terça-feira, 30 de outubro de 2012

TAZ, Zona Autônoma Temporária - Hakim Bey

          As coisas acabam. O grande trauma de muitas questões do nosso cotidiano é o fato de não entendermos que nada é eterno. Dai nossa decepção quando algo, onde tanto apostamos acabou não vingando. Da mesma maneira comumente esperamos que tudo melhore, quando talvez fosse mais saudável compreender que as coisas mudam, ganham outra forma, e tiveram a intensidade possível em seu momento.

          Neste sentido olhamos para os movimentos atuais com muita dúvida. Sua indefinição nos confunde, mas ao mesmo tempo diz muito mais do que queremos ouvir. Triste é o coro quase geral por um pedido de regresso ao estado de bem-estar social, que parece ser o grande mote dos protestos nos países em crise dentro da União Europeia. Concordo que é menos assustador que o burburinho de alguns europeus pelo regresso de regimes totalitários (em especial: Espanha, Portugal e Grécia, países com largo histórico de ditaduras). De qualquer forma em ambos podemos observar uma saudade do passado, algo sempre muito perigoso, ou desejo por uma estagnação (no caso chegar em algum ponto e ali ficar eternamente) que por sinal é pautada em tempos passados – seja o bem estar social europeu ou as ditaduras. Esta volta ao passado revela, dentre tantas coisas, este desejo por estagnação, pelo eterno, é uma lamentação pelo fato de algo terminar.

          Esta dificuldade por compreender que as coisas acabam se mostra mais perene no caso da chamada primavera árabe. Ao derrubarem os regimes ditatoriais (que durante anos não foram chamados assim pela mídia internacional) fora dito que uma avalanche por democracia varia estes povos. Pretensão tamanha a “desses ocidentais” que além de durante anos terem sustentado e apoiado estes regimes autoritários, agora dizem, antes mesmo de perguntar, que o desejo desses povos é por um regime igual ao nosso – e fica a pergunta, o que é afinal democracia? Não queremos aceitar que deste emaranhado chamado terceiro mundo possa vir a evidência mais autêntica dos últimos tempos, desprezo e descrença por fundamentos largamente construídos nos últimos 300 ou sei lá quantos anos. E há uma dificuldade em compreender isto, principalmente por não aceitarmos a possibilidade do fim.

          Talvez deixar de desejar tanto o eterno seja a melhor atitude, mas como apagar marcas inscritas de forma tão profunda em nossa pele? Talvez este seja o grande desafio atual. Também sabemos que não há como apagar estas marcas sem deixar outras, e concordo que pouco sabemos (ou aceitamos) que marcas poderiam ser estas. Nosso corpo é marcado, traumatizado, e muitas vezes acabamos criando alguma afeição pela cicatriz.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os Anos de Chumbo - Margarethe von Trotta


