domingo, 20 de novembro de 2011

Misto Quente - Charles Bukowski

Como já publiquei sobre este livro (não vale a pena ler a resenha, apenas ver a capa do livro) coloco esta foto do Bukowski, nos tempos "áureos" em que ele não era um escritor reconhecido e precisava de outros empregos para se manter.

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Na abertura da obra Bukowski dedica o romance para todos os pais. A provocação combina bem com a obra. O personagem principal é alguém com muita potencialidade e capacidade, mas muitas coisas lhe atrapalham. E a situação gera no leitor uma identificação com o personagem, que faz do livro algo tão intimista.
Situado entre a primeira e a segunda guerra, Misto-quente é uma obra bem crítica destes tempos conturbados. Além de muito divertido, há algumas coisas entre suas linhas que antes não havia percebido ou dado atenção. A forma como Buk aborda a guerra e o american way of life, propagado por todos os lados, inclusive a escola, são incríveis. Ainda mais se for levado em consideração a geração da qual provinha Charles Bukowski. E a imagem do modo de vida americano ganha corpo em seu pai, sujeito mesquinho, bronco e estúpido, e se ainda não basta, acreditava que a simples vontade humana dá conta dos desafios da vida.
A primeira vez que eu e minha irmã lemos o livro nos identificamos no ato com o “fantasma alemão”. Nascemos aqui nesta cidadezinha cheia de descendentes de povos de língua alemã, e muitos certamente receberam uma educação semelhante a descrita no livro. A parte de não deixar o filho brincar na rua para não “parecer pobre”, ou uma educação pautada no castigo e na inflexão, uma rigidez cada vez maior para “corrigir-se” a criança. Além do fator que é algo esquisito crescer ouvindo pessoas falando sobre a Alemanha como se fosse o céu, e coisas do tipo. Talvez pouca gente saiba, mas o índice de suicídios é altíssimo na região do vale do Itajaí. Brincamos falando o quão “positiva” é esta educação prussiana que gera um bando de doidos, alcoólatras, pessoas frias que acreditam na Alemanha como lugar ideal (até hoje).
A década de 1930 foi toda marcada pelo forte desemprego nos EUA. Foi uma crise tão forte que levou a uma total descrença do capitalismo, dai o fortalecimento do ideário comunista e principalmente nazifascista, pois além de anticapitalista era também anticomunista. E fica nítida a hipocrisia de seus colegas de faculdade, especialmente o boa-pinta queridinho do campus, que fazia todo seu discurso contra os nazis, mas não se negaria a colaborar caso “eles ganhassem”. Faz muito sentido se lembrarmos que os mesmos Estados Unidos que se propunham como soldados da liberdade contra o nazismo, não evitavam em continuar com sua color line, distinguindo espaços para negros em brancos (isso mesmo, como na África do Sul e seu apartheid).
Como forte “herdeiro” de John Fante, Bukowski não poderia deixar de trazer recortes da vida que pulsa nas ruas. Vida esta que é manchada de sangue, suor e com cheiro de bebida alcoólica. Toda aquela gente com sua sobre vida, procurando formas de ganhar dinheiro e de gastar o mais devagar possível o pouco que tinham. Gente que usa de seu empenho e vontade, sem contando conseguir muito mais do que vencer aquele dia e preparar-se para o próximo que já se anuncia.
Ficaria curioso em saber qual a reação de todo um grupo de professores ao lerem esta obra. Este livro tem um pouco do efeito dos incompreendidos de Truffaut. Até porque escuto muita gente (professores ou não) dizendo como tem que ser feito, que a rigidez de antigamente deveria voltar, que hoje em dia está “virado”. Certamente Misto-quente não se resume à memórias de Charles Bukowski, mas é óbvio que seus escritos tem reflexos de suas experiências. E dai que percebemos que a escola funcionava do mesmo jeito que hoje em dia, só que agora temos computadores, celulares, tênis de marca e ar-condicionado. O teste de paciência é ainda o mesmo para os alunos, e o desagrado é o mesmo para o professores.
Com sua escrita fácil, que deixa nossos olhos correrem pelas páginas, Misto-quente é também uma das obras mais tocantes que já li que tratam da adolescência. Apesar de não ter tido acne vulgaris, também não fui nenhum sucesso, seja com garotas, esportes ou notas. Chinaski, assim como o Arturo Bandini de A caminho de Los Angeles, é um sujeito de espírito forte, é Deus, como é difícil ter espírito forte, como é custoso mantar-se um espírito livre!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Blues - Robert Crumb


Já conhecia Crumb de uma obra sua mais recente: “Genesis”, uma adaptação do primeiro livro da bíblia para os quadrinhos. Gostei muito, pois o autor traz sempre um texto explicando o processo de pesquisa para o trabalho e algo para complementar. No caso de “Blues” ele vai demonstrar um pouco mais de sua erudição.

