terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Polícia das Famílias - Jacques Donzelot

      Por meados da década de 1950 se anuncia uma drástica crise da família, que segundo me parece, continua sendo propagada aos quatro ventos. Mas pouco se reflete sobre o assunto, e a discussão se dá com respostas prontas. Este livro em muito me ajudou a pensar sobre o assunto, talvez um dos melhores. Este texto passeia pela História e é norteado pela figura do jovem, tendo como base alguns outros textos lidos. Não pretendo para o texto nada mais do que algumas coisas que zumbiram na minha cabeça conforme lia esta obra de Jacques Donzelot.

      Duas guerras seguidas fizeram com que os homens fossem para o front e as mulheres para as fábricas, dando assim maior “liberdade” para os jovens que fugiam do julgo rigoroso do pai (especialmente para as meninas) e vigilância dobrada para a mãe. Não que seus pais deixassem de os vigiar, mas eles vigiavam menos devido ao trabalho ou a guerra. Logo após a segunda guerra se investe num nicho de mercado jovem, criando roupas, filmes, revistas, boates e músicas específicas para tal faixa etária. Donzelot acaba sendo fruto deste pós-guerra, apesar de certa distância temporal (a pesquisa é da década de 1970), questões como a revolução sexual e a contracultura ainda estavam na pauta do dia, e por sinal capitaneadas por jovens.
      Cavando um pouco mais fundo, sem buscar algum estado de perfeição originário, o trabalho vai se remeter em boa medida ao século XIX, atravessando o XVIII e o XX nos momentos necessários ou desejados. O tempo norteador é a Revolução Industrial e o advento do capitalismo, que vão interferir diretamente na constituição familiar. A mudança da oficina para a fábrica interfere em mais do que a produção de bens, vai mudar a constituição da família, e esta seguirá acompanhando as mudanças. Se antes trabalham todos juntos num cômodo da casa sob o olhar do chefe da casa, na fábrica trabalharam em setores e vigiados por um capataz. O curioso é que até recentemente era comum quase toda uma família trabalhar na mesma fábrica, mesmo que eecendo cargos em setores completamente distintos.
      Ora, tais câmbios somados a delinquência juvenil que começa a ser vista como problema (vide Oliver Twist) e os crescentes números de órfãos, alarmavam variados setores da sociedade. Será até mesmo sugerido que os órfãos fossem alocados em colônias do além-mar. O que se percebe é uma preocupação com a “utilidade” destes cidadãos, e talvez a vida destas crianças e jovens sem pais acabava se mostrando como um transtorno devido os dois grandes grupos em que estes se concentravam: orfanatos e delinquência. É bem compreensível que o problema esta no não trabalho destes sujeitos, pois num grupo os temos em orfanatos consumindo recursos, e noutro roubando, corrompendo o sistema de compra e venda mediado pelo dinheiro que deve ser ganho por meio do trabalho. E aqui a família talvez fosse muito mais um elemento policial do que “amigável” como gostamos de imaginar. A falta de família ocasionava a ausência de pais norteado as ações dos filhos (geralmente os colocando para trabalhar e gerar receita).
      Acho cômica a falta de originalidade atual em soltar toda a carga para os pais, pois é o que fazem no século XIX. Na tarda surge uma sociedade de pais, que mais tarde criou uma escola de pais. A ideia era reeducar os pais não preparados, ou então prepará-los ainda mais para esta função tão complicada e sensível que é ser pai. O curioso deste pesado fardo dado aos pais como os grandes responsáveis pela “má educação” de seus filhos se torna estranho quando tomamos contato com uma estatística da década de 1950, onde se demonstra que boa parte dos pais não sabiam o que seus filhos faziam ou onde estavam nas horas vagas, simplesmente por estarem fora de casa trabalhando. Assim como a maior parcela de tempo do (nascente) adolescente era passada com seus pares, na escola, lanchonetes e afins, do que em casa com sua família. O curioso é que esta tempo fora de casa mediado por outros reguladores que não a família (escola, amigos, ambientes sociais) vão gerar o surgimento deste modo de vida jovem, que curiosamente vem se tornando cada vez mais desejado (não trabalhar, gastar dinheiro, ir a festas com música barulhenta).
      O que muitas vezes não se percebe é que para além dos pais aquilo que chamamos de sociedade dá grandes contornos. Eventos grandes como as duas grandes guerras, vão ocasionar na saída da mulher de dentro de casa. Da mesma forma que boa parte delas não deseja voltar para dentro de casa é incabível obriga-las a isto, até porque conquistaram um lugar importante, ao menos, no campo profissional. O trabalho foi se afastando cada vez mais do lar, se as oficinas eram coladas a casa, as fábricas já serão afastadas. Contudo as vilas operárias nunca ficavam muito distantes do local de trabalho. O que temos hoje já chega a ser absurdo, com modelo dos subúrbios americanos, que ficam a quilômetros de distância do local de trabalho (por sinal é nos 70 que ocorre este “êxodo citadino”), deixando os centros das cidades desertos ao fim do horário comercial. A setorização das cidades (bairro das compras, bairro dos bares, bairro das residências), acaba influindo no passar de nosso tempo diário, aumentando cada vez mais nossos gastos de tempo e dinheiro, com locomoção. Somado ao nosso modelo de vida sonhado, recheado de viagens, eletrodomésticos, produtos importados e conforto financeiro, o planejamento familiar acaba diminuindo a quantidade de filhos. Não queremos abrir mão do sábado a noite, nem das viagens e da carreira de sucesso, estes elementos interessam mais a maior número de pessoas, do que viver como nossos pais.
      Dai que me pergunto toda vez que escuto sobre a tal crise da família, de que família estamos falando? Da bíblica, onde temos escravos, poligamia e pagamento do dote (que vai na contra mão de nosso amor romântico), da medieval que “vendia” seus filhos, da grega onde a mulher era quase um bem material ou da nuclear aburguesada?
      Mesmo com um fim ou crise da família anunciados, o fato mais curioso é que ela não deixa de existir, mesmo mudando seu formato e configuração, ela continua lá, e poucas vezes nos atentamos para isto. O formato de família muda, até porque nem sempre foi o mesmo e tal instituição não ocupa a centralidade desejada por muitas pessoas. Há uma relação nisto tudo, que me parece típica de nossa modernidade, onde desejamos algo, sabemos de alguma forma que teremos que abrir mão de algumas coisas para alcançar isto, mas não cessamos de nos lamentar e encolerizar pelo que abrimos mão. E nisto lembro da quantidade de vezes ao dia que tomamos contato com coisas que dizem respeito as tais tradições da sociedade e o career opportunites, e a vontade de se colocar a venda num alto preço dentro do mercado de trabalho. Creio por fim, de que tal lamentação pela instituição familiar, apenas pode se dar em nossa contemporaneidade. 

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