terça-feira, 1 de março de 2011

THX 1138 - George Lucas (Roteiro e Direção)

Lucas é o famoso diretor e idealizador de guerra nas estrelas. Não quero dar ou tirar mérito algum de guerra nas estrelas pela razão de que vi dois filmes da série cinematográfica quando pequeno e dos meus 11 anos para cá devo considerar que minhas visões e gostos além de uma série de coisas mudaram. Além do detalhe básico de que não lembro muita coisa do que eu assisti.

Porém THX 1138 é um filme fenomenal, lançado em 1970 o filme traz uma carga de atualidade fortíssima e talvez maior do que outras ficções que já li ou assisti (diga-se de passagem o trio clássico formado por: 1984, admirável mundo novo e um pouco menos conhecido talvez; fahrenheit 148). Creio que isto se dá pelo filme trazer a questão econômica de uma forma mais clara do que os citados anteriormente. Se em 1984 e Fahrenheit temos a eliminação dos indivíduos indesejáveis (com certa ressalva para 1984 que primeiro recupera, depois elimina) e Admirável mundo novo que simplesmente isola evitando ao máximo a eliminação, em THX temos um investimento claro em “recuperar” as pessoas. Contanto que a polícia que existe no filme está ali sob o pretexto de ajudar, evitando ao máximo o contato físico direto. Isto me lembrou muito as novas técnicas desenvolvidas, que de certa forma procuram anestesiar, imobilizar, do que interferir pelo uso de força física (e aqui pode-se ler a palavra porrada). Logo quem sabe a polícia estará usando dardos que fazem as pessoas dormirem ou algum bastão que interfere em seus movimentos físicos, porém a ideia complicada de controle está ali.

Talvez a palavra anestesia, ou como eu uso frequentemente; morfina, sejam as palavras certas. Busca-se cortar ao máximo os sentimentos das pessoas, fazendo com que sejam quase robôs. A distribuição de uma ração diária de remédios e a fácil consulta a alguma ajuda por meio do espelho do banheiro faz com que eu lembre diretamente do que temos hoje sendo feito sob o suporte da psicologia (e aqui quero deixar claro que faço generalizações que podem, certamente, em algum momento serem chamadas de absurdas, como creio que toda generalização força muitas vezes), onde não se busca em si resolver o problema que aflige a pessoa, apenas se busca fazer com que ela se conforme com tudo que está a incomodando e se dá para ela alguma droga que a anestesie. Por exemplo, um funcionário está muito estressado em seu trabalho, não se buscará mudar as condições do trabalho dele, ele terá que continuar cumprindo as metas, mesmo que muitas vezes o regime explorador de trabalho ao qual ele é submetido cause uma série de transtornos. Para quê interferir nos lucros se eu posso simplesmente deixar a pessoa anestesiada. Caso algum trabalho cause dor nas pessoas que a realizem, não se buscará a mudança ou anulação daquele trabalho, se dará morfina para que a dor cesse e ele continue a trabalhar. É basicamente a metáfora que costumo utilizar de jogar areia num buraco que temos numa rodovia, não é preciso ser um grande estudioso para entender que isto não irá durar muito tempo e logo precisará jogar areia no buraco novamente. Este jogo do anestesiar para não parar é algo que para mim soa muito atual, e a pouco distancia que nos separa deste filme dá este “quê” de atualidade.

Outro ponto no filme é que se procura inserir este individuo novamente no circulo normal da sociedade instituída enquanto ele for economicamente viável, a partir do momento em que não vale mais a pena ele é deixado por sua conta. Tal qual fazemos com um bem nosso, consertamos o carro mas preferimos comprar um liquidificador novo. Isto me lembra a política que é forte em especial a partir da segunda guerra e mais ainda durante a guerra do Vietnã, onde vale mais recuperar um soldado ferido, do que gastar muito mais na produção de um novo soldado.

O filme é denso, o que por sinal causou seu fracasso de bilheteria, e traz inúmeras questões (outras além das que trabalhei um pouco aqui). A respeito de minhas análises elas são generalizadas e superficiais, como não pretendo gerar textos muitos extensos e profundos, isto muitas vezes ocorre.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Terra Sonâmbula - Mia Couto

Mia Couto é o mais consagrado escritor africano, por sinal terra sonâmbula é considerado um dos melhores livros africanos do século XX. Para aumentar ainda mais a propaganda, ele é moçambicano e para quem não sabe Moçambique tem como idiomas oficiais o português e outras línguas tribais.

