terça-feira, 20 de março de 2012

O chefão - Mario Puzo

     Geralmente não gosto de falar sobre algo em que todos estão falando, ou fazer posts em homenagem, mas como por mero acaso li o livro do filme a pouco tempo, assim como há tempos desejava escrever algo sobre a fatídica história, publico esta resenha tosca. Diferenças entre o livro e o filme ficarão de lado, dois clichês já são demais.
     Mario Puzo intentava ser escritor já fazia algum tempo, sem contudo lograr êxito. Sua magnun opus acabou se tornando “O Chefão”. O livro alcançou grande sucesso na época, o que mais tarde ocasionou o filme. A história é densa, Puzo consegue passear por entre os personagens, alternando quem é o principal, não havendo tão tradicional figura de forma fixa. Exceto Tom Hagen que se mantém constantemente coadjuvante, porém presente, o que creio, colabora para sua figura de “Consigliori”.
     O que me impressiona é o conhecimento de Puzo sobre este ambiente. Apesar de ter-se rendido a fórmulas do mercado ao construir a obra, alguns elementos destoantes do senso comum aparecem. Sempre considerei a tradução do título péssima. O padrinho se revela um bom título, pois revela muito do ar da obra. A mística de Don Corleone está no fato de ele cuidar das pessoas, negociar com elas, não impor coisas a elas, mas sim convencê-las de que devem fazer algo, o que vai ficando claro pelos laços criados de amizade e por meio dos favores. Por isso Don Corleone é um Padrinho e não um chefe, pois estes últimos mandam, enquanto o padrinho argumenta.
     E essa argumentação, ou até mesmo a Omerta, vão nos levando a compreender a lógica por trás da máfia, que não vai se resumir a simples bandidos. Por isso o Don se sentira tão ofendido no momento em que Ameringo Bonaserra lhe pede para matar, sua organização não era de ladrões e assassinos. A feição da família pelo Don e sua esperteza vão nos cativando, nos levando até mesmo a pensar como Kay num dado momento do livro: “como podem falar coisas horríveis de um homem tão bom?”.
     A questão da amizade é crucial ao longo do desenrolar do livro, pois é graças a elas que o Don terá sua influência, é graças aos favores que a família Corleone terá políticos, policiais, juízes e outros, a seu favor. A amizade aqui acaba se revelando um mecanismo de controle, sem contudo parecer um.
     Sempre analisei a figura de Don Corleone como dentro da mitologia do self made man. Gosto do fato de Puzo colocar que junto com os negócios ilícitos das famílias, negócios lícitos acompanhavam. O que me remete as atuais discussões sobre corrupção, que acabam tendo como parâmetro a questão legal. O livro nos mostra que nem tudo que é legal está dentro da lei, por assim dizer.
     Desde que li o livro venho observando como esta cosa nostra acaba sendo uma forma de organização social que haverá num dado momento na sicília, e que mais tarde vai ser importada para os EUA, e conforme o mundo muda, vai ganhando contornos maiores de negócios e forma de ganhar dinheiro.
     Gosto o fato do livro não olhar com desprezo nem cheio de amores para os personagens. Acredito que Puzo não fica falando besteiras completas sobre mafiosos, como sempre é fácil fazer, mas fala com propriedade sobre eles. Agora eu gostaria de saber se Mario Puzo estudou sobre isso através de livros, ou se ele sacou tudo isso durante sua infância num bairro de fama em Nova York, o Hells Kitchen?

