sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Rocky Horror Picture Show

Eu não gosto de musicais, os considero muito chatos – não suporto mesmo. Mas, por uma série de motivos Rocky horror Picture show, que é um musical, está entre meus filmes favoritos. Creio que a estética do filme ajuda muito, mas não é só por isso.

O filme me remeteu a uma série de questões (em especial sobre a liberação sexual) que estavam rolando nos anos 70. Apesar de ter um certo ar cômico – o que torna o filme melhor ainda – o considero uma boa forma para pensar certas questões que ainda estão no ar. A exemplo do casamento em que os dois “heróis” estão. A música, assim como as falas, ilustram muito bem a imagem que temos muito bem desenhada: o sujeito trabalha numa empresa, namora a garota desde a escola, faz pouco tempo (não mais de cinco anos) que ambos terminaram a escola e seus amigos estão casando. A inveja de Janet por sua amiga recém-casada e o receio de Brad pelo casamento (damned!) ali estão, mesmo assim casar se mostra como algo natural. Ali também teremos dois cidadãos exemplares desenhados, que irão sendo rabiscados e desconstruídos ao longo do filme. Outro detalhe é que dois personagens que vão aparecer mais tarde já aparecem ali com outra roupa (o mordomo e Columbia).

Também vale lembrar que o que toca no rádio enquanto o casal se perde por entre o bosque é a renuncia de Nixon. Posso estar fazendo um exagero crítico, mas é bacana a idéia do discurso da renúncia de um presidente conservador como fundo para as mudanças que estão por vir. Ao que tudo me indica é nos anos 1970 que a liberação sexual vai ganhar mais força e ali vão ser ultrapassados certos paradigmas, dentre eles um amor mais solto, mais permissivo. Não há problema algum em deixar-se levar por uma vontade, nisto a cena cômica que ocorre entre o casal, que apesar de terem se deixado levar, tinham como grande preocupação se os “outros” soubessem, o que demonstra o tom da hipocrisia sexual que está inscrita em nós.

Apesar da peça original ter sua estréia em Londres, conheço apenas a adaptação para o cinema, que creio ser bem hollywoodizada, o que leva o filme a remeter-se a questões muito mais americanas, como o próprio professor que caça aliens, que deixa escapar em sua fala[1] sua origem alemã. E aqui vou me remeter para além do arquétipo do cientista maluco alemão e lembrar que após a segunda guerra houve um espólio por cientistas e tecnologias alemãs, e como aceitar esta tolerância após tão recentemente ter-se visto os horrores da guerra[2] (campos de concentração e bombardeio de cidades) e estes cientistas de alguma forma terem colaborado para isto? Assim como certa vez num filme – acho que era “o exorcista” – um sujeito bêbado numa festa vai olhar para um outro e fica lhe perguntando várias vezes em tom acusador se não era ele quem trabalhava para a Gestapo, o que mostra o tom ainda recente (para os anos1970) destes fantasmas. Creio que justamente num combate mais claro a estes costumes que tiveram seu auge na segunda guerra (nacionalismo, conservadorismo e outras questões) que algumas pessoas mais atentas se voltavam. E por que não colocar Rocky Horror como alguma forma de resposta a estes limites que se almejava ultrapassar então? Creio que além de ser um filme muito divertido e que nos dá vontade de sair dançando e cantando, ele traz uma série de provocações, em especial no campo sexual, que apesar de renovações (divórcio e casamentos para pessoas do mesmo sexo) ainda muito pouco conseguiu soltar-se de uma configuração tradicional, representada na obra por Brad & Janet.



[1] Em vez de dizer “and” para ele deixa escapar o alemão “und”.

[2] A segunda guerra vai marcar muito fortemente estes anos que vem a seguir, não por acaso temos no “The Wall” o personagem principal como filho da guerra, é ali que começa sua história. No caso de Dee Dee Ramone creio que fica mais claro, nascido na Alemanha filho de um soldado estadounidense com uma alemã, no livro “mate-me por favor” ele relata suas buscas por relíquias de guerra. Sobre esta aceitação de nazistas após a guerra alguns países como Argentina, Brasil e Chile aceitaram vários membros famosos até do Dritte Reich, que em alguns casos nem precisaram mudar de nome. No caso do EUA esta aceitação se deu também, em especial por meio de cientistas, como de alguma forma o filme de Tarantino “Bastardos Inglórios” vai mostrar – porém no caso devido a um acerto entre o oficial da SS e o governo estadounidense, que vai ilustrar a tolerância com o nazismo, especialmente que o personagem então era um caçador de judeus.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Noite - Erico Verissimo

