segunda-feira, 4 de julho de 2011

Kurt Cobain: Fragmentos de uma autobiografia - Marcelo Orozco

          Para aqueles que se interessam pelo som da banda Nirvana, por Kurt Cobain e/ou por entender um pouco mais das composições da banda, “Kurt Cobain: Fragmentos de uma autobiografia” é uma boa pedida.

          Sem querer extrapolar as letras ligando-as a filosofias ou teorias sem cabimento ou ainda cair na superficialidade de “curiosidades” e polêmicas em torno de um artista ou banda, este livro de Marcelo Orozco é uma bela obra para pensar as confusas e fragmentadas composições de Cobain. Transitando numa linha tênue entre um estudo artístico e uma biografia, Orozco vai às letras e ao contexto de sua composição para pensar o que estes fragmentos tão subjetivos e poéticos carregam dos sentimentos, experiências e conflitos do vocalista do Nirvana. O livro tem grande força ao não isolar as letras, ensimesmando-as, conectando temas, frases e acontecimentos.

          O autor analisa álbum por álbum, letra por letra da banda, inclusive em músicas covers, para entender o que as levou a comporem o repertório da banda. Mesmo as músicas que não saíram em álbuns, que foram tocadas somente ao vivo ou demos gravadas em fitas, são trazidas e analizadas neste livro. 

         Orozco escreve nas primeiras páginas as condições de formação e desenvolvimento do Nirvana, faz uma breve cronologia, ano a ano, dos acontecimentos que marcaram a carreira da banda e de seus integrantes. Mesmo elegendo Kurt como personagem principal desta história, o livro apresenta as ligações de Cobai com sua esposa, Courtney Love, com Chad Channing baterista do Nirvana até o primeiro álbum (Bleach), com o baixista Krist Novoselic, Dave Grohl (baterista a partir do álbum Nevermind) e muitos outros personagens (humanos ou não...) que fizeram da vida e das composições de Kurt o que são. 

          Obviamente, Orozco não traz as respostas a todas as perguntas em torno da figura de Kurt Cobain. Porém, faz um grande esforço para reunir informações que o permitam pensar tais “fragmentos de uma autobiografia” de forma coesa e interessantíssima.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Grupo Baader Meinhof - Uli Edel (dir.)

O filme trata de contar os primeiros anos (o grupo existiu até 1998) do grupo alemão Rote Armee Fraktion, mais conhecido como grupo Baader-meinhof. O bacana do filme é que ele não esquece de trazer algumas questões que eram o assunto do dia na época, como a Alemanha repartida entre os principais países vencedores após a segunda guerra. Do lado ocidental temos uma Alemanha altamente influenciada pelos EUA, que já estavam no Vietnam – é deste lado do muro que surge o grupo. Não podemos esquecer também todo o clima de mudança que estava ocorrendo na época (espero que 1968 diga alguma coisa). Para quem não sabe a Alemanha tem uma série de questões desagradáveis, cito aqui a título de exemplo a questão educacional deles, onde os alunos passam por uma triagem aos 10 anos de idade que irá influenciar mais tarde se ele irá fazer uma faculdade ou um técnico, definindo em grande peso possibilidades financeiras, citando o assunto a grosso modo[1]. Havia ainda – e isto é de forma comum para o mundo ocidental – um sistema penitenciário muito duro, falo isto com foco nos reformatórios (já que muitos integrantes do grupo vinham daí). Bem, pesquisando um pouco e assistindo o filme[2] creio que ficará mais claro do que se eu tentar explicar.

Neste contexto organizações que apostam no meio armado como saída para fins políticos aparecem: Frente Popular de Libertação da Palestina, Exército Vermelho Japonês, Tupamaros, Montoneros, além da recente guerra da Argélia e os movimentos anti-coloniais e a revolução Cubana, dão um pano de fundo para o surgimento de Baader-meinhof na Alemanha (ocidental).

De forma geral a primeira coisa que se faz ao se falar de terrorismo, em especial quando se discute algum destes grupos inseridos num período de guerra fria, é escolher um lado e acusá-lo ou defende-lo até o fim, algo como: “Eles estavam certos”, “Eles estavam errados”. O filme não vai por este caminho, pois claramente mostra o autoritarismo de Andreas Baader, por exemplo, assim como as terríveis situações de autoritarismo do próprio governo. Aqui creio ser importante superar esta herança de guerra fria que temos em nós e propagamos muitas vezes, e proponho entender o assunto para além de bem contra o mal (ou se quiserem de direita contra esquerda). Nisto li uma entrevista do diretor do filme, onde ele prezava por um ponto importante, e faço coro a isto. A questão que me soa mais central, é pensar o que leva alguém a largar toda monotonia rítmica de sua vida mudando-a completamente para pegar em armas e/ou colocar bombas? Porque uma famosa jornalista vai abandonar sua carreira para se tornar uma guerrilheira urbana? Bem, aqui quero lembrar do Estado policial que se tornava a Alemanha no período. Não esqueçamos que a Alemanha formava a fronteira com a cortina de ferro, por isso estava próxima ao “inimigo”. Certamente sob este pretexto inúmeras medidas de exceção vinham se tornando regra. Isto acaba gerando desconfortos que levaram ao surgimento de vários grupos, com práticas variadas, entre eles o Baader-Meinhof. E aqui, apesar de soar algo muito diplomático, é importante dar espaço e autonomia para que as pessoas possam ter maior (acho complicada esta palavra) liberdade, e aqui não falo em restrito ao Estado, sempre apontado por todos os dedos, mas a própria preocupação que me ataca constantemente nos e-mails que recebo sobre a união civil gay, por exemplo. O que me interessa, qual importância tem para mim saber o que o outro faz na cama? Porque eu tenho que mandar e-mails dizendo como as pessoas devem ser?

