segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Novo mundo - Emanuele Crialese (dir.)

Durante o século XIX a política de imigração (em especial imigração européia) para as Américas fora muito forte. A quantidade de imigrantes que chegaram nos EUA fora maior que a de todos os outros países americanos somados juntos. Aqui na América do Sul dois países conseguiram lograr o êxito desejado então, não por acaso até hoje são chamados de “os europeus da América do Sul”: Argentina e Uruguai. Entrando mais no caso da Argentina que conheço um pouco mais, o que tivemos fora o seguinte, mataram o máximo possível de povos originários (índios) e realocaram levas de imigrantes. Esta política não fora muito diferente da que ocorrera nos EUA (ou Austrália também), contanto que é só lembrarmos da conquista do oeste.

Além deste ponto que podemos no mínimo chamar de cruel, onde se massacra os povos que ali viviam (seja extirpando a sua vida biológica ou lhe obrigando a uma cultura europeizada) e tentando transferir um pedaço da Europa para outro lugar, “sem civilização”. Não esqueçamos aqui da colonização da África também. O filme vai retratar a vinda do imigrante para o novo mundo. A cena de abertura é, na minha humilde percepção, muito bem pensada. Primeiro podemos ver os dois sujeitos andando por aquele campo pedregoso, depois a câmera afasta mais um pouco e de novo, quando a câmera chega ao ponto máximo de distância a tela quase que se pinta de branco, de tão pedregoso que era aquele campo. Já havia lido a respeito da vinda de italianos. Sei que muitos vieram da Sicilia, parte menos fértil – até hoje – da Itália, o que faz dela a mais pobre também. Várias pessoas que conheci que foram para a Itália me disseram que quanto mais ao sul, mais pobre é a Itália. Apesar de se passar em 1904, a imigração ainda estava em alta e a Itália ainda não estava unificada – vide o dialeto falado no filme.

Fica claro a aposta em uma nova vida, uma vida mais rica materialmente. Se pegarmos os propagandas que os governos enviavam para a Europa poderemos ter uma noção do que fora na época esta idéia da imigração. Gosto de ver material sobre o assunto, pois me intriga fortemente o que leva um grupo tão grande de gente a abandonar sua terra natal, indo para tão longe.

O que não podemos esquecer, e creio que o filme não deixa, é que esta política de imigração se baseava em um preceito principal, o da eugenia. Se acreditava que com a introdução de europeus o pais teria uma melhor população, que iria condicionar uma melhor situação – cultural, econômica, política[1]. Isto se dava por dotes físicos/genéticos, onde o homem branco europeu era o melhor exemplar de um sujeito de luzes. Em último lugar estavam os negros, onde sua musculatura só demonstrava o quanto deveriam ser limitados ao trabalho braçal[2]. Assim como estes povos não-europeus tinham a índole e a moral fraca (daí de os índios serem preguiçosos).

Ao estudar a questão da imigração no Brasil não havia me atentado para o fato de que na época os EUA ainda não eram o que vem ser após a 1ª e 2ª guerra, e que esta questão eugênica vai permear todo este mundo chamado ocidental. Para tal o filme re-faz uma excelente ilustração da chegada dos imigrantes a “terra da liberdade”. Ao chegarem nos EUA (Ellis Island) os imigrantes passavam por uma espécie de triagem, onde eram analisados aspectos físicos de saúde, como a tradicional olhada na boca para ver se ali se encontram todos os dentes, até testes de “inteligência”[3] que mais se assemelhavam a jogos de tabuleiro. E aqui sejamos sinceros, se ninguém lhe diz como são as regras, você não vai “jogar direito”. É importante lembrar também que os imigrantes que não se encaixavam no perfil exigido eram mandados de volta, independente de todo o resto da família ter conseguido passar no teste. Se não me engano (perdoem-me a imprecisão) aproximadamente 2% dos imigrantes voltaram. Okay, pode parecer pouco, também imaginei isto ou ouvir o dado, mas de 10 pessoas 2 nunca viram a América e tiveram que voltar, depois de meses no navio e passar por todos exames foram mandados de volta. Agora imagine quanta gente é 2% de 5,3 milhões, que é o numero de imigrantes italianos que conseguiram entrar nos EUA. Não esquecendo das vastas levas de irlandeses, alemães, judeus, poloneses... seguramente o numero sobe.

Creio que se assistirmos o filme pensando estas questões que permeavam o século XIX, ele pode ser uma boa ferramenta para entendermos como ocorrera este processo de imigração, que parece ter ocorrido tão bem quando lemos algo sobre o assunto. Além de claro tanger a questão racial, que ainda hoje repercute seu eco.

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=2QpUCiLV8xw

Aqui tem uma sinopse e ficha técnica do filme: http://tvcultura.cmais.com.br/mostra?d=2011/07/01



[1] Algo aqui me leva a teoria do capital humano... não sei ao certo, pode ser apensas um comichão bobo.

[2] Para ver mais detalhadamente esta questão de raças e eugenia, sugiro o livro da Antropóloga Lilia Moritz Schwarcz “O espetáculo das raças”.

[3] Os: Se alguém souber como medir isto, por favor me diga como! (obs: não me venha falar do teste de Q.I.).

2 comentários:

  1. ótimo filme e a crítica que você faz é perfeita

    ResponderExcluir
  2. Achei o filme incrível para entender um pouco mais da imigração. Este projeto doido de fazer uma nova Europa nas américas. Pelo que sei o processo de imigração nos EUa foi muito forte, só eles receberam mais do que todos os outros países americanos. O filme Sacco & Vanzetti ajuda a entender um pouco mais, acho. Havia uma perseguição a anarquistas por exemplo, quer dizer, não é só um corpo "limpo" que desejavam, mas uma sociedade "pura". Como li numa obra de Oiticica (se não me engano) "a pureza é um mito", faço certo coro a isto.
    Havia um certo preconceito pois muitos imigrantes vinham de regiões pobres (como o filme bem mostra), eram vistos como sujos, broncos...
    Ainda gostaria de ver mais de perto este processo de imigração.
    O curioso é que ficamos espantados quando tomamos contato com o eugenismo nazi, mas ele tem suas origens bem anteriores ao nacional-socialismo.

    abraços!

    ResponderExcluir