação constante entre cassúbios, poloneses, judeus e alemães. Cada um com seus costumes particulares, e especialmente sua língua. É na língua e na linguagem que podemos clivar diferenças, e talvez a diferença e a pluralidade sejam mais necessários hoje do que nunca, já que a globalização parece diminuí-las e com isso aguçar nosso desejo por ela.
          O grande elemento acaba sendo a decepção, ou negação de Oskar para com a sociedade ao seu redor, ou "mundo adulto", que simboliza de alguma forma o futuro que se anuncia. Lhe desagrada e assim sendo ele decide parar de crescer, negando assim a desagradável possibilidade que anunciada por este crescimento. Não por acaso que o sujeito que deseja marcar na soleira da porta o progresso da altura de Oskar, é o nazista mais fervoroso da miríade de personagens. Ele que está ansioso pelo crescimento de Oskar, é quem se volta ao nazismo de tal forma que acabará esquecendo de sua esposa, deixando de alguma forma o amor de lado. Totalizando sua vida em um único foco, como parece ter acontecido com a população de língua alemã durante este famoso episódio - os nazis tinham 90% ou mais de aprovação popular.
          Apesar de estarmos acostumados a assim enxergar o assunto, o nazismo não surgirá do nada, a Alemanha se mostrou durante muito tempo como uma nação altamente militarizada, assim como com uma ciência de ponta. Da mesma forma o ódio aos judeus, o orgulho alemão, campos de concentração, militarismo e patriotismo surgem antes de Adolfinho e sua trupe. Ao negar a vida adulta, Oskar negava também os adultos ao seu redor, e eles estavam encharcados nestes elementos. E é este desejo por tantas coisas que o nazismo se pretendia dar conta (a promessa de um mundo mais “belo”, por exemplo1), que acaba com todo o pluralismo possível no princípio do filme, e que depois vai se deteriorando junto com a própria cidade de Danzig. É o desejo por tornar Danzig alemã, que acabará destruindo ela, ou ao menos o que ela foi. A cidade era aquela mescla toda, e lidar com o que está seria mais produtivo do que simplesmente destruir tudo2.
          Uma rápida análise histórica pode ser válida. Teremos o autor da obra indo até o passado para pensar reflexões de seu tempo. O tema da segunda guerra não era estudado nas escolas alemãs até a segunda metade da década de 1970, ficando assim o assunto muito a margem, o que é de se espantar ao pensarmos o caso alemão e a importância do assunto. Entender o nazismo como algo mais do que maluquice ou babaquice das pessoas também seria um bom ponto, já que boa parte dos personagens acabarão tendo algum envolvimento com esta política. O nazismo foi construído historicamente e uma série de fatores históricos o possibilitaram neste período. Também é importante lembrar aonde o nazismo conseguiu chegar (morte, destruição, fome, ódio...). Uma saudade por tempos passados também aparece de alguma forma no desejo para que Gdańsk volte a ser parte do Reich (o que efetivamente ocorreu até que a guerra acabasse). Talvez Günter Grass desejasse advertir para alguns fantasmas que rondam o tempo passado, tão recente no período em que escrevera a obra. E talvez este "mundo adulto", negado ao princípio do filme, acabe sendo a causa de tanta coisa complicada que aconteceu. E quem sabe por isso, apenas ao fim da guerra, Oskar tenha finalmente decidido crescer, pois ai então o "mundo adulto" (o futuro dele, mas o presente anunciado) pudesse se mostrar mais promissor, apesar de todas cicatrizes existentes no corpo.

1 Para elucidar melhor a questão, seria interessante assistir ao filme: Arquitetura da destruição.
2A cidade de Danzig ganhará o status de autônoma depois da 1ª guerra ficando no meio do “corredor polonês”. Mais tarde ao fim da 2ª guerra, novas penalidades territoriais colocarão Danzig definitivamente em território polonês. Junto com essa penalidade houve um planejamento para evacuação da população de língua alemã desta região. Atualmente a Polônia tem uma das comunidades minoritárias de língua alemã mais bem organizadas do planeta, existindo ainda cidades bilíngues.

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