          Em definitivo utilizar-se do militarismo para combater o fascismo é no mínimo uma ideia equivocada ou complexa. Soa nada destoante de pretensos partidos políticos e figuras bem intencionadas que pretendem mudar a sociedade utilizando-se do atravancado sistema político formal que temos hoje (votar a cada dois anos). Mas de alguma forma olhar para estas experiências pode revelar algo proveitoso.
          Por alguma razão a década de 1970 foi povoada por grupos guerrilheiros, da mesma forma que por forte repressão e autoritarismo, por isso o termo “tempos de chumbo” - por sinal título do filme – é comumente utilizado. Neste sentido a obra é muito feliz ao escolher duas irmãs experienciando de forma distinta as mesmas angústias. Não só pelo jogo duplo, já que temos duas pessoas com desejos semelhantes seguindo caminhos diferentes, mas também pelo fato delas serem mulheres. Discussões a parte, podemos afirmar que nossa sociedade é muito mais machista do que nos damos conta, e apesar deste machismo também oprimir o homem, para a mulher fica reservado um lugar menos glorioso.
         Não só é neste período que o progresso técnico vai marcar a história das mulheres, principalmente pelas pílulas, como também mulheres vão tomar a frente em vários movimentos. E o caso alemão não é diferente, dai que não por acaso a maior parte dos membros do grupo Baader-Meinhof eram mulheres. Das três grandes figuras, duas eram mulheres (Gudrun Ensslin, Ulrike Meinhof). Os movimentos feministas ganham muito gás neste período, ecoando a revolução sexual que ocorria.
          Algo que me fascina na figura do terrorista, especialmente sobre este da década de 1970 que sabemos alguma coisa, diferente do “sem rosto” islâmico, é o risco e mudança de identidade que ele assume. Constantemente vive-se no limite, podendo ser preso ou morto a qualquer instante. Uma prática comum era mudar seu nome, mudando assim também sua identidade1. Algo que, ao menos de longe, parece ser muito intenso e arriscado. Desfazer vínculos nunca é tarefa fácil. E arriscar-se demonstra ser algo cada vez mais complicado nos dias de hoje.
           Outro elemento é toda a capacidade de elaborar redes e formas de contornar todas as limitações colocadas pelo aparato policial. Regras como evitar soltar alguma informação durante as primeiras 24 horas de tortura (algo que os interrogadores sabiam, e assim sendo faziam dessas 24 horas as mais duras), sempre circular evitando, por exemplo, dormir duas vezes no mesmo lugar, criar campos de treino clandestinos, códigos secretos, imprimir e ler textos proibidos, entre tantas outras coisas, demonstram uma capacidade inventiva muito forte. Assim como de contorno aos obstáculos colocados.
          Um dado interessante é que no geral as pessoas que acabavam organizando-se de alguma forma contra estes regimes autoritários, contemplavam aquela larga faixa chamada de classe média. E sobre isso olhar por uma ótica um pouco diferente da colocada no episódio da invasão da reitoria da USP, onde tal estrato foi representado como adolescentes mimados, prefiro perguntar o que levou sujeitos com um possível futuro tão confortável e estático no horizonte, saírem de sua “zona de conforto”? Nisto o filme acaba retratando os dois lados, a atriz que conduz a história acaba fazendo a vez da garota que terminou sua faculdade e mantem uma relação saudável com seu marido profissional liberal, ambos possuem certo capital cultural e econômico. Enquanto sua irmã é a terrorista, constantemente no limite, sendo algumas vezes até mesmo arrogante e controversa. Porém ambas são tocadas pelo incomodo e descontentamento. O que ocorre é que acabam seguindo caminhos diferentes, mas ambos acabam se mostrando duros e provocantes.
          O saldo que podemos ter disto tudo é pensar o quão necessário é falar e discutir sobre este período, até porque aqui também houve guerrilha, autoritarismo e uma confusão danada. Assim como também pensar que aparato é este que dá cabo das pessoas? Seja simulando suicídios de presos, seja pela falta dessa coisa chamada humanismo, pelas frestas encontradas pelas pessoas e porque tais válvulas de escape acabam surgindo e são tão necessárias?

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O livro das ignorãças - Manoel de Barros


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Sou um péssimo leitor de poesia, mas há algo em Manoel de Barros que me fascina. Creio que é sua proximidade com a natureza, não por acaso o Pantanal aparece constantemente. Vi em alguma entrevista de que Manoel de Barros não tem grande amor pela cidade, mas sim pelo Pantanal. Sua experiência na cidade não fora grande coisa, ao menos parece. Mesmo tendo viajado para várias cidades importantes, metrópoles, seu ambiente parece estar na mata.
Seus poemas parecem aproximar uma lupa sobre este verde que fascina, mas esta lupa de Manoel não parece cair no pecado do cientista, pois esta aproximação não busca o estudo de um assunto restrito esperando como conclusão a exaustão. Talvez busca nesta sua aproximação um distanciamento, dai sua referência a infância. O mundo adulto dá vontade de fugir, mas não para a cidade onde ninguém nos acha, mas para infância, quando a visão não estava tão viciada.
Esta aproximação com a natureza, apesar de poder parecer demais idílica e paradisíaca, acaba refletindo algo tão próximo de nós que acabamos não nos dando conta. De alguma forma Barros está falando do Brasil, que apesar de Belo Monte e toda uma sede de largas fatias da sociedade em busca de uma reprodução tropical do que se entende por Europa, vivemos num lugar diverso, plural, que não cessa de se mover. Esta é a mata, que além de cercar nossas cidades (Blumenau, Rio de Janeiro), cerca boa parte de nosso viver. Talvez seja mais necessário se refugiar para as montanhas do que trancar-se em casa. Creio que o selvagem transite entre a metáfora e o literal.
Sua proximidade com a natureza pode fazer com que sua poesia seja muito interessante a biólogos e deleuzianos. Já que é uma aproximação que não busca em momento algum naturalizar algo, arrisco dizer até que o contrário.
Tal desconstrução de lugares tão comuns não ocorre apenas por meio dessa constante figura do pantanal, a língua também entra no samba. No próprio título do livro já está explícito o que se encontrará repetidas vezes ao longo do livro. Como o autor bem indicou, agramaticar é parte fundante de sua poesia. O poeta brinca com a língua, faz da língua sua, se apropria dela e dança com ela, fazendo com que ela ceda aos movimentos necessários. Tudo isso ocorre numa tal harmonia que por vezes é custoso perceber. Tal atitude me lembra o que crianças muitas vezes fazem sem grande esforço, e nós tão orgulhosos da vida adulta, rimos tratando algumas vezes com escárnio. Sua agramáticação está intimamente ligada a natureza constantemente descrita, já que sua poesia parece ser em grande medida rizomática. E coloco isto considerando o fato de Manoel de Barros não ter ideia de quem seja Gilles Deleuze.
Não bastasse, Manoel de Barros se mostra como uma figura interessante, filiado ao Partido Comunista Brasileiro em sua juventude, o abandonou assim que Prestes e Vargas realizaram a famosa aliança, e quando fora indicado a academia brasileira de letras, preferiu não. Este poeta do pantanal pode orgulhar-se de escrever poemas que grudaram um péssimo leitor de poesia ao livro.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A era da Inocência - Denys Arcand (dir)¹