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Maus - Art Spiegelman

     A Polônia me parece ser um ponto chave na segunda guerra, foi após a invasão deste país que a historiografia tradicional assinala o inicio do conflito. Geralmente compreendemos a Polônia, um país de menor importância, sendo invadido pelos terríveis nazistas. Esquecemos que a Polônia constituía parte do Lebensraum de Hitler, e que de alguma forma a Alemanha exercia profunda influência na Polônia (parece que ambos os países tem uma curiosa e complicada relação há muito tempo). Para piorar a situação dos poloneses, eles meio que eram desprezados pelos alemães nazistas por serem eslavos, e desprezados pelos russos soviéticos por serem “eslavos menores” - relação antiga já perceptível na obra de Dostoiévski – e em 1939 a Polônia se viu invadida por ambas nações, russos e alemães, sendo repartida entre ambos e criando um insignificante governo geral ao modelo de Vichy.
     Afastando-se das letras grandes e lendo as pequenas, Art Spiegelman joga uma lupa sob a ocupação nazista através dos relatos de seu pai¹, sobrevivente dos campos de concentração. O que me fascinou fora imaginar a localização da Polônia, quase que espremida por entre os países circundantes, e com uma pluralidade linguística alta, ocasionada devido a pluralidade étnica. Temos judeus asquenazes falando Jüdisch, poloneses e alemães, gerando uma mescla cultural e linguística que me interessa. Entretanto toda esta aparente mescla parece estar rodeada por certa tensão. Cavando um pouco mais veremos que a perseguição a judeus data de muito tempo, e infelizmente atritos entre grupos são muito comuns.
     A beleza da obra esta na proximidade e intimidade que vamos tendo conforme a leitura avança, com as pessoas e sobre as marcas do conflito, principalmente a perseguição e confinamento em campos de concentração (a maior parte deles estavam localizados, por sinal, na Polônia). Através dos relatos podemos entender como as pessoas conseguiam sobreviver. E como o campo significava morte certa.
     Os diferentes grupos étnicos são retratados por meio de animais, inteligentemente escolhidos, e neste caso Spiegelman leva vantagem ao ser judeu e poder retratá-los na figura de ratos, o que num primeiro momento causa espanto e parece arriscado, só colabora para comover e perder o caráter pejorativo contido na imagem (por sinal criada pela propaganda nazista). Me pergunto como as pessoas conseguiam ser tão rudes, mas observando a atitude delas frente a situação, infelizmente acabo entendendo que se fosse hoje em dia, elas dificilmente seriam diferentes. Por exemplo, para se conseguir uma ração extra dentro do campo, ato que poderia significar a continuidade de sua vida ou não, era preciso abrir mão de certas coisas, em resumo mover-se feito malabarista por entre os guardas do campo para obter pequenos favores.
     Talvez o que mais colabore para emocionar conforme a leitura se desenvolve seja a figura do pai de Art Spiegelman, um sujeito sisudo, um tanto individualista (difícil não ser num campo de concentração) e até mesmo preconceituoso quando do episódio da carona.





¹ Que residia no setor de ocupação nazista, deixando o histórico da ocupação soviética de lado, para mais detalhes assistir Katyn de Wajda.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Natimorto - Lourenço Mutarelli

        Conhecia Lourenço Mutarelli pelo livro e filme o cheiro do ralo, creio que junto com Mia Couto e Manuel de Barros ele representa o que vêm sendo produzido de melhor na literatura contemporânea de língua portuguesa. Sua escrita flui, como poucos escritores conseguem fazer, e quem escreve sabe o quanto isto é difícil, há muito trabalho para se alcançar este nível de escrita, até porque não existem fórmulas para escrever.
        Já consagrado no mundo dos quadrinhos, que infelizmente desconheço, aventura-se na literatura com cheiro do ralo, escrito segundo nos conta este homem pantufa, numa semana de carnaval. Seu hábito “caseiro”, ritmado a muito trabalho, café e cigarros, estão impressos no pouco contato que tive com seu trabalho (resumido em dois livros). No caso do Natimorto, o desejo do sujeito em ficar numa sala sem sair é contagiante e ao mesmo tempo claustrofóbico, as indagações feitas pela mulher de voz abençoada faziam eco as minhas. Os diálogos rápidos que conduzem sua obra dão a fluidez e sagacidade necessárias.
        Ultrapassando uma simples relação mediadas pelo sexo e o corpo, o autor vai conduzindo um personagem principal muito esperto e de raciocínio afiado, sem deixar de lado sua excentricidade. A fuga do mundo “lá fora” atinge em cheio muitos enseios meus – o que já é alguma coisa. O personagem principal não precisa daquele mundo chamado de real e existente, tudo ocorre ao redor de uma cama mofada em constantes xícaras de café. A comida é desprezada.
Há toda uma relação especial com o andar das coisas, uma fixação kafkaniana com o que está por vir. Mesmo sabendo que fumar pode lhe matar, o prazer esta em correr em alta velocidade e de pés descalços pelo fio da navalha. A coragem é necessária para fugir. Pode parecer uma observação vazia, mas há um identificação entre o agente e Raskolnikóv. Sua excentricidade e delírios caminham juntos. Não crime, pecado ou arrependimento, apenas uma mente conturbada, extremamente criativa e afiada. Odeio tais comparações, mas ambos possuem uma sinistra relação com seu quarto.
        A relação com a cidade está ali também. A rodoviária, o hotel, as indas e vindas. Mesmo trancado no quarto, a cidade pulsa ali, quase feito organismo vivo, que não se vê mas sente. Igual as batidas do coração ao colar a mão no peito. A eventual “fuga” para o sítio arquitetada pelo maestro, não deixa de ser um pequeno retiro num quarto de hotel. É no microcosmo deste ambiente que as historietas ganham vida. É entre a xícaras de café que elas estão. Apesar de muitas vezes terem um simplismo, não são em momento algum menos belas. Como escutei uma vez, “algumas vezes precisamos dizer o óbvio”. Por vezes isto ocorre na obra, mas não é uma obviedade boba, vazia e sem novidade. Até porque, o ideal é dizer algo duas vezes, pois quem diz sempre é o outro para quem escuta.
        Mutarelli dá vida de forma sóbria a consistente a estes personagens urbanos que podemos contemplar sentados numa mesa em algum lugar movimentado da cidade enquanto consumimos pacientemente nossa xícara de café.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Notas Sobre Gaza - Joe Sacco

