sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Escute, Zé Ninguém - Wilhelm Reich


          Observando o que foram os primeiros 30 anos do século XX, podemos perceber que havia uma força motivadora muito grande neste período. Uma busca pela emancipação do indivíduo talvez seja a forma resumida de entender isto. Neste sentido o livro de Reich, publicado logo após o término da segunda guerra mundial, se mostra um manifesto muito claro e consequência deste tempo. Ler este livro com um mínimo de olhar histórico pode se revelar uma experiência única.
          A invenção do indivíduo produzirá uma série de novas tecnologias. Podemos observar que noções de comportamento e política vão mudando conforme esta invenção se faz e aperfeiçoa. Podemos observar que o ideal político começa a abandonar o modelo semi-divino do rei, caminhando para algo mais republicano, e talvez num ponto mais extremo, para o comunismo ou a anarquia. O sujeito se reconhecerá enquanto indivíduo, e buscará ser tratado como tal, cada vez mais em busca da sua liberdade individual. Daí a necessidade de abandonar a vontade de um soberano (quase divino) na busca de formas mais eficientes para suprir vontades coletivas de cada pessoa – por isso a república e a democracia moderna, da quais carregamos forte herança.
          Talvez no inicio do século XX nunca tenhamos chego tão perto de uma emancipação do individuo, jamais vista em outros períodos históricos. Se num dado momento utilizarão o Estado para mediar os interesses coletivos (a exemplo da revolução francesa), nos princípios do século XX quase chegamos talvez a abandonar, não necessitar e não desejar o Estado (esta herança autoritária dos soberanos absolutos). Curiosamente após a quebra da bolsa de valores temos um forte reforço do Estado por meio das propagandas e totalitarismos, acompanhada de frenética caça a grupos dissidentes (em especial anarquistas e comunistas, mas também religiosos como os testemunhas de Jeová, que se negam ao serviço militar), e vale lembrar, isto se passou em praticamente todo o mundo ocidental, não só na Alemanha nazista.
          Wilhelm Reich acaba provocando para este medo da liberdade que está no cidadão comum, e procura lhe mostrar a autonomia que ele pode exercer, recordando de que não há soberanos sem súditos  - para lhes sustentar. Amplamente identificado com o anarquismo, este austríaco parece caminhar para um pouco mais do que isso. O que ocorre afinal é um pedido para que não se repulse a liberdade, que não se deixe de amar, que haja sinceridade, e o mais importante, que não precisamos ter medo da vida. Preocupar-se com a rotina dos outros revela uma frustração enorme consigo mesmo, e devemos trabalhar sobre esta subjetividade com vista na emancipação máxima de nosso sujeito. Busquemos ser um Espírito Livre!

sábado, 19 de janeiro de 2013

Contemplação/O Foguista - Franz Kafka

Kafka consegue falar do sujeito moderno como poucos. As neuroses, crises e inconstância, parecem marcar bem este tipo de sujeito tão bem sujeitado. Não por acaso uma literatura tão fantástica acabe conversando tão bem conosco. Não só o sujeito é bem desenhando pelo tcheco, como também o meio em que vive este personagem. Elementos variados podem ser percebidos.
O mais conhecido destes elementos talvez seja o escritório. Büro em alemão. E sim é daí que se origina a palavra burocracia, e isto os povos de língua alemã souberam fazer como ninguém! Vale lembrar que esta é a língua em que Kafka escrevia, assim como era a língua usada pelo funcionalismo público de Praga, apesar da língua falada nas ruas ser o tcheco. O meio burocrático está ali constantemente ameaçando engolir o personagem, este por sua vez se vê acudido, querendo fugir, quase entrando num estado histérico, mas algo o parece impedir de perder a compostura. O escritório ou gabinete é um dos grandes ambientes da literatura de Kafka. E é hoje lugar de trabalho de muita gente.
Outra atenção aparece em relação às cidades e o seu frenesi, com trânsito, trens, fumaça, sujeira, mesmo que o normal seja não conduzir o leitor para algum passeio pelas ruas. Ela acaba se fazendo presente de alguma forma, mesmo que seja quando de algum olhar tímido pela janela. Pensando nisso a sensação claustrofóbica só aumenta, e voltamos a este sujeito moderno.
Sempre nervoso, podendo ser derrotado a cada instante. Não só pela conversa que se faz com outro personagem, como também por toda a ambiência que o cerca. De alguma forma a arquitetura que se arquiteta envolve o personagem. Poucas vezes me recordo de ler algo de Kafka que não se ambiente no interior de alguma construção, navio ou escritório.
Além de tudo isto, outro elemento tão caro aos modernos está ali, a fragmentação, e isto também tem relação com o tempo. Sejam os curtíssimos contos de Contemplação ou até mesmo suas histórias mais famosas, são sempre possíveis fragmentos do cotidiano. O leitor não é instigado a saber detalhes da vida do personagem, e não lhe interessa necessariamente saber tão pouco o fim que o personagem terá. O fragmento da história se encerra da mesma forma que inicia. E nossa vida é fragmentária. Alguém que te pergunta algo na rua, uma discussão rápida, não seguimos uma pretensa constância cotidiana, tão logo começa, termina. Um acaso parece conduzir as histórias de Kafka, um esbarrão num maquinista inicia uma história que termina com uma improbidade tal que, acaba se tornando real. Puro acaso, mas real, crível no final das contas. E por mais fantástico que seja a literatura deste sujeito geograficamente periférico da língua alemã, o incrível acaba sendo o mundo real não as fantasias criadas a partir dele.