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Talvez antes tivéssemos mais. É difícil se posicionar no tradicional jogo do tempo e decidir se se prefere o passado ou o presente (enquanto o futuro se revela incerto). Dizer que a política já não existe mais ou de que está sem gás, talvez seja pura falta de visão para além de grupos partidários, pois movimentações não partidárias ou não arregimentadas aparecem cada vez mais, e vem se mostrando eficientes. Ou então colocar de que na política restou apenas frivolidades cotidianas, como o jeito que se escovam os dentes numa citação direta a Pondé, me parece também uma falta de visão para além de teorias totalizantes. Sabemos bem o que queremos, as vezes tão bem que acabamos caindo no pecado do cientista, o do foco excessivo. Porém falta algo mais em meio a política e a vida cada vez mais confortável – e estática – que galgamos ao longo do tempo.
Posso estar carregado de saudosismo, mas já indico que meu saudosismo com o passado se resume a uma máquina do tempo apenas para matar curiosidades e logo voltar. Entretanto o passado por vezes revela elementos distintos e que por vezes sejam interessantes. Mesmo vivendo em uma paz, uma não violência (física), incomparável com a Idade Média ou o mundo antigo, a falta de um desafio maior do que ascender em alguma carreira numa empresa de sucesso, ou a segurança de nossas rotinas acabam tirando algo do viver. Voltar ao passado se mostra uma conclusão de pouca reflexão, o que desejo é olhar para tempos passados o suficiente para mudar o presente. Dai a piada que muitas vezes possa parecer um retorno as histórias de cavaleiros. Precisamos de algo para lembrar que estamos vivos, e quiçá por vezes a dor sirva para isto.
E aqui entra Freud, autor que nunca li mais do que um ou dois textos, mas que parece evidenciar um dos inúmeros elementos modernos: a centralidade do sexo em nossas vidas. Podemos indicar o exemplo dos vitorianos, sempre tão vistos como gente que ignora o sexo. Entretanto é com eles que se começa a falar sobre o sexo como nunca, livros e trabalhos acadêmicos começam a surgir nesta época. Nossa opinião a respeito dos vitorianos se faz devido a nossa visão contemporânea sobre o sexo. Se me pedirem para indicar algo que indique a centralidade do sexo hoje, indicaria as comédias-românticas e suas inúmeras cenas envolvendo sexo ou em trocadilho direto.
Recordo que este texto é uma generalização, e para generalizar é necessário recorrer ao grosseiro.
Algumas vezes a vida só parece ter sentido graças ao sexo, as constantes utilizações de um vocabulário para “coisas boas” e sexo são recorrentes (orgasmo, gozar). Assim como uma fatal associação da palavra prazer. Parece que a única coisa que ainda faz muita gente se sentir viva é o sexo. O tempo e dinheiro que se dispende com isso é incrível, a atenção (desde Freud talvez) ao sexo está em um mesmo patamar. Me impressiona a necessidade cobrada das pessoas para que tenham uma vida sexual ativa. Celibato é muitas vezes sinônimo de piada. Talvez porque soe estranho abrir mão de algo (ao menos) visto como tão prazeroso. Não por acaso muita gente indique o sexo como uma necessidade tão básica quanto comer e dormir.
Entretanto podemos facilmente entrar numa crise ao percebermos esta limitação em que chega nossas vidas, percebendo que boa parte do viver está associado ao sexo. Resumir a vida a um único elemento soa desesperador, limitado, e logo aquilo que antes parecia indicar tão bem o quanto estávamos tão vivos, revela o quão previsíveis e repetitivos estamos. Então numa completa revolta podemos abrir mão deste elemento tão central de nossa vida moderna/pós-moderna/pós-pós-moderna, e nos darmos conta de que viver hoje em dia muitas vezes seja limitado. E talvez cheguemos a conclusão de que nos restou apenas o sexo por ainda não haver como nos privar de nosso corpo e nossa humanidade.
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¹ ou: "O que nos restou é o sexo". O texto não procura abordar unicamente o filme, mas sim reflexões que tem relação direta com a obra. Por isso recomendo assistir o filme, disponível aqui.