Há pouco tempo venho mantendo algum contato com a literatura brasileira e em nada ela me decepciona. Fazia algum tempo em que eu estava curioso para ler Érico Veríssimo, pois quando pequeno lera um pouco de seu filho (as mentiras que os homens contam) e sempre escuto falar sobre clássicos como “O tempo e o vento”. Devido a minhas leituras para a faculdade acabei pegando um texto de Sandra Pesavento onde ela analisava este livro de Veríssimo[1]. Pelo que encontrei sobre o livro e até mesmo na própria parte de traz do livro, Veríssimo irá tentar mostrar a cidade como corruptora, de alguma forma noite neste caso seria uma analogia para com o lado sombrio, ou algo neste sentido ao que tudo indica.

Porém a impressão mais forte que esta novela me deixou foi a de que de alguma forma, o autor tentou demonstrar a vida – no sentido de ação – que ocorre ao longo da noite. Esta impressão se gravou principalmente devido a parte do hospital, pois ali ficam a falar deste caráter que percorre a noite. Apesar de haver algo mais em torno da história do que um sujeito na noite, com certeza este livro traz uma boa gama deste universo noturno. Para mim o caráter corruptor, maligno viria em segundo lugar e devido as impressões causadas em mim pela leitura de críticas.

Apesar de esta vida noturna estar de alguma forma no imaginário, seja por meio da literatura ou cinema, é algo extremamente muito difícil de ser desenhada. Aqui faço uma pausa/mistura com o desafio que se coloca ao menos para mim nas muitas vezes que escrevo, e lendo Kawabata percebi isto de forma mais clara. Sempre que escorrego meus dedos pelo teclado vou me remetendo a sensações e coisas praticamente impossíveis de descrever, aquela sensação única de uma risada numa conversa de bar, por exemplo. Mas como descrever o balanço da barriga, o esticar das bochechas que me parecem buscar as orelhas, o chacoalhar da risada violenta, o som que sai da boca, é difícil levar alguém a compreender o que pretendo dizer quando escrevo – se me permitem o linguajar coloquial.

Vários historiadores da cidade – a exemplo de Pesavento – me parecem tentar descrever estas coisas impossíveis, porém sem usar a mesma escrita que Veríssimo usaria por exemplo. Me perdoem os teóricos, mas muitas vezes não são mais do que delírios acadêmicos/intelectuais, feitos uma página inteira para descrever a dor provocada nos joelhos ao se levantar. E me desculpem novamente alguns historiadores, é aqui que a História se aproxima de alguma forma ou de outra com o romance. Por acaso você já imaginou a cidade medieval? É difícil. Muito mais fácil é imaginar a dos anos 1930-50 (suposto tempo em que se passa a obra), e penso até onde obras como esta não influenciam este nosso imaginário da cidade a noite.

Neste sentido sinto que esta obra de Veríssimo vai fundo neste viver urbano noturno. Não por acaso a história começa quando o dia termina e acaba quando o dia começa. Nas primeiras páginas do livro dá para imaginar a correria das pessoas indo para algum lugar, as famílias reunidas quando ele passa pelo bairro pobre, o bar fervendo de gente, o hospital exalando desespero (creio que eles fazem isso até de dia), e a rua como que ganhando calor e vida ao raiar do sol.

Desta forma inacabada e num texto pouco pensado para ser lido - com prazer - , lhes deixo.



[1] O artigo em questão se encontra no livro: Imagens urbanas :os diversos olhares na formacao do imaginario urbano /Celia Ferraz de Souza, Sandra Jatahy Pesavento organizadoras. -Porto Alegre : Ed. da UFRGS, 1997. - 292p.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Novo mundo - Emanuele Crialese (dir.)

Durante o século XIX a política de imigração (em especial imigração européia) para as Américas fora muito forte. A quantidade de imigrantes que chegaram nos EUA fora maior que a de todos os outros países americanos somados juntos. Aqui na América do Sul dois países conseguiram lograr o êxito desejado então, não por acaso até hoje são chamados de “os europeus da América do Sul”: Argentina e Uruguai. Entrando mais no caso da Argentina que conheço um pouco mais, o que tivemos fora o seguinte, mataram o máximo possível de povos originários (índios) e realocaram levas de imigrantes. Esta política não fora muito diferente da que ocorrera nos EUA (ou Austrália também), contanto que é só lembrarmos da conquista do oeste.