O livro tem como pano de fundo a guerra civil que ocorreu em Moçambique após a independência de Portugal em 1975 onde grupos rivais se confrontavam pelo meio armado, atualmente Moçambique passa por uma estabilidade política desde o inicio da década de 1990 onde o partido da FRELIMO continua sendo o mais forte.

A história é baseada na visão de uma criança e um homem velho que vagam pela estrada procurando lugar e se instalam num ônibus, ali encontram um caderno que é uma espécie de diário. Mia Couto consegue costurar muito bem as duas histórias. O que me agradou muito é a constante presença da mitologia tradicional moçambicana, o tratamento em relação aos fantasmas - ou espíritos – se dá numa forma diferente da qual comumente nós teríamos. Em resumo não se tem medo ou receio que em geral se teria ao falar do assunto de espíritos.

A terra e os animais também partem de outra percepção, muito menos científica. Eu como fã de Dostoievski, leitor (fraco) de Nietzsche e Foucault, me interesso muito por este pensar não cientifico, este outro pensar e interpretar ao qual não somos muito habituados, que em resumo é utilizar um mecanismo de interpretação que não seja científico. Muito conhecimento borbulha destas mitologias não cientificas, e nisto Mia Couto consegue trabalhar muito bem.

Outra cosia trazida no romance que me interessa é a presença dos vários povos que habitam Moçambique, a religião muçulmana é em Moçambique, como em outros tantos países africanos, muito forte e há a presença de alguns árabes e também indianos com sua tradicional cultura comerciante. Por sinal todos os personagens indianos ou árabes tem seu comercio no livro. Algo que também não poderia faltar é sobre os portugueses, “os tuga” (de portuga), lembrando que Moçambique fora território português até 1975. E sobre os negros temos em resumo colocados numa posição menos interessante socialmente, em geral trabalhadores braçais. O livro não deixa de trazer algumas questões desta África pós-colonialismo, dentre estas questões a questão racial está entre elas, mas já declaro de antemão que pelo que me informei não podemos ir pela simples interpretação que temos e deve-se ter um pouco de conhecimento antes de fazer alguma acidental confusão.

Apesar de não ser lingüista e tão pouco estudar algo do gênero, a fato de existir em Moçambique mais do que uma língua falada me interessa muito, pois não sei se é pelo fato de ser brasileiro onde poucos não falam o português, temos pessoas que falam pelo menos dois idiomas em Moçambique, em geral o idioma tribal da região onde se nasceu e o português, isto é algo que vez por outra fica martelando em minha cabeça, pois não imagino como se dá o pensar em duas línguas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Palestina: uma nação ocupada - Joe Sacco

Hoje em dia nem tanto, mas durante a minha infância e os anos 90 praticamente todo dia tínhamos uma manchete a respeito dos confrontos envolvendo o Estado de Israel. Certamente uma manchete de, na maioria das vezes, menos de 1 minuto não vai esclarecer nada e acaba gerando a crença de que sabemos o suficiente sobre o assunto por ver algo sobre ele todo dia. Também vivemos uma correria do dia a dia e o jargão de “não tenho tempo” é constante. Nisto o trabalho de Joe Sacco onde ele realiza um jornalismo de qualidade (e devo admitir aqui que não gosto de 95% do que é produzido por jornalistas) aliado a quadrinhos de qualidade se torna cada vez mais de meu agrado.

Em geral a produção dos quadrinhos jornalísticos de Sacco são muito didáticos, digo isto pois eles introduzem bem um assunto, como a questão do fim da Iugoslávia ou a situação palestinos-Israel, não desconsiderando fatos passados e buscando ao máximo evitar a tendência de separar entre mocinhos e bandidos como muitas pessoas com a cabeça ainda na guerra fria gostam de pensar.

Este é o trabalho que rendeu prestígio para Joe Sacco, publicado nos idos da década de 1990 quando a situação parecia estar melhorando, onde tínhamos o reconhecimento mútuo da OLP e de Israel. O trabalho consiste em entrevistas com moradores de campos de refugiados (que já são cidades) e alguns judeus. O trabalho de Sacco trás coisas muito interessantes a respeito do conflito na região como o alto controle de Israel sobre a população palestina e as medidas tomadas para este controle (entre elas a tortura) e a questão do Estado de Israel (e o próprio sionismo). A situação desde a época em que fora publicada esta obra mudou muito.