Evitando os bluesman mais famosos, Crumb busca ir o mais remotamente possível, mas não por uma busca as raízes da questão, mas sim por outros motivos. Ele vai colocar que só fora possível conhecer aquela música pré explosão da venda de discos por uma sorte, já que este tipo de música, como o começo do Blues por exemplo, era considerada uma música de menor valor artístico, e sua gravação ocorria apenas para que os caipiras tivessem o que ouvir, e consequentemente comprar, os novos tocadores de discos que surgiam no mercado, a preços mais acessíveis. O que vai reforçar as críticas de Crumb ao mercado fonográfico em geral, assim como as lamentações por um tempo já passado, e ao mesmo tempo vai explicar seu fascínio pelo tempo já passado que é retratado nesses seus quadrinhos (caso queiram saber melhor do que estou falando, digitem Robert Crumb no buscador de imagens e observem bem a roupa deste sujeito).

Primeiro ele vou tratar de relação de amores que muitos de nós (fãs de música) acabamos tendo com o passado. Geralmente se fala em grandes bandas: Beatles, Rolling Stones, Ella Fitzgerald, Nat King Cole, Mozart ou Bach. Mas para Crumb estes sujeitos podem até ser músicos melhores que desprezíveis, mas Ella, Paul e Bach não passam de sujeitos tão vendáveis e comercias quanto uma Britney Spears ou Bro'z. E agora reforço eu o argumento de Crumb pedindo para que vocês vão um dia e entrem numa loja de discos e observem quantos produtos existem dos Beatles por exemplo, sei que até tênis do Joy Division existe. Enquanto a Mozart? Bem, Crumb vai nos lembrar de que estes músicos clássicos (desculpas mas não sei a diferença entre românticos ou barrocos, por exemplo) não passavam de músicos da corte, que acabavam fazendo nada mais do que uma trilha sonora para o que ocorria na corte, já que poucos realmente se importavam com a música mesmo1.

Remetendo aos quadros de Bruegel o quadrinista vai dizer que dali podemos pegar um pouco de como era a música do povão, deduzimos um pouco pelos movimentos que fazem ao dançar como era a música, mas não há partitura ou gravação em áudio. O fole está na rua, ao céu aberto para todo mundo poder ouvir, enquanto a música erudita, de corte, racionalizada (partitura), se encontrava em espaços restitos2. Neste sentido o fascínio deste estadounidense pelas primeiras décadas do século XX se dá por causa da sorte (ou acaso?) de termos alguma coisa gravada e assim termos resquícios suficientes. Além de que para ele é com esta música que consegue se sentir bem.

A própria história de vida dos bluesman vai demonstrar este amor pela música, não por acaso ser tão comum a história de vender a alma para o diabo em troca do dom de tocar magnificamente um violão, quer dizer, você tinha que encarnar mesmo no violão, deveria dedicar sua vida a isto. E se dedicando com todas as forças a música, acabava tendo que “vender sua alma”.

Neste ponto esta música popular, do povão mesmo, com sangue, suor e álcool pode se mostrar maravilhosa devido a sua energia e intensidade, basta ouvir o maracatu na rua ou imaginar a festa de santo reis, cantada por Tim Maia.

E como diria Chico Science, “basta soar bem aos ouvidos”.

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1Creio que o filme Mozart traz um pouco desta relação, de como no geral a música de corte era tratada enquanto “perfumaria” ou “música de fundo”. Peter Gay vai tratar em “A experiência Burguesa da rainha Vitória a Freud” (não lembro em qual volume), melhor a forma como ao longo do tempo fora investido num maior controle sobre a apreciação da arte, no sentido de produção crítica indicando o bom e o ruim, e os controles frente a ela, como o de ficar completamente imóvel quando se assistia a uma ópera ou concerto, apenas apreciando a arte.

2Como traz Max Weber na introdução de “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, apenas no ocidente que se colocou a música em partituras como as nossas, que indicam não só as notas, como também o tempo, a própria divisão em duas claves (sol e fá) e outros fatores particulares.

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Abaixo um dos quadros de Bruegel, famoso pintor por seus quadros magníficos com todo este fervilhar e vida.

Procurando coisas encontrei uma postagem sobre o álbum do qual se origina a capa desta obra de R. Crumb (aqui), além disso parece ser um ótimo blog para se visitar.



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Para a questão da habitação - Friedrich Engels

Este livro é uma coletânea das respostas escritas por Engels num jornal alemão para um certo sujeito. Pelo que eu sei estes debates de cartas publicadas em jornais eram comuns, só para ilustrar, foi uma pergunta lançada numa revista que Kant publicou seu texto Was ist Aufklärung? Apesar dos dois textos terem sido publicados de forma diferente me parece que como havia declarado Foucault uma vez, nesta época os jornais perguntavam sem imaginar uma resposta ou sem direcionar para uma, ele põem que não sabe precisar qual é o melhor método, mas considera este primeiro mais interessante.

