quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Processo Civilizador V. 1 - Norbert Elias

Faz algum tempo que certo programa dominical havia chamado uma especialista em etiqueta para falar sobre “Roupa no Trabalho”. De certa forma ali foram indicadas condutas a respeito da vestimenta no ambiente de laboro. Conversando com meus pais a respeito, lhes disse que esta questão de policiar a roupa de uma pessoa era algo que procura mais do que “vestir bem”. Então eles me responderam que é necessário usarmos uma roupa adequada. Em seguida citei o ambiente jurídico onde é necessário trajar terno, não importando o clima (verão, inverno). Me disseram aquilo que ouvi professores universitários falarem: que esta norma é um sinal de respeito. Minha argumentação fora simples, sinal de respeito não seria obrigar alguém a trajar tal roupa, mas sim deixá-la vestir a roupa que bem lhe conviesse. Fazer piadas pela roupa de alguém por não trajar algo respeitoso me é incomodo. Ainda falando em roupa, certa vez um amigo meu ouvira a célebre frase de seu avô, de que com a roupa que estava vestido (no caso camiseta de banda e jeans velho) parecia um marginal. Na hora ele retrucou uma resposta semelhante a criança que berrou que o rei estava nu, “olha vô, quem mais rouba usa terno e gravata”.
Bem, podemos ver nisto tudo uma série de códigos de boa conduta ou de conduta civilizada. Apesar de minha leitura que além de fraca, tem um forte peso foucaultiano, Elias vai falar justamente de uma questão semelhante. Depois de ler este livro quando dizem “civilização”, os contornos já são outros. De forma geral vamos ter manuais de etiqueta que vão buscando transformar os hábitos das pessoas. A princípio deveria ser para diferenciar a nobreza “do resto” - que me perdoem os fundamentalistas da classe média, mas também estamos aí1. É interessante ir vendo como isto vai se espalhando, como cada lugar vai desenvolver seus códigos de etiqueta, e como uma pessoa da corte de Bolonha pode gerar um pequeno estranhamento na corte de Budapeste (e vice versa), mesmo sendo educado na mais fina etiqueta de sua região.
Quase podemos ver isto como os códigos de que falava meu primo em Buenos Aires, quando íamos a algum café observar as pessoas e ele me falava de gestos e atitudes que demonstravam respeito (a exemplo de uma pizzaria onde os “esnobes” sentavam mais ao fundo). Porém no caso porteño não fora escrito manual algum sobre a conduta a ser tomada na cidade. Mas é curioso como não seguir tais “regras” nos geram incômodos, ou até mesmo asco. Nisto me recordo de alguns jornais que ao reclamarem dos sujeitos que faziam barulho pela cidade tarde da noite os nomeavam de “botocudos” e que eles se constituíam como indivíduos a margem¹. Casos a parte, porém ambas norteadas por regras de conduta. A diferença é que no caso citado por Norbert Elias haviam manuais, e no citado por mim não.
Observem bem que o que os condicionou a tal status fora seu comportamento. Isto justificou utilizar a metáfora horrível da cidade sobre a mata, do europeu sobre o índio, da civilização sobre a barbárie. E a civilização aqui talvez seja diferente da de Vico: onde houver mito de criação, celebração do matrimônio e sepultamento dos mortos, ali temos uma civilização. E no cotidiano, na fala das pessoas, civilização se constitui por tecnologia, economia, hábitos e condutas. A educação de que tanto gostamos de falar não passa por um domínio de grandes teoremas, Platão ou Leibniz. Ela parece estar muito mais na forma de se portar, na roupa que se usa (porque tanto terno?), no uso de talheres, na língua que se fala. Damos importância a tudo isto, e talvez até mesmo Lucy se importasse com a conduta de seus semelhantes, realente não sei, mas o para onde olhamos assim que encontramos alguém não ocorre por acaso, muito menos gerado por um processo “natural”.
Creio que a observação feita pelo autor seja uma boa forma de encerrar este texto tão curto e insuficiente:
“Freqüentemente se diz ‘o quanto nós progredimos além desse padrão!’, embora, em geral, não fique bem claro quem é o ‘nós’ com quem a pessoa se identifica nessas ocasiões, como se merecesse parte do crédito” (ELIAS, p.81).



¹ “Mais uma vez o nosso apelo tendo em vista que Blumenau já alcançou a sua maturidade no que alude aos fóros de civilização, e o que se verifica, no caso em pauta é ato de individuos botocudos que estão a margem da lei.” - retirado do jornal Combate, nr 11, 11 de fevereiro de 1962 