      A situação complicada entre Israel e Palestina existe praticamente desde que fora criado o Estado de Israel. Mesmo tendo alguma familiaridade com o assunto, ele é sempre tema complicado e confuso. Talvez por isso que nesta obra Joe Sacco procura cavar mais fundo, talvez para compreender melhor as origens deste conflito.
     Percebe-se que as proporções na década de 1950 eram completamente distintas das atuais, não percebemos uma organização como a FPLP do lado palestino, o que acredito lhes dará algum “autonomia” mais tarde. Mesmo assim fiquei impressionado com a capacidade entre os palestinos de se organizarem com tão poucos recursos. Creio que as opções eram poucas também, o que gera poucas opções.
     O que fui percebendo ao longo da leitura da obra, foi que, diferentemente do que muitos religiosos vão dizer, tal conflito não teria origens bíblicas, o que muitas vezes acaba naturalizando a situação. Esta situação tenebrosa envolvendo o Estado de Israel fora construída ao longo dos anos. Sabemos que Israel já havia se armado fortemente desde sua criação, e que conflitos entre Israel e árabes estão ai desde a fundação do Estado.
     Muita coisa mudou nestes três períodos (1950-1990-2000) que Sacco analisa. A década de 1950 seja talvez a mais enigmática, e o que mais percebi é que o nacionalismo palestino não está bem formado. Percebe-se como o pan-arabismo fora utilizado por Naser na busca de atender seus interesses. Certa vez escutei um professor universitário marroquino falando o quanto este pan-arabismo fora algo complicado, que havia deixado muita gente decepcionada. Lembrei na hora da figura de Naser, e dos relatos coletados por Joe Sacco sobre os fedayeen recrutados pelo serviço secreto egípcio para executar investidas em estilo guerrilha contra tropas israelenses.
     Segundo me parece o grande discurso hoje já não se pauta mais na destruição do Estado de Israel, mas sim na criação de um Estado Palestino, e a resistência armada já não parece ser a opção favorita para obter-se o reconhecimento do Estado palestino. A comparação entre Davi e Golias é difícil de não ser feita, Israel tem os soldados mais bem treinados, armamento de ponta, forte economia e IDH elevado, uma exceção na região. Enquanto os palestinos estão jogados em campos de refugiados desde a década de 1950 e tais campos já viraram cidades. A polêmica construção do muro que iniciou em 2004, parece só ter piorado a situação palestina, abocanhando boa parte das reservas de água assim como aumentando um pouco sua extensão territorial. Apesar de uma certa calma na região (se comparada com períodos anteriores é claro), a resistência da população palestina continua, desde não utilizar a água da companhia israelense, até uma que é apontada por uma senhora nas paginas de Faixa de Gaza, onde ela pressiona os meninos que tacavam pedras nos tanques e tanques-trator que destruíam casas, para que eles logo tivessem filhos, o maior número possível. De qualquer maneira, resistir nunca é fácil.
     Os israelenses vêm mudando também, recentemente no ano de 2011, 1027 palestinos que estavam presos em Israel foram trocados por um soldado israelense. Apesar das mediações do Egito e do grupo Hamas, houve forte pressão da população israelense e da família do soldado para que o acordo ocorresse. Assim como passeatas feitas por israelenses a favor da criação do Estado palestino também ocorreram ano passado. O que demonstra uma vontade por mudança em Israel também, que me pareceu ignorada pela mídia geral, onde liberdade e direitos só precisam ser reivindicados entre os “bárbaros povos árabes”.
     Não acredito que um conflito de marcas tão profundas se resolva logo, até porque algumas políticas agressivas de Israel¹, me parece, custarão a cessar. E mesmo com esta mudança no quadro, não temos necessariamente uma melhora na situação, creio até que a situação dos palestinos vem se tornando mais complicada e esquecida pela mídia desde a morte de Arafat. E se dependermos de jornais como o famoso JN (mais visto no Brasil) onde interesses se escondem sob uma pretensa neutralidade, pouco se saberá sobre o assunto.