Uma das coisas mais interessantes de se estudar o século XIX em si é observar a série de problemas que a Europa de uma forma geral enfrentava neste período, que atualmente nos parecem inimagináveis para este continente tão idealizado. Dentre um destes podemos observar o problema da habitação para os trabalhadores. Engels vai colocar algumas questões que me parecem ainda estarem ai – dai o porque do marxismo ainda fazer algum sentido. A principal questão é a de que o salário dos trabalhadores não lhes condiciona pagar por uma moradia de qualidade, gerando assim um problema sério de habitação que de forma geral terá seu reflexo nos cortiços, muito populares durante o século XIX.

O ponto que se apresenta como o mais interessante na teoria de Engels-Marx é o fato de não terem como meta a filantropia, que ao que me parece é constantemente apontada e sugerida pelo tal sujeito (seus textos não são publicados no livro, infelizmente). Engels irá apostar em soluções mais efetivas, que não se baseiam na ideia de remediar, mas sim ir direto a causa da má qualidade da habitação; a exploração do proletariado pelos patrões, seja pelo baixo salário quanto pelo alto aluguel, que são condicionados pela forma capitalista de distribuição da riqueza.

Creio que a leitura deste livro se mostra bem válida para se pensar a habitação hoje e em especial a do século XIX. Apesar dos conceitos repetitivos do marxismo (como classes dominantes e luta de classes), os elementos propostos por esta dupla de teóricos se mostra como fundamental na história do pensamento humano - inegavelmente. Mesmo percebendo aquilo que algumas pessoas chamam de deturpação da teoria original destes alemães, seus resquícios são inegáveis no campo teórico. E no caso deste livro, vale a pena para pensarmos a questão da habitação hoje em dia, com as invasões, moradores de rua, construções abandonadas devido a especulação imobiliária, e por ai vai.


Já que o assunto é habitação, encontrei este link num fotolog1 que é um trabalho fotográfico sobre as construções abandonadas que existem na região de Detroit EUA:

http://blogs.denverpost.com/captured/2011/02/07/captured-the-ruins-of-detroit/

1E aqui a postagem feita do Fotolog: http://www.fotolog.com.br/bluelines/56826724

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A caminho de Los Angeles - John Fante

John Fante – ao lado de Jack London – me parece ser um dos primeiros autores estadounidenses a mostrar com tamanha maestria um Estados Unidos para além do sonho americano ou do sefl made man. Pelo contrário, vai mostrar um lado duro, pobre, difícil e sem beleza, ou como melhor diria Karl Heinrich Bukowski; esta vida que é feito um soco no estômago.

Este livro é o primeiro romance de Fante. Aqui já vai aparecer o personagem Arturo Bandini, que estará em formação, tanto pelo que ele está passando (aquela coisa chamada adolescência) quanto pelos contornos dados por Fante. Bandini vai se caracterizar como um sujeito que busca construir seus próprios conceitos, feito um Raskolnikov nos EUA durante os anos de 1930 ou começo de 1940. O interessante aqui neste livro é que o personagem se vê como um grande gênio ainda não descoberto, algo semelhante ao que vamos encontrar no “1933 foi um ano ruim”. Só que aqui em vez de ser um personagem esforçado e com uma incerteza dramática, ele se mostrará em algumas vezes cômico, porém muito esperto.

Não conheço muito bem a literatura estadounidense dos anos 1930, mas pelo que imagino das leituras que tive de Fante, este autor se coloca apresentando questões extremamente complicadas (por serem tabu) durante a época, especialmente nos EUA, país que não consigo deixar de ver como extremamente conservador. Por isso Fante se mostra tão original, pois revela um outro lado dos EUA que não é a corrida do ouro ou os imigrantes que trabalhando muito conseguem “vencer na vida”, que de alguma forma está inscrito em Godfather, onde temos a célebre frase, são só negócios.

Outro ponto que me parece mais forte neste livro do que nos outros que li (Sonhos de Bunkerhill e 1933 foi um ano ruim) é o mundo do trabalho. Elemento que depois será fortíssimo em Bukowski – vide o romance Factótum. Para quem leu o livro e talvez não saiba, ele vai mostrar qual já era o destino dos imigrantes nos EUA de então, fazer um serviço desagradável que ninguém quer fazer, limpar peixe por exemplo, como é bem ilustrado pelo menino no começo de Cidade de Deus. É bom lembrar que até pouco depois do fim da segunda guerra mundial, as Filipinas eram uma colônia dos EUA e Porto Rico ainda o é. Aqui vamos ter um novo contexto sobre a imigração que diferentemente do primeiro momento que se consistia em matar todos os índios e construir uma nova Europa, vai demonstrar uma busca mão de obra barata.

Num ponto creio que muita gente já se identificou frente ao Arturo Bandini descrito no livro, ele sente que está perdendo muito tempo naquela fábrica e aturando sua família por nada, que aquele seu tio não tem capacidade para entendê-lo pois não passa de um bronco, tudo que ele quer saber é de trabalho, como se isto fosse um remédio para curar todos os males do Homem. E ai fica demonstrada a força de Bandini em negar isto e buscar outro caminho.