quarta-feira, 27 de junho de 2012

A era da Inocência - Denys Arcand (dir)¹


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Talvez antes tivéssemos mais. É difícil se posicionar no tradicional jogo do tempo e decidir se se prefere o passado ou o presente (enquanto o futuro se revela incerto). Dizer que a política já não existe mais ou de que está sem gás, talvez seja pura falta de visão para além de grupos partidários, pois movimentações não partidárias ou não arregimentadas aparecem cada vez mais, e vem se mostrando eficientes. Ou então colocar de que na política restou apenas frivolidades cotidianas, como o jeito que se escovam os dentes numa citação direta a Pondé, me parece também uma falta de visão para além de teorias totalizantes. Sabemos bem o que queremos, as vezes tão bem que acabamos caindo no pecado do cientista, o do foco excessivo. Porém falta algo mais em meio a política e a vida cada vez mais confortável – e estática – que galgamos ao longo do tempo.
Posso estar carregado de saudosismo, mas já indico que meu saudosismo com o passado se resume a uma máquina do tempo apenas para matar curiosidades e logo voltar. Entretanto o passado por vezes revela elementos distintos e que por vezes sejam interessantes. Mesmo vivendo em uma paz, uma não violência (física), incomparável com a Idade Média ou o mundo antigo, a falta de um desafio maior do que ascender em alguma carreira numa empresa de sucesso, ou a segurança de nossas rotinas acabam tirando algo do viver. Voltar ao passado se mostra uma conclusão de pouca reflexão, o que desejo é olhar para tempos passados o suficiente para mudar o presente. Dai a piada que muitas vezes possa parecer um retorno as histórias de cavaleiros. Precisamos de algo para lembrar que estamos vivos, e quiçá por vezes a dor sirva para isto.
E aqui entra Freud, autor que nunca li mais do que um ou dois textos, mas que parece evidenciar um dos inúmeros elementos modernos: a centralidade do sexo em nossas vidas. Podemos indicar o exemplo dos vitorianos, sempre tão vistos como gente que ignora o sexo. Entretanto é com eles que se começa a falar sobre o sexo como nunca, livros e trabalhos acadêmicos começam a surgir nesta época. Nossa opinião a respeito dos vitorianos se faz devido a nossa visão contemporânea sobre o sexo. Se me pedirem para indicar algo que indique a centralidade do sexo hoje, indicaria as comédias-românticas e suas inúmeras cenas envolvendo sexo ou em trocadilho direto.
Recordo que este texto é uma generalização, e para generalizar é necessário recorrer ao grosseiro.
Algumas vezes a vida só parece ter sentido graças ao sexo, as constantes utilizações de um vocabulário para “coisas boas” e sexo são recorrentes (orgasmo, gozar). Assim como uma fatal associação da palavra prazer. Parece que a única coisa que ainda faz muita gente se sentir viva é o sexo. O tempo e dinheiro que se dispende com isso é incrível, a atenção (desde Freud talvez) ao sexo está em um mesmo patamar. Me impressiona a necessidade cobrada das pessoas para que tenham uma vida sexual ativa. Celibato é muitas vezes sinônimo de piada. Talvez porque soe estranho abrir mão de algo (ao menos) visto como tão prazeroso. Não por acaso muita gente indique o sexo como uma necessidade tão básica quanto comer e dormir.
Entretanto podemos facilmente entrar numa crise ao percebermos esta limitação em que chega nossas vidas, percebendo que boa parte do viver está associado ao sexo. Resumir a vida a um único elemento soa desesperador, limitado, e logo aquilo que antes parecia indicar tão bem o quanto estávamos tão vivos, revela o quão previsíveis e repetitivos estamos. Então numa completa revolta podemos abrir mão deste elemento tão central de nossa vida moderna/pós-moderna/pós-pós-moderna, e nos darmos conta de que viver hoje em dia muitas vezes seja limitado. E talvez cheguemos a conclusão de que nos restou apenas o sexo por ainda não haver como nos privar de nosso corpo e nossa humanidade.
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¹ ou: "O que nos restou é o sexo". O texto não procura abordar unicamente o filme, mas sim reflexões que tem relação direta com a obra. Por isso recomendo assistir o filme, disponível aqui.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Por amor às cidades - Jacques LeGoff