domingo, 18 de dezembro de 2011

O Imperialismo Sedutor - Antonio Pedro Tota

    É incrível como o Brasil, de uma forma geral, é americanizado. Mesmo aqui no sul do país onde tanto se fala da imigração europeia, da influência deste processo de imigração e tudo o mais, os EUA são a grande referência. Meu exemplo favorito é observar os filmes em cartaz no cinema. Raramente há algum “forasteiro” entre todos aqueles holliudianos. Nacionais até temos, claro há leis obrigando a isto. Sem falar que há uma tal “boa fase” do cinema nacional. Porém os grandes filmes, os que recebem mais do que uma sala, que têm os horários mais flexíveis vêm da tão comentada Hollywood.
A música que ouvimos na rádio não foge muito do que observamos no cinema, novamente os nacionais ali sob a égide de uma lei. Até mesmo fuçando blogs na internet atrás de músicas, filmes e afins, mesmo sendo algo completamente fora dos circuitos comerciais, boa parte é produzido por estadunidenses e vez por outra algum londrino aparece. Não para por aí. Basta verificar o número de escolas de idioma, até oferecem outras opções, mas salvo as em estreita relação com as embaixadas (Aliança francesa, por exemplo), o carro chefe sempre é o inglês. Não falamos o inglês da Jamaica, Austrália, Nigéria ou África do Sul, mesmo sabendo que estes lugares falam inglês. Falamos o inglês daqueles filmes, daquelas músicas, daqueles seriados, onde a grande referência são os EUA.
    E o ponto mais interessante deste livro é interpretar o processo de americanização não como um hambúrguer enfiado goela abaixo dos pobres brasileiros. Ora, gostamos de assistir as ridículas séries, mesmo sabendo que são bobas e enlatadas, aquela música comercial (ou não) nos agrada, estranhamos o rock russo ou o “próximo” espanhol. Imagine que Fantasia e Alô amigos são produzidos antes de 1950, e rapaz, que qualidade! Num primeiro momento havia certa resistência, pois os estadunidenses eram vistos como rudes, incultos, rednecks. Com o tempo foram mudando sua imagem, apresentando-se como terra de grandes mentes, da industrialização e do progresso. O grande colaborador para isto fora a saída da segunda guerra mundial como a maior economia do mundo.
    Antônio Tota traz uma abordagem nova sobre um velho assunto. Talvez este texto e a leitura levem a uma grande confusão a respeito do processo de americanização no Brasil, e o leitor pode estar se perguntando: “Afinal gajo, tu és contra ou a favor da americanização, ela te parece boa ou ruim?”. E penso fazer um coro a Tota ao colocar que o mais importante no momento, é entender de que podemos até gostar desta forte influência estadunidense (Filmes, música, séries...), ela nos cai bem, é bacana falar inglês e este hambúrguer nem foi tão goela abaixo assim, mas este processo não se deu de forma “natural”.
    A cultura moçambicana é rica como a russa ou polonesa, mas gostamos mais do que vêm dos Estados Unidos. O que quase nunca se traz para a discussão é a mediação dos governos brasileiro e americano nesta aproximação cultural, que servia de fronte a interesses econômicos, o Brasil com seu café e os EUA com seu excedente. Da mesma forma que os estúdios Disney filmaram o Alô amigos, Carmem Miranda encontrou espaço no mercado estadunidense. Mesmo que atualmente a influência dos EUA seja muito mais perceptível no Brasil do que a brasileira nos EUA. Podem até enfiar o hambúrguer goela abaixo, mas antes nos ofereceram ele rodeado de bela propaganda.
    É bacana ler este livro compreender melhor a forma com que se dá esta relação cultural, como pessoas podem tomar este país como modelo e não aquele outro. Não é falar se este processo é positivo ou negativo, mas compreender como ele funciona, para como as regras de um jogo, saber como utilizá-las e o que fazer com elas.  

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Valsa com Bashir - Ari Folman (dir.)


Já postei aqui sobre a questão Palestina por meio do trabalho de Joe Sacco. Li também seu trabalho mais recente, Notas de Gaza, que se mostrou tão bom quanto o Palestina: uma nação ocupada. Neste sentido, Valsa para Bashir se mostra como um complemento riquíssimo para estas duas obras que eu já conhecia. O filme é uma bela animação com uma boa trilha sonora, que vai tratar do massacre que ocorrera durante a guerra civil libanesa no campo de refugiados palestinos Sabra e Bashila na região de Beirute (capital do Líbano). O filme tem um toque de sensibilidade único, creio que as paisagens e os diálogos em hebraico fortalecem isto.
O documentário-animação se sustenta nas memórias recentes de um tal diretor de documentários1 que participou da invasão israelense durante a guerra civil libanesa enquanto cumpria o serviço militar obrigatório(que em Israel dura três anos). A idade e o tempo bem nos ensinam que nossas memórias vão ficando nubladas, e buscamos esquecer principalmente aqueles fatores que nos desagradam. Por isso é difícil para o personagem principal restituir as peças do infeliz episódio em Beirute.
Algumas coisas não ficam claras no filme e vale a pena trazer. O elemento que norteia a guerra civil é a eleição de Bashir para presidente do Líbano. Porém o fato é que, na legislação da época ao menos, apenas pessoas da religião católica meronita poderiam ser eleitos presidentes (confesso que desconheço a situação atual libanesa). De quebra a OLP (grupo do Yasser Arafat) estava instalado fazia algum tempo em Beirute, assim como vários campos de refugiados palestinos, fatores mal vistos pelas Falanges Libanesas (facção armada de maioria meronita), que junto com a OLP exercia um para-Estado dentro do Estado libanês.
Geralmente quando se fala de Israel e seus conflitos esquecemos que muitos dos soldados não servem por que querem, até porque o serviço é obrigatório, e mesmo dentro de um tanque sente-se medo já que se pode levar um tiro a qualquer momento. É um filme que consegue ser crítico a situação de guerra na região sem fazer uma risca dividindo entre “bons e ruins”. O próprio esquecimento revela a aversão a tais memórias...
Em boa medida a obra fugiu de lugares comuns, exceto talvez no quesito dos relatos de guerra, que salvo filmes fictícios, são sempre rodeados pelo tédio e desespero. Mas imagino que uma guerra deve ser assim mesmo, aliás, também não desejo ter contato algum com tal experiência.








1Ao que tudo indica é o próprio Ari Folman.