terça-feira, 20 de maio de 2014

Sorte Cega - K. Kieslowski


Apesar da linguagem mais difícil de Kieslowski, seu cinema busca dialogar com a existência humana mantendo um diálogo com o sujeito comum, ordinário, humilde. Seus personagens dificilmente são grandes personalidades, quando muito são figuras que estariam em segundo plano de alguma pessoa que ocupa uma posição social de maior prestígio, a exemplo da mulher que é a viúva de um grande maestro (caso de A liberdade é azul). Em Sorte Cega, Kieslowski procura dialogar com a aleatoriedade, as múltiplas possibilidades que a vida pode colocar.
O roteiro é basicamente focado em mostrar três possibilidades numa simples viagem de trem. O fato de pegar ou não o trem na estação pode implicar em três destinos diferentes: se tornar um membro do partido comunista polonês, militar na oposição anti-comunista polonesa e a última opção seria concluir seus estudos em medicina e seguir uma vida pacata evitando envolvimento algum com a situação política polonesa.
Mesmo lidando com elementos como os caminhos possíveis da vida, há no filme um forte caráter político, e por este motivo o filme concluído em 1981 foi lançado apenas em 1987, devido as censuras do governo polonês da época. O que está comum em todas as possibilidades do filme é o fundo político, já que a adesão ao partido comunista está ligado de alguma forma em realizar uma mudança por dentro das entranhas do sistema político polonês, a militância anti-comunista se dá pelo desejo em transformar a realidade polonesa de uma forma muito mais combativa, direta e militante, enquanto no último caso, por mais que Witek fuga dos elementos políticos ele se vê cercado por eles, sendo forçado a tomar alguma posição quando da condenação do filho de seu mentor, que fica impossibilitado de viajar para a Líbia num importante congresso.
O curioso é que na primeira opção, da qual Witek escolhe aderir ao partido comunista, é o momento de menor ação política no filme, mostrando o partido como algo burocrático e que não responde aos desejos da população. E por mais claro e lúcido que possam ser os pedidos, a estrutura partidária se mostra ineficiente e seus membros ganham contornos cada vez mais atrapalhado e infantil. Conforme Witek ganha prestígio no partido, ele se torna cada vez mais distante do mundo real que o cerca. O filme parece ilustrar que a possibilidades de mudança da situação polonesa por meio do partido como pouquíssimo eficiente.
Na segunda possibilidade, a adesão ao movimento de oposição parece buscar responder um pouco do que foi posto na primeira possibilidade. Se não dá certo pelo partido, poderia dar certo pela resistência organizada. Witek vai tomar contato com os grupos de oposição, mas é neste momento em que ele mais terá problemas e precisará se dobrar em dois, a situação de constante ameaça e perseguição se mostram cansativas, levando a pressões para entregar seus colegas e também criando um clima de desconfiança muito grande. Tornando esta situação não tão eficiente em relação as anteriores, e de um custo pessoal muito alto.
Quando resolve adotar uma vida medíocre sem nenhum envolvimento com a política, Witek acaba sendo pego de surpresa por ela, sendo obrigado a tomar uma posição e tendo o final mais trágico de todos.
Podemos entender que Kieslowski buscava dialogar com a situação política da Polônia na época da filmagem, já que é nos primeiros anos de 1980 que o Solidariedade está com tudo, sendo o primeiro sindicato autônomo dentro do bloco socialista. Como era um momento de intensos atritos políticos, Kieslowski parece estar deixando claro que não havia muito como não se envolver ou se posicionar durante tais eventos na mesa. Também mais do que isso, fica no ar a ideia de que não se pode evitar alguns elementos, como no caso do filme pegar ou não o trem, e partindo destes elementos inevitáveis o roteiro se desenrola. No caso de Sorte Cega o elemento constante e que não se evita fugir é o elemento político, presente em todas as três possibilidades.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Reflexões sobre o socialismo - Maurício Tragtenberg

   Que a Revolução Russa e suas consequências são algo importante, não restam dúvidas. Os estudos sobre este momento e experiência tão particular merecem sim serem estudados. A União Soviética foi detentora de coisas impressionantes, ainda são o país com o maior quadro de medalhas nas olimpíadas, desenvolveram o setor espacial de maneira impar, conseguiram praticamente erradicar o analfabetismo, além de uma série de outras coisas louváveis como filmes do naipe de Solaris. Porém nada disso apaga o caráter autoritário que acompanhou a existência da URSS. Como bem ilustra Tragtenberg, a URSS acabou buscando um monopólio do que seria o socialismo, caráter perceptível pela sua política do partido único e não socialização dos meios de produção (por sinal, ponto chave do socialismo).
      O livro mantém um caráter de fácil diálogo com o leitor, trazendo dados ainda hoje pouco conhecidos e abordados, seja por socialistas ou não socialistas, e reflexões conclusivas sobre estes episódios, a exemplo do levante de Budapeste, onde os húngaros pediam a pose de novo primeiro ministro, por ser Imre Nagy um verdadeiro socialista; até o caso mais desconhecido do levante de trabalhadores, em sua maioria camponeses, em torno da figura de Nestor Mahkno, que ocorre em paralelo a Revolução Russa, e posteriormente são massacrados pelo exército vermelho ao negarem o julgo soviético. O que temos claro é que a oposição mais atuante contra o regime totalitário vinha de pessoas que acreditavam no socialismo, e não de gente que desejava implantar o capitalismo. Esta dualidade que acaba se fazendo automaticamente, indica ser fruto de parca interpretação do que foi a Guerra Fria. Afinal, os interesses dos dirigentes políticos não são os mesmos das pessoas comuns.
    Tragtenberg chama atenção para o fato de as empresas soviéticas funcionarem por meio de salários, visando criar um competitividade e estar lado a lado com as economias de mercado capitalista, fato que somado ao Estado deter os meios de produção caracterizarem a economia soviética como de capitalismo de Estado.
     O ponto mais positivo do livro é a busca pela quebra de um monopólio da política, trazendo ela para mais próxima do trabalhador, deixando claro que este não depende de partido ou vanguarda política alguma para conduzir suas lutas. Os trabalhadores sabem e tem capacidade para conduzirem suas necessidades e problemas. Deixando claro desta forma que um regime autoritário se mostra sempre autoritário, independente de sua cor ou justificativa. Assim como partido algum irá além da reforma política, quando muito.
     As reflexões de Tragtenberg ocorrem enquanto a união soviética ainda existia e de uma forma ou de outra ainda dominava muito do cenário político, apesar de demonstrar cada vez mais sua decrepitude e clara não resposta aos anseios populares – questões que levaram a seu fim. Dai a necessidade de uma clareza pessoal referente a uma teoria política que pretende dar conta de transformar a realidade capitalista que se vive. E como a autonomia se mostra importante para tudo isto, já que afinal, ninguém precisa dizer as pessoas quais seus problemas e indicar soluções prontas.