sábado, 26 de novembro de 2011

Elogio da Madrasta - Mario Vargas Llosa


Sempre procuro não me render ao que está ocorrendo no momento, procuro falar daquilo que me interessa, até porque não há nenhuma pretensão neste blog além de falar sobre livros que li ou filmes que assisti e gostei. E se der sorte, quem sabe fazer alguma troca, mas não uma recomendação de “boa leitura” (mesmo que por vezes me traia neste propósito). Dai que os únicos “nobels de literatura” no blog são anteriores aos anos 1970 (Kawabata e Camus). Mas por uma série de razões, e a principal por um amigo meu ter me emprestado o livro, li esta obra de Vargas Llosa enquanto ele está quente (ou não fora substituído por outro escritor de língua latina).
Admito que não esperava tanto deste peruano. Havia assistido uma ou duas entrevistas suas onde ficava claro sua erudição (algo de se esperar). Mas certamente que após ler alguma obra sua, as palavras proferidas numa entrevista se fazem mais claras. Por sua erudição não esperava um escrito tão cru e visceral. Posso estar enganado e o “Elogio” pode se constituir uma exceção, até porque não li nenhuma outra coisa sua (artigo, conto, frase) que não este livro erótico.
Me surpreendeu a forma com que casou elementos de uma sub literatura, como o erotismo e os singelos elementos de uma história de amor, com uma literatura “clássicosa”. Sem deixar de perder o ritmo ou intensidade. Mesmo se tratando de uma família abastada, que tem empregados para cuidar da casa, a história não é um romance monótono que narra o cotidiano e picuinhas de uma burguesia com vontades de aristocracia.
Trata da sexualidade de forma forte, que parece procurar o corpo do leitor em suas descrições e narrativas dos corpos dos personagens. Seja o já envelhecido Don Rigoberto, a sensual Lucrecia ou o mancebo Foncho. Os corpos estão ali. Rigoberto é o corpo em decadência, envelhecido, mas ainda viril e vivo. Lucrecia é uma mulher velha, daquelas que a idade traz o ápice da beleza. Enquanto Alfonso, o menino em início de puberdade, tem seu corpo ainda límpido e provocativo. Desde seus cabelos e pele clara, até seu olhar e risada.
Imagino não ser o único que voltava para ver as pinturas que estão no começo de alguns capítulos, assim como olhar a capa do livro ao fim de cada descrição da madrasta. Os capítulos entremeados por histórias que estão dentro dos quadros, corrobora com o entendimento da história. Além de me lembrar quando era garoto e olhava para quadros e imaginava histórias, talvez não tão criativas quanto as de Llosa, mas assim como era para Foncho o quadro da sala, tais pinturas se faziam particulares e magníficas.
O curioso é que a história se passa toda dentro da casa. O mundo exterior a casa, com exceção do céu, pode ser citado, mas não se faz existente na história. Vargas Llosa escolhera muito bem as palavras e cria uma ambiência particular para a história. Definitivamente o livro me surpreendeu.


domingo, 20 de novembro de 2011

Misto Quente - Charles Bukowski

Como já publiquei sobre este livro (não vale a pena ler a resenha, apenas ver a capa do livro) coloco esta foto do Bukowski, nos tempos "áureos" em que ele não era um escritor reconhecido e precisava de outros empregos para se manter.

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Na abertura da obra Bukowski dedica o romance para todos os pais. A provocação combina bem com a obra. O personagem principal é alguém com muita potencialidade e capacidade, mas muitas coisas lhe atrapalham. E a situação gera no leitor uma identificação com o personagem, que faz do livro algo tão intimista.
Situado entre a primeira e a segunda guerra, Misto-quente é uma obra bem crítica destes tempos conturbados. Além de muito divertido, há algumas coisas entre suas linhas que antes não havia percebido ou dado atenção. A forma como Buk aborda a guerra e o american way of life, propagado por todos os lados, inclusive a escola, são incríveis. Ainda mais se for levado em consideração a geração da qual provinha Charles Bukowski. E a imagem do modo de vida americano ganha corpo em seu pai, sujeito mesquinho, bronco e estúpido, e se ainda não basta, acreditava que a simples vontade humana dá conta dos desafios da vida.
A primeira vez que eu e minha irmã lemos o livro nos identificamos no ato com o “fantasma alemão”. Nascemos aqui nesta cidadezinha cheia de descendentes de povos de língua alemã, e muitos certamente receberam uma educação semelhante a descrita no livro. A parte de não deixar o filho brincar na rua para não “parecer pobre”, ou uma educação pautada no castigo e na inflexão, uma rigidez cada vez maior para “corrigir-se” a criança. Além do fator que é algo esquisito crescer ouvindo pessoas falando sobre a Alemanha como se fosse o céu, e coisas do tipo. Talvez pouca gente saiba, mas o índice de suicídios é altíssimo na região do vale do Itajaí. Brincamos falando o quão “positiva” é esta educação prussiana que gera um bando de doidos, alcoólatras, pessoas frias que acreditam na Alemanha como lugar ideal (até hoje).
A década de 1930 foi toda marcada pelo forte desemprego nos EUA. Foi uma crise tão forte que levou a uma total descrença do capitalismo, dai o fortalecimento do ideário comunista e principalmente nazifascista, pois além de anticapitalista era também anticomunista. E fica nítida a hipocrisia de seus colegas de faculdade, especialmente o boa-pinta queridinho do campus, que fazia todo seu discurso contra os nazis, mas não se negaria a colaborar caso “eles ganhassem”. Faz muito sentido se lembrarmos que os mesmos Estados Unidos que se propunham como soldados da liberdade contra o nazismo, não evitavam em continuar com sua color line, distinguindo espaços para negros em brancos (isso mesmo, como na África do Sul e seu apartheid).
Como forte “herdeiro” de John Fante, Bukowski não poderia deixar de trazer recortes da vida que pulsa nas ruas. Vida esta que é manchada de sangue, suor e com cheiro de bebida alcoólica. Toda aquela gente com sua sobre vida, procurando formas de ganhar dinheiro e de gastar o mais devagar possível o pouco que tinham. Gente que usa de seu empenho e vontade, sem contando conseguir muito mais do que vencer aquele dia e preparar-se para o próximo que já se anuncia.
Ficaria curioso em saber qual a reação de todo um grupo de professores ao lerem esta obra. Este livro tem um pouco do efeito dos incompreendidos de Truffaut. Até porque escuto muita gente (professores ou não) dizendo como tem que ser feito, que a rigidez de antigamente deveria voltar, que hoje em dia está “virado”. Certamente Misto-quente não se resume à memórias de Charles Bukowski, mas é óbvio que seus escritos tem reflexos de suas experiências. E dai que percebemos que a escola funcionava do mesmo jeito que hoje em dia, só que agora temos computadores, celulares, tênis de marca e ar-condicionado. O teste de paciência é ainda o mesmo para os alunos, e o desagrado é o mesmo para o professores.
Com sua escrita fácil, que deixa nossos olhos correrem pelas páginas, Misto-quente é também uma das obras mais tocantes que já li que tratam da adolescência. Apesar de não ter tido acne vulgaris, também não fui nenhum sucesso, seja com garotas, esportes ou notas. Chinaski, assim como o Arturo Bandini de A caminho de Los Angeles, é um sujeito de espírito forte, é Deus, como é difícil ter espírito forte, como é custoso mantar-se um espírito livre!