     Alguns cálculos trazem de que no mundo antigo era necessário aproximadamente 10 pessoas trabalhando no campo para que uma pudesse viver na cidade. Morar na cidade era um privilégio, poucos podiam, não por acaso as cidades medievais eram pequenas. Além disso haviam os perigos recorrentes das pestes, guerras e turbas revoltosas e famintas. Os muros que serviam para proteger também matavam, seja de fome caso algum cerco durasse muito tempo, ou seja pela má circulação de ar, que somada aos esgotos a céu aberto, colaboravam para a proliferação de doenças.
     Entretanto temos uma tendência positivista em olhar para o passado sempre com certo desprezo. Como colocou Nietzsche certa vez, até podemos desejar voltar ao momento em que se era mais jovem, mas dificilmente desejaríamos voltar a mentalidade que tínhamos outrora. Pensando nesse passado acabamos ficando sedentos pelo futuro. De forma geral a herança positivista está inscrita em nossa pele, especialmente quando possuímos algum nível de escolaridade. O que se passa por fim é que, durante longo tempo olhava para a Idade média com desprezo, seja por ver este período como um momento de trevas, seja pelo desprezo a histórias de cavaleiros, cortes, príncipes, princesas e nobreza. O problema é que até então eu sempre tão admirador do romantismo, ignorava o povão da Idade média. Desconhecia os resquícios e conclusões referentes ao seu pensamento e comportamento.
     Jacques LeGoff parte da ideia de que a cidade medieval teria mais semelhanças com a cidade moderna, do que a cidade antiga. Partindo dai, ele se propõem a analisar e explicar uma série de questões sobre as cidades medievais e as modernas, tudo claro, de forma geral, o que é perfeito para curiosos que não desejam se especializar, ou simplesmente alguém que busca algum ponto de partida.
     Acredito, e posso cair num saudosismo barato, que a Idade Média fora um dos momentos mais vivos do ocidente (leia-se Europa). As pessoas gozavam de uma liberdade maior que a nossa, sua vida estava menos regularizada pelo Estado. Não por acaso o fortalecimento dos Estados vai marcar o fim da Idade Média. O que acaba desmotivando um pouco é saber que tais regularizações acabavam ocorrendo de outra maneira: se o ritmo de trabalho não era determinado pelo relógio, era ele determinado por obrigações com o senhor feudal, ou se não havia toda uma regularização da vida por meio do Estado, a Igreja marcava sua presença. De qualquer forma, períodos diferentes exigem instrumentos distintos para interpretação.
     Entretanto a relação dos medievais com a cidade era algo mais vivo do que hoje. A cidade era muitas vezes um lugar de fuga, não era necessariamente reservada aos mais ricos, mas tão pouco suportava todos. Algo estranho para nós tão desejosos por um direito a cidade. O que se passa é que a cidade medieval possuía populações numericamente inferiores as atuais, entretanto sua população se revelava muito mais ativa e criativa do que as populações atuais. O que me interessa nas cidades é viver elas, mas não viver como me parece sugerir o repórter local¹, mas um viver de conhecer as frestas, cafés, bares, praças, de andar a pé, bicicleta, ver as pessoas, flanar. E creio que olhar para estas cidades medievais, possam ajudar a nós “pós-pós-modernos” a nos relacionarmos e transformarmos nossas cidades. Até porque já demonstramos um cansaço por esta cidade das rodovias, ausente de calçadas e cinza (fuligem), entretanto não queremos abrir mão das possibilidades citadinas.
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¹ No caso o apresentador Alexandre José tem como um de seus slogans: “a voz de quem vive a cidade”. Vale ressaltar que o jornal por ele apresentado não exita em cair no sensacionalismo geral da televisão, noticiando em grande medida acidentes, assaltos. Um de seus jargões é “bota o vagabundo na tela”.