Certamente, e aqui me firmo sobre um senso comum, tais práticas tomadas pelo grupo alemão foram condicionadas por um certo desespero. Assim como os grupos do terceiro mundo, que escolheram tal atitude como um meio de pedir atenção. Muitas vezes ela se mostrando como a resposta mais direta e imediata, apesar de nem sempre ser a mais eficiente, porém muitas vezes apontada como única forma[3].

*

Considero interessante e válido se debruçar sobre esta vontade de futuro que se mostra firme desde a revolução francesa. Podemos observar, tanto num grupo ou n’outro uma vontade para o futuro, o planejamento de como deverá ser, como temos que ir construindo. Isto está claro em partidos políticos, igrejas, a grande maioria das ideologias (tanto da esquerda quanto da direita) e as teorias totalizantes. Não gosto deste desejo de criar um caminho, feito uma grande rodovia, por onde todos devem passar, frases como “o caminho do bem ou do mal, está comigo ou contra mim, ou eles ou nós”, me soam como vontades totalizantes. Este tipo de discurso já não consigo mais acreditar. Por isso entendo os movimentos extremamente focados que ocorrem hoje, a exemplo da luta contra homofobia, acabam se tornando mais eficientes do que toda uma teoria que vai abarcar o máximo de coisas, como se fosse o máximo de tijolos para construir uma estrada para a liberdade. E por isso digo que somos vítimas da guerra fria, pois acreditamos que a escolha de uma teoria totalizante, uma teoria que se propõem dar conta do todo, vai levar a generalizações e esta idéia de guerra na vida civil, ocasionando este “eles contra nós”, esta bipolaridade, que encontramos em tantas esferas. E deixo uma pergunta sobre esta bipolaridade, qual diferença havia entre uma fábrica da Alemanha Oriental em relação a Alemanha Ocidental? Nenhuma significante, isto é certo.

Trailer:


[1] Conheço pouco do assunto e ele mereceria no mínimo um post, sobre o sistema educacional se não me engano, esta divisão na Alemanha das escolas em três tipos datam do século XIX, apesar de todo um mote de discussões sobre o assunto e a autonomia de cada estado (o que poda a possibilidade de simples generalização), ainda assim este sistema gera muitas complicações.

[2] Recomendo também o filme “Z” de Costa Gavras.

[3] E aqui vale a pena recordar a cena tensa de Batalha de Argel, onde preparam uma bomba para colocar em locais públicos, gerando também um desconforto para quem vai colocar a bomba sabendo que irá ferir pessoas.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

O século XIX é interessante por todas as questões que estavam no ar durante o período. A ciência, me parece, surgia como a grande aposta do dia, não por acaso hoje a ciência dá o tom para nossas disputas em torno da verdade – e neste ponto Nietzsche é certeiro ao anunciar a “morte” de Deus e seus “assassinos”.

Dostoiévski está claramente inserido neste contexto. Se sabe que ele recebera uma educação formal européia-iluminista (ou vocês acham que desde sempre se estudou matemática, geografia, história, física, química, na escola?) apesar de ser marcado por uma forte tradição religiosa, que na época se encontrava em maior atuação. Crime e castigo deixa por entre suas páginas escapar um pouco do “espírito da época”, em especial no que vai tanger a Rússia e sua particular situação. O período em que viveu Fiódor é considerado um dos mais produtivos para Rússia até então, não por acaso que boa parte dos escritores clássicos russos são deste período. Mesmo com uma minoria absoluta freqüentando universidades, a população universitária aumenta significativamente neste período. Algumas coisas que esta edição da Editora 34 traz em notas de rodapé e no prefácio de Bezerra colaboram em muito para perceber estas minúcias deixadas ao longo da história.

Um fato que me ronda já desde antes de ler este romance é a má impressão que o capitalismo deixou em Fiódor Dostoiévski, onde este sempre aparece de forma degenerada. A figura deste russo é muito interessante, pois estava atento ao que ocorria, mas nem por isso se deixava seduzir pelo que se papagaiava nas ruas. Um caráter marcante ao longo do livro é a presença da cidade, e aqui faço repito palavras de Adriana Mattos de Caúla[1], afirmando que a cidade aparece como coadjuvante ao longo da história. E isto até então não havia percebido, como a cidade está sempre ali na obra de Dostoiévski e como a cidade (São Petersburgo) é narrada de forma repugnante em Crime e Castigo, principalmente pelo cheiro ruim que existe na cidade durante o verão, devido aos pântanos – fato que já havia sabido por outros lugares – e alguns tipos urbanos. O corredor que o leva para a delegacia é um lugar que o deixa nauseabundo. Os tipos urbanos que Dostoiévski narra, essas pessoas que percebemos na rua apenas quando caminhamos, também são criadas e descritas de tal forma impressionante. Crime e Castigo me parece em grande sintonia com Notas do Subsolo, ambos os personagens são sujeitos muito próximos daquilo que chamamos muitas vezes de “louquinhos” e confesso que adoro estes tipos criados por Fiódor. O livro conseguiu me colocar em tal estado “psicológico” que poucas vezes consigo alcançar. A atmosfera em que se desenrola a história é algo muito envolvente, para tal basta assistir a pickpocket[2] ou Nina[3], ambos filmes que são adaptação da obra de Dostoiévski, que mesmo sendo em outro suporte conseguem nos levar a uma sensação se aflição tal como poucas obras conseguem.

O livro se preza por uma questão que dificilmente conseguimos discutir sem estarmos amarrados as correntes habituais. E para mim ai está a originalidade deste russo, por conseguir desenvolver caminhos que transitam por lugares pouco habituais, em especial se levarmos em consideração os limites de seu tempo, e digo isto apesar de não acreditar que neste escritor se possa encontrar algum manual da vida, e este é o fato que me faz ver nele para além de uma história que me entretenha – fato cada vez mais difícil de ser visto por mim.



[1] O artigo de Adriana Caúla se encontra no livro “Corpos e Cenários Urbanos”.

[2] Filme de Robert Bresson, de 1959, e apesar de não ser uma adaptação tão clara, traz inúmeras questões e referências diretas ao livro.

[3] Filme dirigido por Heitor Dhália de 2004, é também uma adaptação mais “moderna” da obra, porém este filme é claramente um pouco mais próximo da obra.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Brazil - O Filme


Conheci este filme por meio de um cartaz, onde um sujeito era engolido pelo prédio (este). Depois de alguns anos li um artigo que tratava de filmes onde a cidade era coadjuvante na história, dentre a lista de filmes (praticamente todos de ficção científica) estava Brazil. Me deu vontade de assistir e o vi.

Confesso que seu roteiro não segue uma linha reta, como estamos acostumados, mas isto tão pouco fora o problema. Há uma forte crítica temperada com humor negro no filme. O nome Brazil se dá por tocar uma música brasileira, que conhecemos bem, cantada em inglês. A idéia era contrastar uma música tão bonita com algo tão esquisito e feio, como uma cidade pode ser.

O filme é ambientado num futuro próximo, onde o controle do estado é enorme. A presença da burocracia é forte, podemos perceber isto praticamente pelo mesmo uso que Kieslowski faz no seu curta “O escritório”, onde se mostra o estômago da burocracia filmando uma repartição publica e seus tentáculos com a constante aparição de papéis. Nisto a figura de um carimbo carimbado num papel indicando que ele pode ser carimbado (deu para entender?) pode ser uma forma prática de ilustrar o que é burocracia. Não por acaso um dos personagens do filme, que fugia da burocracia, é engolido por ela mais tarde, não conseguindo se livrar dela e dissolvendo-se no meio de papéis.

Creio que estas questões envolvendo um Estado forte e o controle sobre a população, são clichês das ficções científicas.

Outra questão que o filme traz é a constante preocupação estética das pessoas. Uma das personagens está constantemente realizando cirurgias plásticas para ficar mais jovem, chegando ao ponto de aparecer de uma forma diferente em cada momento do filme, criando dificuldades em ser reconhecida por seu filho. É algo que me chamou atenção, pois nos momentos em que esta personagem em especial aparece, percebemos toda uma tentativa em demonstrar a futilidade de uma alta sociedade - talvez a palavra certa seja apatia.

O filme, como várias ficções científicas, me parece trazer as angústias do presente, pois se trata num futuro próximo, e nosso modo de pensar progressista (a tradicional linha de evolução), as coisas só vão se tornando mais “evoluídas” e por isto mais críticas. Por outro lado, o que podemos imaginar também é que esta forma de elevar ao quadrado, possa ser uma forma de tornar o problema mais visível, é uma franca maneira de torná-lo mais gritante, especialmente pelo fato de lidarmos com uma série de coisas todos os dias que justamente por isso acabam ganhando o tom de normalidade.