Além deste ponto que podemos no mínimo chamar de cruel, onde se massacra os povos que ali viviam (seja extirpando a sua vida biológica ou lhe obrigando a uma cultura europeizada) e tentando transferir um pedaço da Europa para outro lugar, “sem civilização”. Não esqueçamos aqui da colonização da África também. O filme vai retratar a vinda do imigrante para o novo mundo. A cena de abertura é, na minha humilde percepção, muito bem pensada. Primeiro podemos ver os dois sujeitos andando por aquele campo pedregoso, depois a câmera afasta mais um pouco e de novo, quando a câmera chega ao ponto máximo de distância a tela quase que se pinta de branco, de tão pedregoso que era aquele campo. Já havia lido a respeito da vinda de italianos. Sei que muitos vieram da Sicilia, parte menos fértil – até hoje – da Itália, o que faz dela a mais pobre também. Várias pessoas que conheci que foram para a Itália me disseram que quanto mais ao sul, mais pobre é a Itália. Apesar de se passar em 1904, a imigração ainda estava em alta e a Itália ainda não estava unificada – vide o dialeto falado no filme.

Fica claro a aposta em uma nova vida, uma vida mais rica materialmente. Se pegarmos os propagandas que os governos enviavam para a Europa poderemos ter uma noção do que fora na época esta idéia da imigração. Gosto de ver material sobre o assunto, pois me intriga fortemente o que leva um grupo tão grande de gente a abandonar sua terra natal, indo para tão longe.

O que não podemos esquecer, e creio que o filme não deixa, é que esta política de imigração se baseava em um preceito principal, o da eugenia. Se acreditava que com a introdução de europeus o pais teria uma melhor população, que iria condicionar uma melhor situação – cultural, econômica, política[1]. Isto se dava por dotes físicos/genéticos, onde o homem branco europeu era o melhor exemplar de um sujeito de luzes. Em último lugar estavam os negros, onde sua musculatura só demonstrava o quanto deveriam ser limitados ao trabalho braçal[2]. Assim como estes povos não-europeus tinham a índole e a moral fraca (daí de os índios serem preguiçosos).

Ao estudar a questão da imigração no Brasil não havia me atentado para o fato de que na época os EUA ainda não eram o que vem ser após a 1ª e 2ª guerra, e que esta questão eugênica vai permear todo este mundo chamado ocidental. Para tal o filme re-faz uma excelente ilustração da chegada dos imigrantes a “terra da liberdade”. Ao chegarem nos EUA (Ellis Island) os imigrantes passavam por uma espécie de triagem, onde eram analisados aspectos físicos de saúde, como a tradicional olhada na boca para ver se ali se encontram todos os dentes, até testes de “inteligência”[3] que mais se assemelhavam a jogos de tabuleiro. E aqui sejamos sinceros, se ninguém lhe diz como são as regras, você não vai “jogar direito”. É importante lembrar também que os imigrantes que não se encaixavam no perfil exigido eram mandados de volta, independente de todo o resto da família ter conseguido passar no teste. Se não me engano (perdoem-me a imprecisão) aproximadamente 2% dos imigrantes voltaram. Okay, pode parecer pouco, também imaginei isto ou ouvir o dado, mas de 10 pessoas 2 nunca viram a América e tiveram que voltar, depois de meses no navio e passar por todos exames foram mandados de volta. Agora imagine quanta gente é 2% de 5,3 milhões, que é o numero de imigrantes italianos que conseguiram entrar nos EUA. Não esquecendo das vastas levas de irlandeses, alemães, judeus, poloneses... seguramente o numero sobe.

Creio que se assistirmos o filme pensando estas questões que permeavam o século XIX, ele pode ser uma boa ferramenta para entendermos como ocorrera este processo de imigração, que parece ter ocorrido tão bem quando lemos algo sobre o assunto. Além de claro tanger a questão racial, que ainda hoje repercute seu eco.

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=2QpUCiLV8xw

Aqui tem uma sinopse e ficha técnica do filme: http://tvcultura.cmais.com.br/mostra?d=2011/07/01



[1] Algo aqui me leva a teoria do capital humano... não sei ao certo, pode ser apensas um comichão bobo.

[2] Para ver mais detalhadamente esta questão de raças e eugenia, sugiro o livro da Antropóloga Lilia Moritz Schwarcz “O espetáculo das raças”.

[3] Os: Se alguém souber como medir isto, por favor me diga como! (obs: não me venha falar do teste de Q.I.).