Faz algum tempo a esquerda de maneira geral passa por um forte
questionamento, tanto interno quanto externo. Ocorre que com o fim da
URSS acabou ficando no ar uma vitória do capitalismo liberal, de fim
de século inesperado. Pareceu então que o capitalismo havia vencido
e era o único caminho possível. Não por acaso, os anos 1990 são
acompanhados de uma série de privatizações, no caso da América
Latina se buscou seguir a cartilha da escola de Chicago que teve uma
de suas primeiras experiências durante o governo ditatorial de
Augusto Pinochet. Muitos defensores do regime ditatorial de Pinochet
e do neoliberalismo vão apontar para o fato de que o PIB chileno
aumentou durante o governo militar, mas não podemos esquecer que não
houve uma distribuição de renda, ocorrendo justamente o contrário,
havendo um aumento das diferenças sociais, isso sem contar no saldo
de mortos por um regime assassino.
É durante os anos 90 que vamos perceber um avanço maciço deste
capitalismo neoliberal e de um novo termo: globalização. Fazendo
parecer com que globalizado e moderno soassem iguais, um país que
não estava no eixo da globalização estaria fadado ao fracasso, dai
que ocorreu um esforço gigante para que este processo ocorresse, e
praticamente não nos demos conta na época de que esta globalização
não passava de um nome bonito para um capitalismo sem fronteiras e
muito mais agressivo e atuante. Com o fim da URSS o Estado deixou de
ser o grande inimigo, e o capital passou a controlar o Estado – ou
melhor, oficializou esta mudança. Vale recordar que temos inúmeras
empresas e conglomerados que ultrapassam em muito as riquezas de
vários países.
Havendo uma mudança do quadro as estratégias precisam mudar, o foco
deve ser outro. Esta talvez seja a maior contribuição de Hakim Bey,
nos alertar para algo tão óbvio, novas posturas e estratégias para
novos tempos. Apesar da propaganda colocar a globalização (e
consequentemente o capitalismo) como um produto aceito e desejado por
todos, temos várias expressões não ligadas a visão tradicional
que existe da esquerda, que de uma forma ou de outra rejeitam esta
dominação global. O exemplo mais claro disso é o islamismo e seus
grupos ligados a essa religião. Apesar de não ficar claro no
discurso, podemos perceber que há na adoção prática dos islamismo
uma forma de rejeitar este novo mundo globalizado (e ocidentalizado)
que pretende estar em todos os lugares. Da mesma forma setores da
Igreja católica percebem que vivemos num mundo cada vez menos
místico a medida que o capitalismo se renova e ganha cada vez mais
espaço, sobrando menos tempo e atenção para um lado espiritual,
diminuindo cada vez mais o número de fiéis nas igrejas. Os índios
brasileiros estão há anos buscando sobreviver com sua estrutura
social distinta e ausente de Estado. Apesar de não termos algo que
podemos chamar de “consciência revolucionária” ou
classificarmos algum destes exemplos do que seria a esquerda,
vários grupos acabam resistindo, direta ou indiretamente, consciente
ou inconscientemente, a esta globalização. Notem que não se
restringe aos black blocs.
Devemos claro, tomar cuidado para
não cairmos num fundamentalismo islâmico ou algum desejo
conservador nostálgico, o que temos de maneira bem clara é o quanto
o fim da União Soviética acabou com o monopólio da oposição ao
capitalismo, e devemos aproveitar isto. Neste sentido há cada vez
mais novas formas de luta. Apesar de nos últimos anos o capitalismo
procurar dar conta de várias carências materiais, a exemplo do que
ocorreu no Brasil nestes últimos anos, ainda temos as pessoas
morando em favelas, faltando água potável, com hábitos cotidianos
péssimos somados a uma terrível alimentação (sódio/açúcar em
altas quantidades), segregação social (vide os “rolezinhos”),
diferenças e problemas que estão muito mais ligados a uma questão
cultural do que material, mas ainda assim provocados por um modelo
capitalista de sociedade. Apesar do capitalismo ter garantido comida
para muita gente, a qualidade de vida não está melhor, muitas vezes
até piorou. Precisamos analisar o capitalismo hoje de maneira atual,
e por mais genial que Karl Marx possa ser, a muitas vezes ele não
servirá.