sábado, 19 de janeiro de 2013

Contemplação/O Foguista - Franz Kafka

Kafka consegue falar do sujeito moderno como poucos. As neuroses, crises e inconstância, parecem marcar bem este tipo de sujeito tão bem sujeitado. Não por acaso uma literatura tão fantástica acabe conversando tão bem conosco. Não só o sujeito é bem desenhando pelo tcheco, como também o meio em que vive este personagem. Elementos variados podem ser percebidos.
O mais conhecido destes elementos talvez seja o escritório. Büro em alemão. E sim é daí que se origina a palavra burocracia, e isto os povos de língua alemã souberam fazer como ninguém! Vale lembrar que esta é a língua em que Kafka escrevia, assim como era a língua usada pelo funcionalismo público de Praga, apesar da língua falada nas ruas ser o tcheco. O meio burocrático está ali constantemente ameaçando engolir o personagem, este por sua vez se vê acudido, querendo fugir, quase entrando num estado histérico, mas algo o parece impedir de perder a compostura. O escritório ou gabinete é um dos grandes ambientes da literatura de Kafka. E é hoje lugar de trabalho de muita gente.
Outra atenção aparece em relação às cidades e o seu frenesi, com trânsito, trens, fumaça, sujeira, mesmo que o normal seja não conduzir o leitor para algum passeio pelas ruas. Ela acaba se fazendo presente de alguma forma, mesmo que seja quando de algum olhar tímido pela janela. Pensando nisso a sensação claustrofóbica só aumenta, e voltamos a este sujeito moderno.
Sempre nervoso, podendo ser derrotado a cada instante. Não só pela conversa que se faz com outro personagem, como também por toda a ambiência que o cerca. De alguma forma a arquitetura que se arquiteta envolve o personagem. Poucas vezes me recordo de ler algo de Kafka que não se ambiente no interior de alguma construção, navio ou escritório.
Além de tudo isto, outro elemento tão caro aos modernos está ali, a fragmentação, e isto também tem relação com o tempo. Sejam os curtíssimos contos de Contemplação ou até mesmo suas histórias mais famosas, são sempre possíveis fragmentos do cotidiano. O leitor não é instigado a saber detalhes da vida do personagem, e não lhe interessa necessariamente saber tão pouco o fim que o personagem terá. O fragmento da história se encerra da mesma forma que inicia. E nossa vida é fragmentária. Alguém que te pergunta algo na rua, uma discussão rápida, não seguimos uma pretensa constância cotidiana, tão logo começa, termina. Um acaso parece conduzir as histórias de Kafka, um esbarrão num maquinista inicia uma história que termina com uma improbidade tal que, acaba se tornando real. Puro acaso, mas real, crível no final das contas. E por mais fantástico que seja a literatura deste sujeito geograficamente periférico da língua alemã, o incrível acaba sendo o mundo real não as fantasias criadas a partir dele.

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