O primeiro preconceito que devemos perder ao estudar a História do
Oriente é descermos de nosso degrau eurocentrista. Querendo ou não,
pouco sabemos a respeito “do lado de lá” do meridiano de
Greenwich. A primeira coisa é que o Irã não é árabe e sim persa.
São persas, que tal qual os turcos e os negros subsaarianos, foram
“arabizados”, recebendo uma forte parcela de influência árabe
na sua cultura, nesse processo de mistura e mudança cultural a
religião veio junto: o islamismo.
Ocorre que a história cerceia as sociedades, e por isso não podemos
ignorá-la, sempre estará marcando presença, a introdução da obra
com tópicos históricos importantes sobre a história da Pérsia/Irã
deixam isso claro. Nisto se olharmos a história do Irã podemos
ficar chocados, especialmente se levarmos em conta o modo de vida da
família de Satrapi. O Irã parecia ser um país relativamente
liberalizado dentro do Oriente Médio, porém conseguiu se revelar
uma grande decepção após sua revolução islâmica – apesar de
talvez ser a revolução menos ligada ao ideal de liberdade,
igualdade e fraternidade, o que faz dela algo original. O que nos
choca é que temos um ponto de vista positivista e acreditamos que as
coisas sempre progridem e melhoram conforme o tempo evolui. O
presente virar passado não garante melhora alguma. O Irã, o
Afeganistão e as ditaduras que assolaram a América Latina são uma
mostra de como este nosso senso de que a história sempre “evolui”
não passa de uma teoria furada. A visão de uma linha reta
ascendente para o progresso talvez não fazia sentido nem para
Leopold von Ranke. Mas independente da historiografia existente, esta
ideia de que se progride na marcha da história está muito bem
marcada em nosso pensamento cotidiano.
E aqui fica meu espanto, se ocorreu isto no Irã, um país do chamado
terceiro mundo, o que impede de que tal movimento ocorra em outros
lugares como o Brasil?
Podemos nos seduzir pela interpretação comum de que os problemas
ilustrados em Persépolis ocorrem devido a religiosidade islâmica. A
autora do livro é genial ao deixar claro que não possui o menor
embaraço em ser iraniana, sua fuga foi pelo simples fato das coisas
não estarem bem, uma guerra nos convence fácil disso. Até porque
no começo da obra fica clara a crença da família Satrapi no
islamismo, apesar de seu caráter secular. Apesar de clichê e
parecer um discurso do professor Xavier dos X-men, a convivência
pacífica é ainda uma solução muito tentadora, e no caso de
Persépolis o que se pede não é o fim do islamismo ou da “opressora
cultura persa”, mas sim de que não se busque impor nada as
pessoas, como no caso das mulheres usarem o véu obrigatoriamente
enquanto andam na rua, correndo o risco de serem presas. Por mais
significados e justificativas contidos no uso do véu, algumas vezes
pode fazer muito calor e ele ser incômodo, mais nada.
Ocorre que podemos entender que muitos problemas no Irã foram
causados pelo imperialismo, a constante disputa entre países por
recursos e influência, isto fez com que muita gente metesse o
bedelho onde não era chamado e atrapalhando (muito!) as coisas. O
grande mérito afinal, da revolução iraniana de 1979 é procurar
fugir desta influência externa, isto contudo, não apaga nenhuma
mancha de sangue e nem dá mérito eterno a ninguém. E por isso
fiquei tão encantado com Persépolis, já que ali se trata do Irã
contemporâneo sem retratar um país de bárbaros incivilizados e
incultos, mesmo sendo a autora de um nível social extremamente
elitizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário