sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Persépolis - Marjane Satrapi


O primeiro preconceito que devemos perder ao estudar a História do Oriente é descermos de nosso degrau eurocentrista. Querendo ou não, pouco sabemos a respeito “do lado de lá” do meridiano de Greenwich. A primeira coisa é que o Irã não é árabe e sim persa. São persas, que tal qual os turcos e os negros subsaarianos, foram “arabizados”, recebendo uma forte parcela de influência árabe na sua cultura, nesse processo de mistura e mudança cultural a religião veio junto: o islamismo.
Ocorre que a história cerceia as sociedades, e por isso não podemos ignorá-la, sempre estará marcando presença, a introdução da obra com tópicos históricos importantes sobre a história da Pérsia/Irã deixam isso claro. Nisto se olharmos a história do Irã podemos ficar chocados, especialmente se levarmos em conta o modo de vida da família de Satrapi. O Irã parecia ser um país relativamente liberalizado dentro do Oriente Médio, porém conseguiu se revelar uma grande decepção após sua revolução islâmica – apesar de talvez ser a revolução menos ligada ao ideal de liberdade, igualdade e fraternidade, o que faz dela algo original. O que nos choca é que temos um ponto de vista positivista e acreditamos que as coisas sempre progridem e melhoram conforme o tempo evolui. O presente virar passado não garante melhora alguma. O Irã, o Afeganistão e as ditaduras que assolaram a América Latina são uma mostra de como este nosso senso de que a história sempre “evolui” não passa de uma teoria furada. A visão de uma linha reta ascendente para o progresso talvez não fazia sentido nem para Leopold von Ranke. Mas independente da historiografia existente, esta ideia de que se progride na marcha da história está muito bem marcada em nosso pensamento cotidiano.
E aqui fica meu espanto, se ocorreu isto no Irã, um país do chamado terceiro mundo, o que impede de que tal movimento ocorra em outros lugares como o Brasil?
Podemos nos seduzir pela interpretação comum de que os problemas ilustrados em Persépolis ocorrem devido a religiosidade islâmica. A autora do livro é genial ao deixar claro que não possui o menor embaraço em ser iraniana, sua fuga foi pelo simples fato das coisas não estarem bem, uma guerra nos convence fácil disso. Até porque no começo da obra fica clara a crença da família Satrapi no islamismo, apesar de seu caráter secular. Apesar de clichê e parecer um discurso do professor Xavier dos X-men, a convivência pacífica é ainda uma solução muito tentadora, e no caso de Persépolis o que se pede não é o fim do islamismo ou da “opressora cultura persa”, mas sim de que não se busque impor nada as pessoas, como no caso das mulheres usarem o véu obrigatoriamente enquanto andam na rua, correndo o risco de serem presas. Por mais significados e justificativas contidos no uso do véu, algumas vezes pode fazer muito calor e ele ser incômodo, mais nada.
Ocorre que podemos entender que muitos problemas no Irã foram causados pelo imperialismo, a constante disputa entre países por recursos e influência, isto fez com que muita gente metesse o bedelho onde não era chamado e atrapalhando (muito!) as coisas. O grande mérito afinal, da revolução iraniana de 1979 é procurar fugir desta influência externa, isto contudo, não apaga nenhuma mancha de sangue e nem dá mérito eterno a ninguém. E por isso fiquei tão encantado com Persépolis, já que ali se trata do Irã contemporâneo sem retratar um país de bárbaros incivilizados e incultos, mesmo sendo a autora de um nível social extremamente elitizado.


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