O livro-quadrinho traz além destas questões da grande política alguma coisa a respeito do movimento feminista entre as palestinas, o que ajuda em muito a mudar os óculos com que se vêem os povos genericamente chamados de árabes, entre eles os palestinos.

É interessante que Joe Sacco não busca entender o conflito pelo viés religioso, mas sim por um viés muito mais político. A Obra trata de vários assuntos também, não deixando de fora, apesar de nas entrelinhas, notas a respeito do cotidiano na região (como o chá, o frio, os conflitos, as pessoas falando várias línguas, os colonos andando armados) o que cria um imaginário interessante a respeito da região.

Uma ótima leitura, e talvez uma boa oportunidade de ficar um pouco mais por dentro da questão palestina.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lutando na Espanha - George Orwell

O livro é na realidade uma junção de outros escritos e adendos. A parte do livro que narra a presença de Orwell na guerra civil espanhola é o “Homenagem à Catalunha”. As narrativas são impressionantes para se pensar o que foram aqueles dias. A narrativa de Orwell é muito entusiasta e devo confessar que o desenrolar da história me surpreendia pois a única coisa a respeito da guerra civil espanhola que eu sabia era que a Itália fascista e a Alemanha nazista deram apoio a Franco e que os revolucionários perderam a guerra. E mesmo imaginando o final (esse talvez seja o problema de contar uma “estória” com história) o livro me empolgou bastante.

O livro conta casos engraçadíssimos que ocorreram com Orwell durante a guerra e ajuda a dar uma noção do que era ficar naquelas trincheiras dias... É engraçado as observações de George Orwell a respeito dos espanhóis, em especial no que diz a respeito do horário, onde os espanhóis nunca acertam a hora, geralmente atrasados, mas vez por outra para a surpresa de todos, adiantados. Para se ter noção da indignação do inglês (o que imagino explica sua indignação) ele relata que a primeira palavra que ele aprendeu na Espanha fora mañana, pois segundo o autor sempre que perguntava a respeito de algo lhe respondiam mañana. Porém estas observações de George Orwell não podem ser consideradas preconceituosas a respeito dos espanhóis, pelo contrário, fica claro a paixão de Orwell por esse país, pela gente que lá vivia, não por menos que ele, assim como tantos outros, arriscou sua vida naquela guerra. Por sinal a indignação de Orwell a respeito da passividade das pessoas e jornalistas a respeito da guerra civil espanhola deixa claro esta sua paixão pelo lugar.

Certa vez tive a oportunidade de conversar com um espanhol, e fora justamente durante o período em que eu estava lendo o livro, não resisti em perguntar para ele a respeito da guerra civil espanhola, especialmente pelo fato de ele ser formado em uma área das humanas que não me recordo ao certo qual. Ele havia me dito que em geral, para as pessoas mais velhas e para a Espanha em si ainda é complicado falar a respeito da guerra ou de Franco, os mortos e desaparecidos foram enormes. A Espanha por sinal é uma monarquia e como reflexo da guerra e dos longos anos da ditadura de Franco, aqueles sindicatos que haviam durante a guerra não existem mais. A título de ilustração temos uma ilustração do que fora o governo franquista no fundo do filme “A Culpa é do Fidel” de Julie Gavras e a viagem que seu pai, Costa Gavras acompanhado de Michel Foucault e outros intelectuais fizeram a Espanha para protestar contra a pena de morte dada a presos políticos. Esses seriam dois casos do que ocorreu em território europeu até o fim do governo de Franco em 1975.

Lembrando também que havia pouco tempo a URSS existia e a Alemanha e a Itália tinham enorme quantidade de pessoas ligadas ao comunismo, socialismo e anarquismo, fazia pouco tempo havia ocorrido a revolução mexicana... O interessante deste tempo é que tínhamos estes extremos, os revolucionários e os conservadores. A primeira metade do século XX fora certamente uma época de grande agitação política, e nisto o livro de Orwell é certeiro pois narra como fora o calor do momento daqueles tempos.

Aliás, o livro ajuda muito a compreender onde Orwell queria chegar com “A revolução dos Bichos” e “1984”.